quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A primeira vez de Catarina

Martha Medeiros*

Não li o badalado Cinquenta Tons de Cinza, que está fazendo vir à tona fantasias eróticas pouco ortodoxas do público feminino, mas para não dizer que estou totalmente fora do mundo, venho acompanhando outra questão envolvendo sexo que traz componentes que parecem ficção, mas consta que a história é verdadeira. Um cineasta australiano, Justin Sisely, está pré-produzindo um documentário chamado Virgens Wanted. Pretende realizar uma espécie de reality show com jovens virgens, cuja pureza está sendo leiloada na internet a fim de que, depois de submetidos à sua primeira relação sexual, possam ter suas transformações físicas e emocionais avaliadas por nós, espectadores. A conferir.

Catarina, uma jovem brasileira de 20 anos, bonita e entediada com sua vida de estudante de Educação Física, inscreveu-se e foi aceita. O lance por ela já alcançou US$ 100 mil, mas as apostas continuam abertas, vão até o dia 15 de outubro. Segundo ela, é a chance de ganhar um belo dinheiro, participar de um filme e sair da rotina. E os riscos são nulos, segundo os idealizadores. O candidato que der o lance mais alto terá que apresentar exames médicos, ficha policial e está proibido de se inspirar em Christian Grey: nada de fetiches, acessórios, nem mesmo beijo na boca. Farão um provável papai e mamãe – mas ele receberá certificado de consumação ao fim do intercurso, como o mundo dos negócios exige.

Falando em mamãe, a dela está dando todo o apoio. Que sorte, a dessa menina.

É isso aí, Catarina, divirta-se. Prostituta por um dia, celebridade por três meses (mais do que a Luiza do Canadá) e grana para se sustentar uns bons anos sem precisar voltar para a faculdade. Li sobre você: gosta de filosofia, dos livros de Dostoievski e Albert Camus, escuta jazz e música clássica, adora Edith Piaf. Vamos torcer para que seu pretendente mantenha esse nível, ainda que isso pouco importe, claro. Você não está procurando um namorado, e sim um patrocinador. Se, apesar de sua beleza, juventude e consistente formação cultural, é a virgindade que você tem como produto de troca nesse grande Baú da Felicidade que se tornou o planeta, realize a permuta e deixe para amar depois. Se é que amar não é uma grande besteira. Deve ser. Ando tão desatualizada.

Teu corpo te pertence, Catarina. E você pertence a esse mundo, é fruto dessa sociedade, não há nada fora do lugar, nenhum motivo para choque, é a vida como ela é hoje, roteirizada para oferecer ao público um show quente, com muita luz projetada sobre os protagonistas e sem sentimentalismos, que isso entrou em desuso junto com a inocência. Está tudo certo. Tudo normal. Se é que essa história de normal não virou outra grande besteira. 
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* Escritora. Colunista da Zero Hora.
Fonte: ZH on line, 26/09/2012
Imagem da Internet: Catarina.

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