Delfim Netto*
Com todos os desdobramentos da crise que domina a economia mundial, o
Brasil vive hoje uma situação melhor do que a maioria dos países. Isso
porque entendeu desde o início, em 2008, ser condição essencial garantir
o emprego para não afundar com os outros. Na defesa desse objetivo
fundamental, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva buscou não
apenas salvar os empregos, mas aumentar o seu nível, criando as
condições para a expansão do consumo e uma rápida melhora dos padrões de
renda na sociedade.
Deixando perplexos os governos “desenvolvidos” e seus economistas
(ainda mais desenvolvidos), que confundiam a salvação nacional com o
socorro à banca, o operário Lula conduziu uma política que levou o
Brasil a uma situação bastante confortável em matéria de emprego. Uma
situação que contrasta totalmente com os procedimentos na grande maioria
dos países desenvolvidos, onde as considerações em relação à proteção
dos níveis de emprego foram solenemente ignoradas.
Na preparação e na expansão dos fatos que levaram à eclosão da crise
em 2008, não existem inocentes: os governos falharam miseravelmente; o
setor financeiro sem regulação, como o velho escorpião da fábula,
cumpriu o seu objetivo matando o setor real da economia. E alguns
economistas, gloriosamente, “teorizaram matematicamente” a alta
qualidade dos malfeitos…
Seria ridículo e pretensioso dizer que os
economistas foram causa eficiente da crise. Eles foram apenas
coadjuvantes (e algumas vezes beneficiários) do processo. Ajudaram a
criar uma “ideologia” que pretendia dar base “científica” ao papel do
mercado financeiro na aceleração do desenvolvimento econômico e do
bem-estar do mundo, desde que convenientemente “desregulado”.
Fui muito criticado em um artigo
que foi parar na “rede” (onde a ignorância não tem freios) por economistas do mainstream,
cuja grande ambição era desconstruir Keynes,
apoiados em uma formalização matemática enganosa, sem ligação com o mundo vivo.
A mensagem construída a partir da fantasia dos “mercados perfeitos”
tinha como consequência subliminar a aceitação da ideia segundo a qual
“os governos não são a solução, são o problema”! Mas é ridículo, também,
isentá-los de qualquer responsabilidade.
Produziram trabalhos científicos na Academia, onde se faria “ciência
pela ciência”, na qual não é proibido inventar universos que não
existem, como uma sociedade com um único produto, com uma função
agregada de produção domesticada, com um agente representativo a
incorporar todos os consumidores e os produtores, mas onde não há o
crédito ou as Bolsas de Valores.
Fui muito criticado em um artigo que foi parar na “rede” (onde a ignorância não tem freios) por economistas do mainstream, cuja grande ambição era desconstruir Keynes, apoiados em uma formalização matemática enganosa, sem ligação com o mundo vivo.
Já em 1936, Keynes introduzira o crédito e a Bolsa
de Valores em seu modelo, que é um prodígio de antecipação do importante
papel dessas duas instituições no processo capitalista, destacando a
inerente instabilidade das Bolsas. Seu pensamento revela a genial
intuição, aliada ao domínio da realidade, ao dizer que, “quando o
desenvolvimento do capital em um país transforma-se em subproduto de
atividades de um cassino, ele não será benfeito”.
Paradoxalmente, nesse processo no qual parece não haver ator que
tenha sido sua causa eficiente, há quem esteja a receber a conta do
malfeito. São os mais de 30 milhões de desempregados nas ruas,
recusando-se a pagar as “falhas” dos governos – a serem provavelmente
corrigidas nas urnas – e as “falhas” do mercado financeiro, cujos
responsáveis esperam ver julgados e condenados pela Justiça. Acreditaram
que “os governos e os mercados sabiam o que faziam”. Desempregados,
continuam sendo ignorados pelos estudos mais recentes de economistas
ainda presos ao paradigma destruído pela crise.
Não se estuda o “verdadeiro” custo social do desemprego. Insiste-se
em continuar a estimar os efeitos sobre o bem-estar (o consumo)
produzidos pelas flutuações do PIB, na velha e abusada tradição de
Robert Lucas (Prêmio Nobel de 1995!), para quem as flutuações do emprego
são pouco mais do que “ataques de vagabundagem que, ciclicamente,
atingem a mão de obra”. Chega-se à conclusão de que sobre este ser
inefável e metafísico – o consumidor representativo – “o custo social é
pequeno”.
As estimativas variam fortemente porque todos conhecem – mas ninguém
leva a sério – a afirmação do economista C. Otrock: “É trivial fazer o
custo do bem-estar produzido pela variação do PIB do tamanho que cada um
quiser, simplesmente escolhendo uma forma conveniente da preferência do
consumidor…”
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* Delfim Netto é economista, formado pela USP e professor de Economia, foi ministro de Estado e deputado federal.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/11/08/2012
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