João Manuel Duque*
A primeira e mais básica resposta à pergunta do título poderá,
sem dúvida, ser formulada do seguinte modo: a fé é uma determinada
atitude dos humanos. Como tal, é bem começar por uma descrição breve das
caraterísticas dessa atitude, que aliás são partilhadas por todos os
tipos de fé, religiosa ou não, cristã ou não.
A atitude humana que melhor pode descrever a atitude de fé é a da
confiança. Ter fé é, no sentido mais básico, confiar em algo ou alguém
diferente de nós mesmos. Assim, opõem-se-lhe duas atitudes: a da
desconfiança total, que levaria, em muitos casos, ao desespero; ou a da
autoconfiança total, ou seja, a da confiança apenas em nós mesmos.
Portanto, a fé pressupõe capacidade de confiar e capacidade de confiar
noutros.
A confiança noutros implica, ao mesmo tempo, a capacidade de receber
algo, reconhecendo que não podemos conquistar e produzir tudo o que
somos e temos por nós mesmos. Porque quem confia em alguém mais do que
em si mesmo, sabe que há dimensões da vida que só esse alguém, em quem
se confia, pode dar.
O caso mais gritante é o do bebé, que confia na sua mãe ou no seu
pai, relativamente a tudo o que tem a ver com a sua existência. Não
considera, ainda – como acontecerá depois com muitos adultos – que é
autossuficiente e que merece, pelo seu trabalho, aquilo que tem. O que
tem e o que é, sente-o como dádiva permanente dos pais e confia nessa
dádiva, despreocupadamente.
A atitude do bebé aproxima-nos de um nível de fé importante: o que se
relaciona com o fundamento da nossa existência, seja quanto à sua
origem seja quanto ao seu futuro. Porque não somos nós que nos damos a
nós mesmos nem que garantimos o nosso próprio futuro. Assim sendo, ou
desesperamos desconfiadamente da nossa existência, perante o perigo de
deixar de ser, ou confiamos numa dádiva permanente do ser. Esse será o
nível mais profundo da fé, relativamente ao sentido primeiro e último da
existência de cada um, que é acolhido como uma dádiva milagrosa e
imerecida. Ter fé é acolher a existência como dádiva gratuita de outro.
Mas, a este nível, esse Outro em que se confia é ainda muito
indefinido. É apenas o próprio mistério de sermos – alguns diriam, «por
acaso». Aceitar que há um Deus pessoal que nos origina e nos quer na
vida, dando-nos gratuitamente essa vida, para que a aceitemos, mesmo
quando é dura e parece não fazer sentido – isso é já uma modalidade
religiosa ou teológica da confiança. A fé, então, torna-se fé teológica.
Mas o Deus que nos dá a nós mesmos é, ainda, uma entidade muito vaga.
Aceitar que esse Deus, que dá a vida e nos dá para a vida, vive
connosco, se revela e nos liberta da morte em Jesus Cristo, é confiar de
modo cristão. Ter fé cristã é, portanto, aceitar que Deus, em Jesus
Cristo, nos dá a vida, para além da morte e para além de todas a nossas
capacidades de a conquistar. Isso permite uma atitude de confiança que
abre à esperança, para além de todo o absurdo aparente. E, ao mesmo
tempo, implica o conhecimento de que o único caminho dessa esperança é a
caridade, como dádiva da vida ao outro. Ou seja, a fé cristã está
sempre ligada às outras duas virtudes teologais, pois só assim o
dinamismo do acolhimento da vida dada por Deus é possível.
A confiança fundamental que determina a atitude de fé do cristão
implica, ao mesmo tempo, a confissão convicta de um conjunto de
afirmações sobre Deus e sobre os humanos, a que chamamos Credo ou
símbolo da fé. Nessas afirmações condensa-se a descrição da nossa
confiança e dos seus motivos. Por isso, a confissão explícita de fé é
imprescindível à atitude crente, mesmo que a sua formulação linguística
deva tudo ás linguagens humanas. E essa confissão, assim como a atitude
correspondente, vive-se num leque de relações comunitárias, que nos
ligam aos outros crentes, do nosso tempo e de outras gerações, assim
como aos próprios não-crentes. Ou seja, não há fé cristã se não for
inserida num dinamismo comunitário e numa tradição. Se assim não fosse, a
fé seria puro sentimento individual e subjetivo, de iniciativa própria e
para auto realização pessoal. Mas, ao assim ser, negava-se a si mesma,
pois negava a básica atitude de confiança no outro, mais do que em si
mesmo.
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* João Manuel Duque, Diretor Adjunto Faculdade de Teologia, UCP-Braga
Fonte: http://www.agencia.ecclesia.pt/25/09/2012
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