quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O carro que dirige sozinho está chegando.

 
A Mazda Raceway, uma pista de corrida em Laguna Seca, na Califórnia, é uma verdadeira montanha-russa de 3,5 quilômetros de asfalto. O trecho mais famoso, o "Saca-Rolhas", exige que o motorista suba em alta velocidade um longo aclive e de repente pise no freio com toda a força e faça uma brusca guinada à esquerda, levando o carro, aparentemente, para mergulhar no vácuo. O carro fica momentaneamente sem peso, e quando a pista se materializa embaixo do motorista - sempre uma boa surpresa - já está descendo pelo declive a toda velocidade, como em um salto de esqui - sem contar que está dando uma forte guinada à direita.

Esse é um dos vários pontos cegos de Laguna Seca que obrigam o motorista a fazer uma curva fechada antes de poder realmente ver para onde está indo. Se você esperar para ver a curva antes de virar, vai acabar chegando em Monterey.

Como crítico de automóveis do The Wall Street Journal, já estive em Laguna Seca muitas vezes, testando carros de alto desempenho, e nesse dia especial, em junho de 2011, meu desempenho foi brilhante. Eu já tinha dominado o Saca-Rolhas e feito a curva em U, a chamada Andretti. Tal como um Stradivarius tocado por Yascha Heifetz, assim era o BMW nas minhas mãos.

Só que eu não estava dirigindo. Embora estivesse no banco do motorista, minhas mãos e pés estavam estranhamente ociosos.

O carro ia dirigindo a si mesmo, repetindo digitalmente um circuito realizado antes por um piloto profissional - que agora estava sentado no box, assistindo, enquanto o carro e eu íamos e voltávamos pela pista. Tudo o que eu tinha a fazer era ficar ali sentado, sentindo o carro dançar à beira do controle, e quase morrer de susto, mas mantendo minha postura viril.
O TrackTrainer da BMW - um carro de passeio 330i experimental, repleto de equipamentos de visão mecânica - utiliza GPS, mapas da pista e a telemetria gravada durante um circuito-modelo feito por um piloto profissional para serpentear por essa pista de corrida. O motorista em treinamento pode receber um retorno "háptico", ou seja, de informações tácteis - uma sensação de zumbido no lado direito ou esquerdo do assento - e pistas visuais que o orientem nas curvas, tais como um gráfico mostrando a rota preferida sobreposta a um jogo de corrida de automóveis em vídeo game. Ou então o carro pode assumir totalmente o volante, o acelerador e os freios, recriando o circuito feito pelo piloto profissional quase até o último centímetro de asfalto. E depois pode fazer tudo isso outra vez - exatamente, lindamente.

Que droga! Posso aceitar a ideia de que exista um carro autônomo como nosso ajudante; e decerto acho ótima a promessa da tecnologia de impor ordem no nosso sistema de tráfego, perigoso, descoordenado e ineficiente. Salve, sociedade das formigas!

Mas será que um robô precisa mesmo dirigir melhor que eu? Sempre tive certo orgulho da minha perícia ao volante. Mas sinceramente, hoje em dia um motorista-robô com certeza me deixaria lá atrás, comendo poeira, em Nurburgring, a famosa e dificílima pista de corrida alemã situada nas florestas das Montanhas Eifel - um labirinto de 173 curvas e 22 quilômetros de comprimento, que testa a memória do motorista tanto quanto a sua habilidade.

Creio que esse é um ponto ainda não bem compreendido acerca da mobilidade autônoma: esses sistemas, que vêm sendo desenvolvidos discretamente há décadas, há muito passaram do nível da simples competência e atingiram o status de especialistas.

E ainda estamos falando dos machados de pedra da autonomia. Quando essa tecnologia chegar ao mercado, os carros operados pela robótica serão mais seguros - provavelmente muito mais seguros - do que os operados manualmente. O piloto automático nunca vai se distrair, se perder, ficar com sono, nem nervoso ou violento. Suas reações serão instantâneas, e em uma emergência, sempre tomará a decisão certa. Ele sempre avisa quando vai mudar de faixa e nunca encosta no carro da frente. Seus filhos nunca terão que abraçar uma árvore ao voltar para casa de uma festa.

Então, como vemos, os carros com piloto automático serão mais seguros. O que significa que os que persistirem em usar carros operados manualmente estarão menos seguros. Eles - ou seja, nós - é que vão representar o risco, o perigo.

Nossos novos motoristas-robôs podem nos ajudar. Comunicando-se e cooperando entre si e com a estrada, os veículos autônomos podem manter, com segurança, a uma distância menor do carro da frente; podem entrar em uma pista mais movimentada sem hesitação; e podem evitar os atrasos em cadeia quando o trânsito é lento, com freadas a todo instante (o que multiplica o atraso no tempo de reação dos motoristas). Isso aumentaria o fluxo de trânsito de uma rodovia, a uma fração do custo de construir e asfaltar novas vias.

Podemos prever, entre outras coisas: taxas de seguro preferenciais, acesso às pistas preferenciais (para veículos com mais ocupantes), pedágio reduzido, e suspensão da taxa de entrada em zonas urbanas congestionadas. É todo um conjunto de privilégios, tais como os que beneficiam atualmente os carros elétricos, que também contribuem muito para o bem comum.

O perigo não virá dos veículos autopilotados, mas sim dos remanescentes - os motoristas que, por algum motivo, continuarem a depender do equipamento úmido, frágil e defeituoso localizado entre as suas orelhas. Qual será a norma? Serão os veículos operados manualmente obrigados a ceder a vez aos outros? Ou deveriam os carros com piloto automático (com luzes especiais) dar a passagem e tratamento especial aos motoristas humanos, tão inferiores?

Não se engane: O que está em jogo é o surgimento de um sistema de tráfego baseado em castas, que colocará os privilegiados robôs contra os desfavorecidos humanos. Serão os pilotos eletrônicos, com seus olhos de aço, contra o tio João, com seu joelho artrítico. Os que insistirem em seguir por esse beco sem saída não vão desistir facilmente. Eles vão se agarrar ao volante dos seus carros. Haverá atritos. Mas tudo isso vai acabar bem depressa.
Daqui a vinte e cinco anos, dirigir nosso próprio veículo vai parecer algo estranho, anacrônico e desnecessário, tal como andar de mula para ir ao shopping. Bastará dizer o endereço, depois dar a ordem de "Partir", reclinar-se no assento e começar a mexer no seu holograma. Qual é o problema?
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Reportagem Por Dan Neil | The Wall Street Journal
Imagem da Internet

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