Vim porque me pagavam,
e eu queria comprar o futuro a prestações.
Vim porque me falaram de apanhar cerejas
ou de armas de destruição em massa.
Mas só encontrei cucos e mexericos de feira,
metralhadoras de plástico, coelhinhos de Páscoa e pulseiras
de lata.
A bordo, alguém falou de justiça
(não, não era o Marx).
A bordo, falavam também de liberdade.
Quanto mais morríamos,
mais liberdade tínhamos para matar.
Matava porque estavas perto,
porque os outros ficaram na esquina do supermercado
a falar, a debater o assunto.
Com estas mãos levantei a poeira
com que agora cubro os nossos corpos.
Com estas pernas subi dez andares
para assim te poder olhar de frente.
Alguém se atreve ainda a falar de posteridade?
Eu só penso em como regressar a casa;
e que bonito me fica a esperança
enquanto apresento em directo
a autópsia da minha glória.
Golgona Anghel, in Vim Porque Me Pagavam
(Lisboa, Mariposa Azul, 2011)
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