DIANA CORSO*
Os historiadores não se cansam de lembrar que a dita tradição gaúcha,
o gaudério de bota, bombacha, lenço no pescoço, sorvendo sua cuia de
chimarrão, não passa de uma brincadeira cultural. Longe da verdade
histórica, o bravo guerreiro, tão celebrado a cada setembro, é a
fantasia glamourizada de um peão que nunca existiu.
Homens e mulheres vivem nos CTGs, no Acampamento Farroupilha e nos desfiles, uma espécie de Carnaval de primavera. Fantasiados de gaúcho e prenda, fazem danças típicas, acrobacias equestres e festejam por vários dias o mútuo reconhecimento. Depois falamos da longa duração e da entrega popular aos orgiásticos e ostensivos carnavais baiano ou carioca, como se os prolongados festejos sulistas nos ocupassem menos. De qualquer modo, durante esta época, os nativos sentem-se felizes e tranquilos, assim fardados e comportando-se conforme os clichês da personagem. Umas poucas insígnias resolvem as inquietudes de que tanto padecemos.
Fora da festa, a vida é mais hostil: os papéis viril e feminino não cessam de ser questionados, a sabedoria dos pais não vale um vintém e, diferentemente do patrão do CTG, ninguém ousa dizer aos mais jovens o que vestir, cantar e pensar. No baile à fantasia tradicionalista, basta envergar o traje regulamentar, e todas essas incertezas são banidas, gaúcho corretamente fardado é macho, prenda com saia de armação e flor no cabelo é mulher. As dúvidas do século 21 são resolvidas com o imaginário do 19, e estamos conversados.
“Não há como ser original, se não for com base em uma tradição”, escreveu o psicanalista Winnicott, aludindo ao fato de que partimos de uma base, que nos alicerça, justamente para transcendê-la. Nesse sentido, é sempre bom lembrar que, apesar do aspecto tranquilizante da festa regional, nossa cultura só mostrará sua riqueza enquanto for tributária do maior acervo de referências que pudermos adquirir. Jorge Luis Borges, que muitas histórias de homens do campo escreveu, já dizia que “nossa tradição é toda a cultura ocidental”, “nosso patrimônio é o universo” e que “não podemos aferrar-nos ao argentino para ser argentinos: porque o ser argentino é uma fatalidade e nesse caso o seremos de qualquer modo”.
Ele propunha, como contraponto, que “se nos abandonamos a esse sonho voluntário que se chama criação artística, seremos argentinos e seremos, também, bons e toleráveis escritores”. O mesmo vale para nós, gaúchos. Só para lembrar que nosso movimento tradicionalista organiza uma boa festa popular, mas a arte e a cultura das quais nosso povo pode se orgulhar são muito maiores do que isso.
Homens e mulheres vivem nos CTGs, no Acampamento Farroupilha e nos desfiles, uma espécie de Carnaval de primavera. Fantasiados de gaúcho e prenda, fazem danças típicas, acrobacias equestres e festejam por vários dias o mútuo reconhecimento. Depois falamos da longa duração e da entrega popular aos orgiásticos e ostensivos carnavais baiano ou carioca, como se os prolongados festejos sulistas nos ocupassem menos. De qualquer modo, durante esta época, os nativos sentem-se felizes e tranquilos, assim fardados e comportando-se conforme os clichês da personagem. Umas poucas insígnias resolvem as inquietudes de que tanto padecemos.
Fora da festa, a vida é mais hostil: os papéis viril e feminino não cessam de ser questionados, a sabedoria dos pais não vale um vintém e, diferentemente do patrão do CTG, ninguém ousa dizer aos mais jovens o que vestir, cantar e pensar. No baile à fantasia tradicionalista, basta envergar o traje regulamentar, e todas essas incertezas são banidas, gaúcho corretamente fardado é macho, prenda com saia de armação e flor no cabelo é mulher. As dúvidas do século 21 são resolvidas com o imaginário do 19, e estamos conversados.
“Não há como ser original, se não for com base em uma tradição”, escreveu o psicanalista Winnicott, aludindo ao fato de que partimos de uma base, que nos alicerça, justamente para transcendê-la. Nesse sentido, é sempre bom lembrar que, apesar do aspecto tranquilizante da festa regional, nossa cultura só mostrará sua riqueza enquanto for tributária do maior acervo de referências que pudermos adquirir. Jorge Luis Borges, que muitas histórias de homens do campo escreveu, já dizia que “nossa tradição é toda a cultura ocidental”, “nosso patrimônio é o universo” e que “não podemos aferrar-nos ao argentino para ser argentinos: porque o ser argentino é uma fatalidade e nesse caso o seremos de qualquer modo”.
Ele propunha, como contraponto, que “se nos abandonamos a esse sonho voluntário que se chama criação artística, seremos argentinos e seremos, também, bons e toleráveis escritores”. O mesmo vale para nós, gaúchos. Só para lembrar que nosso movimento tradicionalista organiza uma boa festa popular, mas a arte e a cultura das quais nosso povo pode se orgulhar são muito maiores do que isso.
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* Diana Lichtenstein Corso é Psicanalista Membro da APPOA (Associação
Psicanalítica de Porto Alegre). Formada em psicologia pela UFRGS, é
colunista do jornal Zero Hora e publicou o livro Fadas no Divã:
psicanálise nas histórias infantis, em 2005, e Psicanálise na Terra do
Nunca: ensaios sobre a fantasia, em 2010, ambos pela Ed. Artmed,
escritos em parceria com seu marido Mário Corso. Site: www.marioedianacorso.com
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/26/09/2012
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