Juremir Machado da Silva*
O Rio Grande do Sul teve alguns ótimos
escritores no passado: Simões Lopes Neto, Erico Verissimo, Dyonélio
Machado e Cyro Martins. Simões e Erico integram a categoria dos
formadores de imaginário, os que ajudam a construir mitos. Erico, pela
natureza de "O Tempo e o Vento", cujo terceiro volume, "O Arquipélago",
foi lançado há 50 anos, virou o autor por excelência dos gaúchos, aquele
que transformou nosso passado duvidoso num épico. Tornou-se o mais
famoso de todos. Dyonélio e Cyro, naturais de Quaraí, compartilharam a
incômoda situação de desmistificadores. O comunista Dyonélio, com "Os
Ratos", angariou mais sucesso, mas não criou personagens que pudessem
ter seus nomes colocados por leitores nos seus filhos. Quem gostaria de
ter um menino chamado Naziazeno, nome de um coitado, de um vira-lata?
Rodrigo, nome de um altivo, é, sem dúvida, mais atraente.
Em vida, Erico foi muito desdenhado por críticos dessa categoria que prefere Guimarães Rosa a Jorge Amado e considera contadores de histórias menores que criadores de neologismos e semeadores de reflexões metafísicas. Há quem só admire uma frase na ordem inversa. Dyonélio teve mais sucesso de crítica que de público. Era mesmo melhor do que Erico. Mas não pelas razões normalmente destacadas por professores que privilegiam o formalismo insípido. Simões Lopes Neto, Erico, Dyonélio e Cyro escreviam bem. Cada um à sua maneira. Erico, contudo, foi de todos eles o que fez a leitura menos crítica do Rio Grande do Sul. É certo que não poupou o Estado Novo. Mas, como intelectual, entusiasmou-se com o golpe em 1964 e só despertou, de fato, para a realidade da ditadura depois do AI-5, com a censura, duvidando um pouco da repressão e incensando o "milagre econômico". Era um liberal americanófilo com limitado interesse pela desigualdade.
Nada de anormal nisso. Esteve na média ideológica do seu tempo. Espera-se de um grande escritor que veja à frente da sua época e seja capaz de desconstruir os mitos do passado. Erico tinha sensibilidade para o marketing literário. Sabia que o Rio Grande do Sul precisava de um épico. Fez um com competência. "Incidente em Antares", seu melhor livro, o mais criativo e ferino, não poderia competir em popularidade com "O Tempo e o Vento". Não é de se duvidar que dentro de 50 anos "Os Ratos" e a "Trilogia do Gaúcho a Pé", de Cyro, recebam mais atenção. Erico, mesmo assim, merece admiração. É o nosso Jorge Amado, criador de mundos e de personagens, povoador de mentalidades, inventor de ilusões compartilhadas, mago da identidade. Ajudou a melhorar a autoestima dos gaúchos.
Cada lugar, depois da acumulação primitiva de capital real e simbólico, parece necessitar de uma mitologia recolhida e reconstituída literariamente. Erico, ainda que tardiamente, dotou o Rio Grande do Sul dessa fábula socialmente vital. O apogeu do desenvolvimento vem, no entanto, com a desconstrução. Dyonélio, urbano, e Cyro, observador da decadência do Rio Grande do Sul agropastoril, tentaram prematuramente tirar o véu que encobria nosso passado. Pagaram por isso. Quem sabe dentro de mais cem anos isso será, enfim, possível?
--------------Em vida, Erico foi muito desdenhado por críticos dessa categoria que prefere Guimarães Rosa a Jorge Amado e considera contadores de histórias menores que criadores de neologismos e semeadores de reflexões metafísicas. Há quem só admire uma frase na ordem inversa. Dyonélio teve mais sucesso de crítica que de público. Era mesmo melhor do que Erico. Mas não pelas razões normalmente destacadas por professores que privilegiam o formalismo insípido. Simões Lopes Neto, Erico, Dyonélio e Cyro escreviam bem. Cada um à sua maneira. Erico, contudo, foi de todos eles o que fez a leitura menos crítica do Rio Grande do Sul. É certo que não poupou o Estado Novo. Mas, como intelectual, entusiasmou-se com o golpe em 1964 e só despertou, de fato, para a realidade da ditadura depois do AI-5, com a censura, duvidando um pouco da repressão e incensando o "milagre econômico". Era um liberal americanófilo com limitado interesse pela desigualdade.
Nada de anormal nisso. Esteve na média ideológica do seu tempo. Espera-se de um grande escritor que veja à frente da sua época e seja capaz de desconstruir os mitos do passado. Erico tinha sensibilidade para o marketing literário. Sabia que o Rio Grande do Sul precisava de um épico. Fez um com competência. "Incidente em Antares", seu melhor livro, o mais criativo e ferino, não poderia competir em popularidade com "O Tempo e o Vento". Não é de se duvidar que dentro de 50 anos "Os Ratos" e a "Trilogia do Gaúcho a Pé", de Cyro, recebam mais atenção. Erico, mesmo assim, merece admiração. É o nosso Jorge Amado, criador de mundos e de personagens, povoador de mentalidades, inventor de ilusões compartilhadas, mago da identidade. Ajudou a melhorar a autoestima dos gaúchos.
Cada lugar, depois da acumulação primitiva de capital real e simbólico, parece necessitar de uma mitologia recolhida e reconstituída literariamente. Erico, ainda que tardiamente, dotou o Rio Grande do Sul dessa fábula socialmente vital. O apogeu do desenvolvimento vem, no entanto, com a desconstrução. Dyonélio, urbano, e Cyro, observador da decadência do Rio Grande do Sul agropastoril, tentaram prematuramente tirar o véu que encobria nosso passado. Pagaram por isso. Quem sabe dentro de mais cem anos isso será, enfim, possível?
* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Cronista do Correio do Povo
juremir@correiodopovo.com.br
Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER
Fonte: Correio do Povo on line, 29/09/2012
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