A beleza é capaz de criar comunhão, “porque une Deus, o homem e a criação numa única sinfonia; porque conecta o passado, o presente e o porvir; porque atrai para um único lugar e envolve no mesmo olhar diferentes pessoas e povos distantes” (Discurso aos Patrons of the Arts dos Museus do Vaticano, 28/set/2018). Uma particularidade do artista é que não está limitado pelo tempo, pois a sua arte fala a todas as épocas. O artista não está limitado nem sequer pelo espaço, pois a beleza pode comover em cada um o que é universal – especialmente a sede de Deus – superando as fronteiras das línguas e culturas […] Como dizia São João Paulo II na sua Carta aos Artistas, que vos convido a reler com atenção, “para transmitir a mensagem que Cristo lhe confiou, a Igreja tem necessidade da arte. De fato, deve tornar perceptível e até o mais fascinante possível o mundo do espírito, do invisível, de Deus. Por isso, tem de transpor para fórmulas significativas aquilo que, em si mesmo, é inefável” (PAPA FRANCISCO, Discurso aos membros da Associação Diaconie de la Beauté, 17/fev/2022)
Poucas coisas se apresentam tão paradoxais, nas culturas humanas, como a beleza. “A quem ama o feio, bonito lhe parece”, diz o ditado popular, lembrando tanto a relatividade (em função de uma série de características pessoais, cada um tem o seu próprio padrão estético) quanto a universalidade da beleza (todos fazem a experiência do belo e do feio, independentemente de seus gostos pessoais). “A beleza salvará o mundo”, dizem religiosos e ateus, sem saber que a frase carrega uma referência a Cristo. Os artistas quebram padrões e frequentemente são tidos como tendo moral duvidosa, mas temos uma intuição que suas obras trazem uma sabedoria peculiar; que aqueles que trabalham com o belo devem ter um saber que pode orientar a todos. Qual a força da beleza? Toda beleza é reflexo do único totalmente Belo, Bom e Verdadeiro. Nesse sentido, permaneceremos sempre na “soleira da porta”, vislumbrando o que é a beleza, mas incapazes de conhecê-la ou dominá-la perfeitamente. Numa interessante reflexão sobre a beleza, o filósofo Luis Jean Lauand observa que a palavra “Olé!”, consagrada nas touradas, mas também famosa nos campos de futebol, nasce de uma exclamação em árabe, que brota naturalmente nos lábios diante do fascínio surpreendente diante do belo: Wa-(a)llah (“Por Deus!”). Para o espírito religioso, a origem de tamanha beleza tem um nome, é um ser reconhecível – na verdade o próprio Ser. Mas, mesmo para o descrente, a beleza permanece ali, rastro indelével de um Inominado.
Nossa resposta à pergunta do título será sempre limitada e provisória. Nesta edição do Caderno Fé e Cultura, nossos colaboradores nos mostram testemunhos que, sem esgotar, apontam para essa resposta. Ana Lydia Sawaya apresenta o testemunho desse rastro de beleza comentando a conhecidíssima Allelluyah, de Leonard Cohen, e a história de Marija Judina, grande pianista russa do século XX, que se atreveu a desafiar até mesmo o então todo-poderoso Josef Stalin. Costantino Espósito, professor da Faculdade de Letras e Filosofia na Universidade de Bari, Itália, discute o poder da beleza no processo de aquisição de conhecimento – e para isso vai comentar a experiência de Santo Agostinho, em sua relação com o belo e o próprio Deus.
Ainda como parte dessa reflexão, trazemos trechos do documento A Via pulchritudinis, caminho privilegiado de evangelização e diálogo, publicado em 2005, pelo Conselho Pontifício para a Cultura. Resultado de uma reunião plenária desse Conselho, esse texto propõe claramente a beleza como porta de entrada para que o Evangelho possa retornar aos espaços culturais dos quais parece ter sido banido nos tempos atuais.
Por fim, ainda neste Caderno, Marcos Aurélio Fernandes comenta a saudação franciscana “Paz e bem”, enquanto Rafael Ruiz nos propõe o filme As nadadoras.
Fonte: https://osaopaulo.org.br/cultura/qual-e-a-forca-da-beleza/
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