Martha Medeiros*
Em geral, as pessoas
levam o concreto mais a sério do que o abstrato, mas é
necessário repartir essa conta. Na hora de educar um
filho, por exemplo, regra é o que
mais existe: ensinar a agradecer, a dizer por favor, a se desculpar.
Determinar o tempo para ficar em frente ao computador, cobrar
as lições da escola. Isso e mais
uma sequência de eteceteras
civilizatórios. Porém, sempre
acreditei que esse manual de
instruções terá pouco efeito se a atmosfera do lar for ruim. É
imprescindível uma casa leve, em que os pais não faltem com o respeito um com o outro, em
que as pessoas não engrossem por
qualquer bobagem, onde ninguém
humilhe as crianças, em que não
se esbanje xingamentos descabidos e grosseiros. Uma casa em que
haja música boa tocando, com muitos livros, revistas e
jornais, um ambiente
arejado no mais amplo sentido: não só
com janelas abertas, mas também com cabeças
abertas. Uma casa onde os amigos possam
chegar a qualquer hora e serem bem recebidos,
uma casa com cheiro
de comida vindo da cozinha e onde os
funcionários não sejam submetidos à tirania.
Uma casa onde os membros da família sejam afetuosos entre
si e que tratem os conflitos de forma apropriada:
conversando. Ou até brigando, se for
inevitável, mas em privado, sem acordar os vizinhos e preservando as
crianças. Creio que um ambiente
desestressado educa mais do que
um regulamento rígido: “Isso pode,
isso não pode”.
Dentro dessa linha de raciocínio,
tenho reparado também na importância do tom de voz com que
falamos uns com os outros, princi-
palmente com os filhos. Podemos
dizer a mesma frase com fúria,
com ódio, com impaciência – ou
com serenidade, com segurança,
com amor. A mesmíssima frase:
dependendo do tom de voz, serão
duas formas totalmente distintas
de se comunicar, e com resultados
também diferentes.
Há muitos subentendidos no tom
de voz. A pessoa que nos ouve
percebe o nosso grau de compro-
metimento com o que estamos
dizendo. Um simples “não”, se dito
de forma vacilante, não será obe-
decido. Ficará clara a ausência de
seriedade daquela ordem. Já diante
de um “não” categórico, ninguém
discute: é rapidamente assimilado.
Vale também para quando os filhos
nos pedem algo de que não estão
certos de serem merecedores, ou
que desconfiam que não lhes fará
bem. Sentimos na voz deles que o
que eles querem, na verdade, é que
imponhamos limite. Estão apenas
testando nosso amor. Que desespe-
ro quando um filho nos pede algo
absurdo com uma voz hesitante,
quase implorando pelo nosso não,
e os pais dizem um sim automático
só para se livrar do assunto, sem
reparar na sutileza do jogo que está
se estabelecendo. Por não saberem
escutar, muitos pais abandonam
seus filhos dentro da própria casa
em que vivem.
O tom de voz. A atmosfera do
lar. Prestemos mais atenção no que
o abstrato nos informa.
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* Escritora. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 13/09/2012
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