Washinton Novaes*
Texto da BBC Brasil estampado na última segunda-feira por
este jornal relata a preocupação de cientistas com a “invasão global de
minhocas” e de “outras espécies alienígenas” – entre elas as formigas -,
que “já conquistaram quase todos os continentes” (a Antártida é uma das
exceções). Espécies invasoras estão “vencendo a competição” com
espécies locais porque se adaptam rapidamente a terrenos desmatados e
alterados, mudam a estrutura dos solos. Podem reduzir efeitos da erosão,
como na Amazônia, aumentar o nível de minerais no solo e estimular o
crescimento de plantas. Mas afastam outras espécies.
Estranho que possa parecer, é tema altamente
relevante, fascinante mesmo, por muitos ângulos. E quem se interessar
pode, por exemplo, consultar o livro Journey to the ants – a story of scientif exploration” (Harvard Press University, 1994), de
Bert Hordobler e Edward Wilson, este último considerado um dos maiores
conhecedores da biodiversidade e o maior especialista em mirmecologia, o
estudo das formigas, ao qual se dedica há meio século no mundo todo,
com vários livros publicados. A ponto de um deles (The Ants, 1990), pesar 3,4 quilos.Juntos, Wilson e Hordobler têm pesquisas de quase um século.
Wilson e Hordobler começam ensinando aos humanos uma
lição admirável das formigas : seu êxito – que as levará a dominar o
planeta, de acordo com o primeiro – decorre do extraordinário
comportamento de cooperação entre os milhares de membros de cada
colônia, que gera extrema eficiência , na busca, transporte e
armazenamento de alimentos, na reprodução, na defesa do grupo etc. Uma
das armas principais nessa luta coletiva pela vida é o uso de vários
tipos de linguagem (corporal, visual, gestual etc.), principalmente
química – porque o odor de cada parte do corpo, emitido no encontro de
dois seres, pode ter significados muito específicos, como alarme, desejo
de atração, disposição para cuidar da cria, oferta de alimentos etc. E
essa cooperação é a base da sobrevivência.
A colônia é o sentido fundamental da vida para cada
formiga, embora possa haver disputa entre a rainha e formigas operárias,
quando estas se sentem em condições de reproduzir (o que cabe à
rainha). Pode haver também conflitos com outras formigas da mesma
espécie. Mas, com suas características, as formigas sobrevivem há muito
mais tempo que os seres humanos, uns 100 milhões de anos, desde a época
dos dinossauros. É quase inacreditável, quando se lembra que o tamanho
de uma formiga é de cerca de um milionésimo do corpo humano. Mas elas
representam um por cento do quintilhão de insetos que existem no planeta
– já eram na década de 90 cerca de 10 quatrilhões e cada formiga se
reproduz umas 500 vezes nos 20 anos que o ser humano leva para formar
cada nova geração. Por isso, pensa Wilson, as formigas dominarão a
Terra. Hoje, juntas, pesam tanto quanto todos os seres humanos.
Já há estudos demonstrando que na floresta amazônica,
perto de Manaus, formigas e térmites representam um terço da biomassa
animal. Se a elas se acrescentarem abelhas e vespas, serão 80% do total.
Por isso, dizem Wilson e seu parceiro, pode-se afirmar que “o
socialismo funciona, em certas circunstâncias. Karl Marx apenas escolheu
a espécie errada” para estudar. Embora, no caso das formigas, suas 500
mil células nervosas tenham, juntas, apenas o tamanho de uma letra numa
página de livro. E se todas as espécies de formigas desaparecessem –
afirmam – “seria uma catástrofe”
Poderíamos aprender muito com formigas, cupins e
muitas outras espécies vegetais. Há alguns anos, quando produzia um
documentário para a TV Cultura, o autor destas linhas foi ao Jardim
Botânico paulistano acompanhando um especialista em grandes estruturas
de concreto na USP, que começou mostrando uma variedade de bambu com a
maior capacidade de resistência a impactos físicos por centímetro
quadrado – e o estudo dos fundamentos dessa resistência serviam para
orientar a criação de grandes estruturas de concreto. Depois, mostrou um
cupinzeiro, abrindo com as palavras: “Este é o edifício mais
inteligente que existe. Aqui vivem dezenas de milhares de indivíduos,
que convivem em harmonia, trafegam sem congestionamento (para buscar
alimentos), sem colisões, sem conflitos, orientando-se com várias
linguagens. No interior do cupinzeiro, existem câmeras específicas onde a
rainha deposita seus ovos para reprodução; câmeras para depósito de
alimentos, com orifícios no alto para a saída de gases da decomposição;
outros orifícios que são fechados ou abertos por ação dos cupins, para
adaptar-se às temperaturas fria ou quente. Pode haver algo mais racional
?”
No momento em que tantos estudos mostram o momento
difícil que vivemos por causa das várias crises globais, inclusive a da
finitude de recursos naturais, é preciso entender muito mais da relação
humana não apenas com os ecossistemas, biomas, áreas específicas, mas
também do significado, em cada um deles, das muitas espécies, sua
importância para a conservação – e para a sobrevivência humana. É
espantoso que, na hora em que cientistas afirmam que toda a superfície
de gelo acumulada no Ártico pode derreter-se (nos meses de verão) em
quatro anos (guardian.co.uk, 17/9), liberando quantidades
assombrosas de metano acumuladas sob a camada até aqui permanente, é
preciso ter consciência da gravidade. E da necessidade de levar os
comportamentos sociais a serem adequados às novas questões. Até
formigas, cupins, abelhas e vespas enquadram-se nesse contexto.
É aflitivo, por isso, verificar a distância dos temas
fundamentais em que se encontram, nesta hora, os temas das campanhas
eleitorais em todo o país. Não será por essas veredas imediatistas que
se poderá chegar a alguma via larga, aberta para o horizonte e o futuro.
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* Colunista do Jornal o Estado de São Paulo
Fonte: O Estado de São Paulo 28/09/2012
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