DE SÃO PAULO
Mãos ao alto. Estique-se. Agora, se ninguém estiver olhando, fique por dois minutos nessa posição.
É o suficiente para você ganhar autoconfiança e passar a se comportar
como uma pessoa poderosa, mesmo que esse não seja o seu perfil habitual,
segundo a psicóloga Amy Cuddy, professora da Harvard Business School
(leia entrevista à pág. 5).
Posturas corporais expansivas são maneiras conhecidas de alguém se
impor. A psicóloga americana vai além ao afirmar que essas poses não
apenas comunicam poder aos outros como também tornam a pessoa poderosa
de fato, mudando seus níveis hormonais, seu comportamento e sua forma de
pensar.
Para comprovar a tese, Amy Cuddy e seus colegas das universidades
Harvard e Columbia mediram os níveis dos hormônios testosterona e
cortisol de 42 pessoas que foram orientadas a ficar em posições
expansivas (veja às págs. 4 e 5) ou contraídas (pernas e braços
cruzados, ombros arqueados).
Quem posou de poderoso teve aumento nos níveis de testosterona (ligado
ao impulso de lutar) e queda nos de cortisol (ligado ao estresse). É o
perfil hormonal do "macho alfa", o líder do bando.
Os voluntários não se exibiram para uma plateia e não sabiam que estavam
participando de um estudo sobre posturas de poder. Os níveis dos
hormônios na saliva dos pesquisados foram medidos antes do início do
experimento e 17 minutos depois de a postura ter sido mantida por dois
minutos.
A influência no comportamento também foi medida: os voluntários
receberam uma pequena quantia em dinheiro que podiam levar para casa ou
apostar -nesse caso, arriscavam-se a perder tudo ou a ganhar em dobro.
Entre os que se colocaram nas posturas de poder, 86% tiveram coragem de
arriscar, contra 60% dos participantes que ficaram em posições mais
encolhidas.
Eles também fizeram um discurso para uma plateia que não sabia qual era o
objetivo da pesquisa. O público avaliou melhor aqueles que, antes da
apresentação, ficaram, por exemplo, com os pés esticados sobre a mesa ou
com as mãos na cintura como a "Mulher Maravilha" (poses que não foram
reproduzidas no discurso).
"Mudando sua postura, você prepara seus sistemas mentais e psicológicos
para enfrentar desafios e situações estressantes e pode aumentar sua
confiança e melhorar seu desempenho", diz Cuddy.
Ciência e ioga mostram elo entre postura e hormônios
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O efeito poderoso das posturas observado na pesquisa de Amy Cuddy pode
ser explicado pela neuroendocrinologia -ciência que estuda a relação
entre os sistemas nervoso e endócrino.
"Essa conexão começa com a percepção física do corpo no espaço, que
manda estímulos nervosos ao hipotálamo, região do cérebro que regula a
hipófise, espécie de gerente-geral de todo o sistema hormonal", explica
Fabio dos Santos, cardiologista especializado em medicina integrativa em
Harvard.
Isso, segundo o médico, referenda a influência da postura nos níveis
hormonais que, por sua vez, estão ligados a emoções primárias, como
medo, e a impulsos básicos, como lutar ou fugir.
"O que me surpreendeu no estudo foi a rapidez com que a postura produziu efeitos nesse sistema", diz Santos.
Mesmo que o experimento tenha provado um efeito hormonal rápido, nada
garante que ele perdure, segundo o psicólogo Fernando Elias José, mestre
em cognição pela PUC do Rio Grande do Sul. "Pode funcionar
momentaneamente, mas usar só a postura é pouco para uma mudança
comportamental."
Para o psicólogo, as evidências da pesquisa são frágeis: "O número de
participantes é pequeno e as reações a desafios, em um experimento, não
são iguais às reações em uma situação real, como uma entrevista de
emprego".
Também faltou isolar variáveis que podem ter influenciado o resultado,
como o fato de o participante praticar ou não atividades físicas,
acrescenta Fabio dos Santos.
SUPER-HOMEM DEMAIS
Para adeptos da ioga, a relação entre posturas e mudanças hormonais não é surpreendente.
"A ioga mexe com áreas do corpo ligadas a determinadas redes de nervos
que, quando estimulados, mandam impulsos para as glândulas produzirem
mais ou menos hormônios", afirma o biólogo e professor de ioga Anderson
Allegro, da Aruna Yoga.
A ioga usa tanto posturas de extroversão quanto de introversão. "Ficar super-homem demais também não é legal", diz Allegro.
As diferenças não param por aí. Na pesquisa americana, a mudança
interior ocorre após meros dois minutos na posição de poder, enquanto na
ioga as transformações de comportamento são percebidas após um bom
tempo de prática contínua.
A neurociência também tem estudado a relação entre corpo, emoções, cognição e comportamentos.
"O António Damásio [neurocientista português] tem essa descrição da
postura do vencedor que foi usada na pesquisa: peito aberto, cabeça para
cima", conta a terapeuta corporal Lucia Merlino, que estuda os
conceitos de consciência e imagem corporal de Damásio para o seu
doutorado sobre comunicação e ensino do movimento.
Para ela, a mudança interior acontece quando a pessoa chega a uma
organização melhor do corpo e consegue adaptar suas posturas às demandas
da vida, na interação com as outras pessoas.
"Você pode até querer ficar na postura de vencedor, mas às vezes é
impossível fazer isso por causa de limitações do próprio corpo. Nesse
caso, é preciso antes aprender a se soltar, ganhar amplitude", diz
Merlino.
'Se você faz a pose, mesmo fingindo ganha poder'
Divulgação | |||
A psicóloga e professora de Harvard Amy Cuddy |
DE SÃO PAULO
A psicóloga Amy Cuddy, 40, ensina liderança e negociação na Harvard
Business School (EUA). E estuda o aspecto menos óbvio das relações
profissionais: a comunicação não verbal.
Cuddy pesquisa como a linguagem corporal afeta a carreira e investiga de
que forma as posturas podem causar mudanças comportamentais e
fisiológicas profundas.
A psicóloga, que atualmente estuda a relação entre liderança e níveis de cortisol, fala sobre seu trabalho nesta entrevista à Folha.
Folha - Por que a sra. resolveu investigar posturas de poder?
Amy Cuddy - Observando meus alunos percebi uma relação entre as
posturas e sua participação nas aulas. Os que mostravam poses poderosas
participavam mais e tinham melhores notas. Resolvi testar se o
desempenho dos alunos mais retraídos poderia ser influenciado por meio
das posturas corporais.
Qual é a relação entre posturas e hormônios?
Estudos mostram que quem assume a liderança de um grupo muda seu perfil hormonal: produz mais testosterona e menos cortisol.
Sabemos que esses hormônios mudam conforme situações exteriores: se você
fica parado no trânsito, o cortisol sobe; se você vai competir, a
testosterona aumenta, mas, se perder, os níveis desse hormônio baixam.
Nessas situações, as posturas corporais também são afetadas.
Resolvemos pesquisar se o caminho inverso era possível: usar a
organização do corpo para mudar as reações fisiológicas e
comportamentais às situações estressantes.
Há diferenças para homens e mulheres ou para pessoas de diferentes meios sociais?
Na pesquisa, o efeito hormonal foi o mesmo para ambos os sexos e pessoas
de diferentes etnias, mas os participantes ficavam sozinhos em uma sala
enquanto faziam as poses. É possível que ocorram diferenças quando há
interação com outras pessoas, porque temos normas sociais sobre as
posturas apropriadas para homens, mulheres, jovens, subalternos.
Por que o efeito permanece depois que a pessoa deixou de fazer a postura de poder?
Se a pessoa enfrenta um desafio se sentindo confiante e relaxada, passa a
mensagem de que tem poder. Os outros percebem a força e reforçam a
sensação de confiança, o que sustenta o nível hormonal.
Em quais situações as mudanças posturais podem ser úteis?
Em entrevistas de trabalho, quando é preciso falar em público ou confrontar um superior ou tomar decisões que envolvem riscos.
Tenho recebido mensagens de pessoas que mostram como as aplicações são
amplas: desde professores que precisam enfrentar uma classe de alunos
muito agressivos até uma idosa que vai a uma consulta e tem medo de
fazer perguntas ao médico.
A sra. se considera uma pessoa poderosa?
Tenho autoconfiança, mas nem sempre foi assim. No começo da carreira,
fingia estar confiante. Se você faz pose de poderosa, mesmo fingindo,
ganha esse poder de verdade.
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Fonte: Folha on line, 25/09/2012
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