Marco Antonio Rocha*
A Associação Brasileira da Indústria Têxtil protocolou na semana
passada um pedido de investigação de salvaguarda para vestuário porque
está havendo um “surto” de importações de roupas no país que causa
prejuízo à indústria nacional. Essa era a notícia na sexta-feira.
Não era uma notícia eletrizante, mas serve de gancho para a gente
analisar um longo processo de formação da chamada indústria nacional e
criticar uma estratégia que sempre nos pareceu equivocada e fora de
foco. Pois, na verdade, está havendo “surto” de importações de muita
coisa, e várias indústrias nacionais ou já foram para o brejo ou
simplesmente viraram importadoras, barracões de montagem.
Esse processo passou, em resumo, pelo seguinte: na primeira metade do
século passado, país forte era país que tivesse uma indústria forte,
principalmente baseada no binômio do carvão e do aço. Estados Unidos,
Inglaterra, Alemanha, França e Itália estavam no bloco das nações fortes
– tinham carvão, tinham aço e tinham uma indústria forte, de navios, de
trens, de máquinas para fazer máquinas. O Brasil não tinha nada, ou
quase nada disso. Era a razão do nosso atraso. “O Brasil é um país
essencialmente agrícola”, diziam muitos, inclusive um presidente da
República, de maneira resignada e conformista. “O quê? Uma indústria
siderúrgica nos trópicos? Só pode ser brincadeira”, ironizou um magnata
inglês quando ouviu falar de uma pretensão brasileira por volta da 1.ª
Guerra Mundial. Claro que ele não sabia, mas já tinha existido uma,
muito tempo antes, no Brasil colônia, a Real Fábrica de Ferro de
Sorocaba, em São Paulo, ainda hoje monumento histórico na cidade. Não
era bem uma usina siderúrgica, mas dava para fabricar enxadas, machados e
arados.
Descrença, falta de know-how, boas receitas externas da exportação de
café desde meados do século 19 ajudaram a criar boa dose de resignação
com a falta de indústrias no País e com o atraso nesse quesito.
Em 1930, Getúlio Vargas chega ao poder e o mote passa a ser
“industrialização” a toque de caixa. A vinda da Belgo-Mineira para o
Brasil quebrou o tabu de que siderurgia não prosperava nos trópicos e
gerou pretensões mais avantajadas. Logo se começou a pensar numa grande
siderúrgica em Volta Redonda. A 2.ª Guerra Mundial e suas demandas
bélicas, de transportes, de navios, de armas e munições e de
matérias-primas, dariam ao Brasil as oportunidades na área da indústria
metalúrgica e manufatureira, além das condições financeiras para enfim
arrancar dos americanos a tecnologia e a grana para a construção da Cia.
Siderúrgica Nacional, a CSN. Lá está ela, ainda hoje alimentando com
seus produtos o parque manufatureiro nacional.
Creio que, a partir daí, ou seja, da década de 1940, é que começou a
estratégia equivocada para beneficiar esse parque manufatureiro, baseada
na ideia de que era preciso “substituir importações” e, na sua
derivada, “brecar importações” para “proteger” a nascente e ascendente
indústria nacional. O Imposto de Importação foi o grande instrumento
dessa estratégia, e o consumidor brasileiro compareceu como refém de um
parque industrial, que afinal nem era tão nacional assim, pois
indústrias estrangeiras vieram se instalar aqui para aproveitar as
vantagens do curral mercadológico que o governo criara. Nos casos em que
o mercado interno tinha escala suficiente, era vantagem vir para cá e
livrar-se dos dissabores da concorrência internacional.
Em 1952, ainda com Getúlio, criou-se o BNDE (o “s” veio depois), para
dar alento à indústria “nacional”. Algumas montadoras que por aqui
estavam logo se propuserem a fabricar no Brasil carros “nacionais”, com
grande alarde e festejos. A grana era do BNDE, a rede de vendas elas já
tinham e o Imposto de Importação era o guardião dos produtos. A
importação de Chevrolets, Fords, Citroëns, Audis e Mercedes tornou-se
absolutamente proibitiva.
(Lembrança: desde 1948 e por alguns anos adiante, um vasto número de
táxis, em São Paulo e em muitas cidades do interior, eram
Mercedes-diesel, então baratíssimos. De 1955 em diante, viraram carros
de magnatas.)
Essa estratégia criou uma indústria dependente da proteção e do
financiamento do governo. Que hoje se debate com o desafio de como
ganhar o mundo.
O equívoco teve duas pernas: uma, que a melhor defesa era a defesa,
quando, na verdade, no mundo dos negócios a melhor defesa é o ataque.
Outra, que é função da indústria elevar o nome da Pátria.
O que se vê, no entanto, é que o que importa no mundo de hoje é a
marca. A Mitsubishi, a Canon, a Yamaha, a Sony, a Kia; ou a Volvo, a
Volkswagen, a Chevrolet, a Telefunken, a Fiat podem ter fábricas em
qualquer país – o consumidor mundial busca a marca, não a procedência.
Criar vários produtos brasileiros e marcas brasileiras
internacionalmente aceitáveis, como bandeiras e símbolos de qualidade,
teria sido a melhor estratégia. Ênfase em merchandising, mais do que em
fabricação. Esses produtos e marcas levariam para o mundo todo uma rede
de fornecedores industriais nacionais, que estariam hoje competindo, e
não se defendendo. Um país emergente com uma indústria submergente, como
a que temos, não vai a lugar nenhum.
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* Marco Antonio Rocha é bacharel em direito, jornalista especializado em
economia e finanças e co-ordenador do corpo de editorialistas do jornal
“O Estado de S. Paulo”. Ele foi repórter do jornal “Última Hora”, em São
Paulo, redator da Editora Abril, repórter e redator das revistas
“Quatro Ro-das” e “Realidade”, editor de economia e finanças da revista
“Visão” e colunista do “Jornal da Tar-de” e da “Gazeta Mercantil”.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 27/08/2012
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