domingo, 23 de setembro de 2012

A educação está no ar


 Martha Medeiros*
 
Em geral, as pessoas levam o concreto mais a sério do que o abstrato, mas é necessário repartir essa conta. Na hora de educar um filho, por exemplo, regra é o que mais existe: ensinar a agradecer, a dizer por favor, a se desculpar. Determinar o tempo para ficar em frente ao computador, cobrar as lições da escola. Isso e mais uma sequência de eteceteras civilizatórios. Porém, sempre acreditei que esse manual de instruções terá pouco efeito se a atmosfera do lar for ruim. É imprescindível uma casa leve, em que os pais não faltem com o respeito um com o outro, em que as pessoas não engrossem por qualquer bobagem, onde ninguém humilhe as crianças, em que não se esbanje xingamentos descabidos e grosseiros. Uma casa em que haja música boa tocando, com muitos livros, revistas e jornais, um ambiente arejado no mais amplo sentido: não só com janelas abertas, mas também com cabeças abertas. Uma casa onde os amigos possam chegar a qualquer hora e serem bem recebidos, uma casa com cheiro de comida vindo da cozinha e onde os funcionários não sejam submetidos à tirania. Uma casa onde os membros da família sejam afetuosos entre si e que tratem os conflitos de forma apropriada: conversando. Ou até brigando, se for inevitável, mas em privado, sem acordar os vizinhos e preservando as crianças. Creio que um ambiente desestressado educa mais do que um regulamento rígido: “Isso pode, isso não pode”. 

Dentro dessa linha de raciocínio, tenho reparado também na importância do tom de voz com que falamos uns com os outros, princi- palmente com os filhos. Podemos dizer a mesma frase com fúria, com ódio, com impaciência – ou com serenidade, com segurança, com amor. A mesmíssima frase: dependendo do tom de voz, serão duas formas totalmente distintas de se comunicar, e com resultados também diferentes. 

Há muitos subentendidos no tom de voz. A pessoa que nos ouve percebe o nosso grau de compro- metimento com o que estamos dizendo. Um simples “não”, se dito de forma vacilante, não será obe- decido. Ficará clara a ausência de seriedade daquela ordem. Já diante de um “não” categórico, ninguém discute: é rapidamente assimilado. Vale também para quando os filhos nos pedem algo de que não estão certos de serem merecedores, ou que desconfiam que não lhes fará bem. Sentimos na voz deles que o que eles querem, na verdade, é que imponhamos limite. Estão apenas testando nosso amor. Que desespe- ro quando um filho nos pede algo absurdo com uma voz hesitante, quase implorando pelo nosso não, e os pais dizem um sim automático só para se livrar do assunto, sem reparar na sutileza do jogo que está se estabelecendo. Por não saberem escutar, muitos pais abandonam seus filhos dentro da própria casa em que vivem.
O tom de voz. A atmosfera do lar. Prestemos mais atenção no que o abstrato nos informa. 
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* Escritora. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 13/09/2012
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