Noemi Jaffe*
Será que as celebridades celebram? Será que elas sentem aquele prazer
de uma espécie inenarrável, que parece consistir em esquecer-se de si e
integrar-se completamente ao presente? Ou, ao contrário, enquanto são
celebradas, ficam constantemente se lembrando de ajeitar a saia,
corrigir a maquiagem, pôr o queixo para frente, do que comeram ontem no
café da manhã e de qual foi o melhor lugar em que fizeram amor? Algo
ainda mais estranho acontece com a outra palavra que acompanha a
mitologia das celebridades: o "glamour", que, originalmente, se
relacionava à palavra gramática. Os glamourosos eram pessoas possuidoras
de algum saber oculto; um saber, que de tão inacessível, se associava à
magia.
Hoje, observando as histórias pessoais e a grande História de que
somos mais espectadores do que sujeitos, parece que para ter glamour é
preciso: ter glamour. E, para ser célebre é preciso: ser célebre. O que,
é claro, torna mesmo tudo muito misterioso. Como fazer para ser célebre
se, para isso, é preciso sê-lo? Fred Inglis, autor da "Breve História
da Celebridade"(1), relata que, antes do século XVIII, época
que, segundo ele, deu início ao culto das celebridades, contava mais o
renome do que a fama. E o renome, por sua vez, ligava-se mais ao cargo a
aos valores que o preenchiam do que ao indivíduo e sua aparência.
Alguém era considerado renomado por corresponder ou defender a moral, a
honra, a virtude.
Bem, veio a assim chamada era em que o indivíduo se tornou bem mais
importante do que a comunidade. A Revolução Francesa e o romantismo, por
sua vez, teriam aguçado ainda mais esse fenômeno e, finalmente, o
cinema e a publicidade teriam de tal forma enaltecido o "eu" e a
privacidade que teríamos chegado ao estado atual de "catatonia
celebratória". Mas será que realmente houve tempo em que o indivíduo não
tinha tanta importância?
De qualquer forma, Inglis procura, por um lado, historicizar e,
assim, desmistificar o culto às celebridades como algo exclusivo de
nossa época e, por outro, também o relativiza, tentando mostrar lados
razoavelmente positivos dessa necessidade contemporânea.
Não consigo pensar em aspectos positivos no fato de saber que algum
famoso anda 45 minutos por dia na esteira ou que uma atriz recebe R$ 45
mil por mês de pensão de seu ex-marido. Mas o autor cita modelos como
alguns políticos, músicos, atores, esportistas - Mandela, Bob Dylan,
Meryl Streep e Tiger Woods, que, pela conduta e por seu comportamento de
superação, serviriam como protótipos dos valores modernos e como
exemplos da democratização da celebridade.
É difícil concordar. Para mim, soa como se Inglis estivesse tentando
tapar o sol com a peneira: até que ponto não se usam argumentos morais -
perseverança, superação, generosidade - somente para disfarçar o desejo
de, simplesmente, fofocar? Até que ponto não nos espelhamos nos outros
para nos esquecermos de ações que poderíamos praticar e não somente
assistir? É muito difícil responder com convicção a essas perguntas,
especialmente quando até pessoas mais críticas à sociedade do
espetáculo, ao deparar com uma dessas revistas de fofocas (como eu),
também ficam ávidas por uma olhadinha.
(1) Agradece-se a ausência do título de doutor na capa
"Breve História da Celebridade" Fred Inglis.
Trad.: Simone Campos e Eneida Vieira Santos.
Versal Editores, 334 págs., R$ 53,00
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* Noemi Jaffe é doutora em literatura brasileira pela USP e autora de "Quando Nada Está Acontecendo" (Martins Editora)
E-mail: noejaffe@gmail.com
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