THOMAS L. FRIEDMAN*
O mundo vem se tornando tão interdependente que um líder fraco em um país tem hoje profundo impacto sobre muitos outros; o déficit de liderança global não pode continuar
Na semana passada, a líder da democracia de Mianmar,
Aung San Suu Kyi, chegou a Washington e foi agraciada com a Medalha de
Ouro do Congresso, numa cerimônia no Capitólio. Eu não estava presente,
mas li a transcrição da cerimônia e fiquei profundamente impressionado
com o tributo prestado a ela pelo senador John McCain, que agradeceu
"The Lady" por "ter me ensinado, na minha idade, uma ou duas coisas
sobre coragem". Encerrou sua fala repetindo uma famosa frase de Aung San
Suu Kyi: "não é o poder que corrompe, mas o medo. O temor de perder o
poder corrompe aqueles que o exercem, e o medo do açoite do poder
corrompe aqueles que estão sujeitos a ele".
Adoro essa frase: não é o poder, mas o temor de perder o poder que
corrompe. Isso é profundamente verdadeiro e relevante hoje, quando tão
poucos líderes ousam assumir um risco nas urnas e dizer às pessoas a
verdade sobre alguma coisa difícil ou controversa. Aung San Suu Kyi
dedicou 20 anos da sua vida ao seu país. Muitos líderes hoje não
cederiam um minuto.
Você observa isso por toda parte: os muçulmanos investem enfurecidos
contra a embaixada americana no Cairo por um desprezível e imaturo vídeo
antimuçulmano no YouTube - e o novo presidente egípcio, Mohammed Morsi,
da Irmandade Muçulmana, de início recusa-se a condenar os agitadores ou
mesmo proteger adequadamente a missão diplomática americana. Somente um
telefonema do presidente Barack Obama, que sem dúvida insinuou que o
Egito não receberia um centavo de ajuda externa se Morsi não tomasse
alguma medida, levou o líder egípcio a condenar o ataque. Autoridades da
Irmandade Muçulmana "explicaram" que Morsi estava indeciso entre as
exigências da diplomacia e o não desejo de alienar sua base ou ser
suplantado pelos muçulmanos salafistas ainda mais radicais. Lamento,
liderar é decidir. Não é um bom sinal.
Mas você sabe o que eles dizem sobre pessoas que agem com
hipocrisia... Em julho, a deputada Michele Bachmann iniciou uma campanha
equivocada contra muçulmanos no governo dos Estados Unidos, incluindo
uma assessora importante da secretária de Estado Hillary Clinton. Ela
escreveu para os líderes das agências de segurança nacional do país
questionando se a Irmandade Muçulmana havia se infiltrado no governo
federal. Tanto John McCain como o presidente da Câmara, John Boehner,
censuraram Bachmann por sua caça às bruxas com inspiração política, mas
não Eric Cantor, o líder da maioria na Câmara. O ambicioso Cantor viu aí
uma oportunidade para obter ganhos políticos na base republicana,
contra seu rival John Boehner, e disse a Charlie Rose da CBS News que
era preciso compreender Michele Bachmann: "Acho que sua preocupação foi
com a segurança do país". Sim, certo, Cantor, e suponho que o senador
Joe MacCarthy também estava preocupado com isso.
O premiê israelense Bibi Netanyahu vem demandando a altos brados que
os EUA publicamente tracem uma "linha vermelha" (limite) com relação ao
programa nuclear iraniano, estabelecendo quando os Estados Unidos
lançariam um ataque contra Teerã. Bibi é Winston Churchill quando se
trata de exigir que os Estados Unidos tracem limites, mas é apenas chefe
de um partido local quando os EUA pedem que ele trace uma "linha
verde"demarcando o território e estabelecendo até onde vão os
assentamentos judeus na Cisjordânia e um Estado palestino terá início.
"Oh! não. Eu não posso fazer isso", afirma o premiê israelense.
"Perderia minha coalizão". Assim os EUA correm o risco de uma guerra com
o Irã, mas Bibi não quer se arriscar a propor um acordo com os
palestinos que ofereceria um pouco mais de legitimidade e simpatia
globais para Israel e os EUA, na eventualidade de uma guerra com o Irã.
Muito obrigado.
Obama cometeu um erro ao tentar negociar um "grande acordo" com
Boehner sobre impostos e gastos no ano passado. Mas sempre tive uma
dúvida. Boehner disse ter ido atrás de Obama e pedido US$ 400 bilhões
mais em impostos para conseguir convencer mais democratas.
Por que ele simplesmente não saiu, chamou Obama e disse: "minha
proposta é essa - esqueça os US$ 400 bilhões - ou você aceita o acordo
original, senão esqueça". Ele não fez isso porque teve medo que Obama
aceitasse a oferta. E Boehner sabia que não conseguiria ganhar a base do
seu Tea Party ou perderia sua liderança tentando. Então não tentou.
Quanto a Obama, ele esteve no seu melhor papel quando ousou liderar
sem temer os políticos: eliminando Osama bin Laden, assegurando uma
assistência médica sem uma opção pública, levando adiante seu programa
para o ensino e socorrendo os bancos em vez colocar todos os banqueiros
na prisão, o que mereciam. E o seu desempenho é o pior quando ele coloca
a política em primeiro lugar: repelindo a comissão Simpson-Bowles,
redobrando sua aposta no Afeganistão por temer ser visto como um frouxo e
tirando o problema da "mudança climática" dos seus discursos.
Algo me diz que esse déficit de liderança global não pode durar. Em
primeiro lugar, o mundo vem se tornando tão interdependente que uma
liderança fraca em um país tem hoje um profundo impacto sobre muitos
outros. Pense na crise do euro, na disputa de Israel com Irã ou na
poluição na China. E em segundo, não acredito que as duas forças
disciplinadoras mais poderosas do planeta - o mercado e a mãe natureza -
continuarão inativas por mais uma década, permitindo que continuemos
criando enormes déficits financeiros e excedentes de carbono sem nos
punirem um dia, com golpes que exigirão uma liderança hercúlea para
enfrentá-los.
Portando, vamos reverenciar "The Lady" de Mianmar, não apenas com uma
medalha, mas de uma maneira realmente importante - imitando-a.
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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* É COLUNISTA, THE NEW YORK TIMES
Fonte:http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,linhas-duras--vermelhas-e-verdes-,935330,0.htm
Imagem da Internet :
Aung San Suu Kyi
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