Marcelo Gleiser*
Revoluções como as de Copérnico tiraram a centralidade da Terra e da Via Láctea no Universo
QUANDO, EM 1917, Einstein propôs o primeiro modelo cosmológico da era
moderna, não havia qualquer razão para supor que o Universo teria um
começo. Tudo indicava que o Universo era estático e infinitamente velho,
sem um início.
Tudo indicava também que a Via Láctea era tudo o que existia. Outras
"nebulosas", vistas com telescópios, eram supostamente parte dela. Para
além da Via Láctea, o Cosmo se estendia pela escura vastidão infinita do
espaço vazio.
Em menos de uma década, porém, tudo iria mudar. Para o horror da maioria
dos cientistas, o Cosmo ganhou uma história, que, ao menos
qualitativamente, lembrava o "Faça-se a Luz!" bíblico.
Numa sucessão de observações sensacionais, graças a um telescópio de cem
polegadas e uma metodologia impecável, o astrônomo americano Edwin
Hubble e seu assistente Milton Humason determinaram, em 1924, que a Via
Láctea era apenas uma entre "centenas de milhares" de outras galáxias.
Hoje, sabemos que existem centenas de bilhões de galáxias. Após Hubble, a
imagem da distribuição da matéria pelo espaço mudou completamente: não
havia mais um "centro", a Via Láctea, mas um enorme número de núcleos.
De certa forma, a descoberta foi uma versão moderna da Revolução
Copernicana, visto que foi nela que a Terra perdeu sua centralidade.
Como se isso não bastasse, em 1929, Hubble e Humason demonstraram que as
galáxias se afastavam umas das outras. A conclusão, ainda mais
chocante, inclusive para Einstein, era a de que o Universo não era
estático, mas estava em expansão. Com isso, o Cosmo ganhou uma história:
voltando no tempo, haveria um momento no qual as galáxias estavam
amontoadas, o momento da "criação".
Se Hubble estivesse certo, a cosmologia se tornava mítica, colocando-a
próxima das questões religiosas: se o Universo tem uma história, como
ela começou? "Quem" a começou? Por que ela começou?
A situação tornou-se ainda mais interessante quando, em 1927, o
padre-cosmólogo belga Georges Lemaître propôs que o Universo surgiu da
desintegração espontânea de um gigantesco átomo primordial.
Lemaître inventou um modelo científico da "criação", mesmo se insistisse
que não havia qualquer relação com a Bíblia. Mas a associação era
inevitável. Ninguém prestou, ou quis prestar, atenção nas ideias de
Lemaître até que Hubble descobriu a expansão.
Desde então, a cosmologia vem se debatendo com a questão do "início" de
tudo. Em 1948, três ingleses sugeriram uma alternativa, o "modelo do
estado padrão", no qual o Cosmos não teria um começo: por toda a
eternidade, a matéria era criada na mesma proporção em que se diluía
devido à expansão.
Porém, nos anos 1960, o modelo rival do Big Bang é que foi verificado
por observações. Tudo indica que ao menos nossa etapa cósmica surgiu
mesmo de um evento inicial.
Mas e se nosso Universo não for único, mas parte de um multiverso, esse
sim eterno? Modelos atuais pressupõem que seja esse o caso, que o
multiverso existe eternamente e que o nosso existe entre incontáveis
outros. Seria a terceira Revolução Copernicana, agora removendo a
centralidade do Universo.
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