JANE TUTIKIAN*

Tzvetan Todorov defende o retorno da literatura para o coração das humanidades
Nascido em 1939 na Bulgária e naturalizado francês, Tzvetan Todorov – que esteve em Porto Alegre na última semana – é um dos mais importantes pensadores da contemporaneidade. Sua obra circula entre os que se ocupam da Filosofia da Linguagem, da Semiótica, da Literatura, da História, da Cultura e da História das Ideias.Todorov não apenas redefiniu conceitos fundamentais da Semiótica como também contribuiu, de forma decisiva, para o desenvolvimento do estruturalismo literário. Mas há mais e, no mais, há a contemporaneidade com a derrocada das utopias, a crise dos parâmetros e das crenças básicas e, no centro dela, o homem e no centro da experiência da existência humana, a literatura. Suas obras são fundamentais para que se possa refletir sobre o estar no mundo neste momento.
A literatura não nasce no vazio, afirma o pensador, mas no centro de um conjunto de discursos vivos, compartilhando com eles numerosas características; não é por acaso que, ao longo da história, suas fronteiras foram inconstantes. Sentindo-se atraído por essas formas diversas de expressão é que traça seu percurso de reflexão.
Em A Literatura em Perigo (Difel, 2009), Todorov critica a grande tendência dos estudos literários contemporâneos, que tratam os textos como meros pretextos para o exercício da análise estrutural, onde o universo representado pelo texto é autossuficiente, sem relação com o mundo exterior. Alerta, entretanto, para o fato de que a concepção redutora da literatura não se manifesta apenas nas salas de aula ou nos cursos universitários, mas também entre os jornalistas literários e os próprios escritores.
Além do formalismo, critica as tendências de se perceber o literário da perspectiva teórica do niilismo (a vida é o advento de um desastre, e a literatura, uma negação da representação) ou do solipsismo (o si mesmo é o único ser existente, a literatura fica impedida de representar o contexto humano e material). As três posições empobrecem o fenômeno literário e artístico.
Todorov trata dessas e outras posições em dois capítulos absolutamente geniais: “O que pode a literatura?” e “Uma comunicação inesgotável”. No primeiro, a resposta: “A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar a viver. Não que ela seja, antes de tudo, uma técnica de cuidados para com a alma; porém, revelação do mundo, ela pode também, em seu percurso, nos transformar a cada um de nós a partir de dentro”.
No segundo, as perguntas: “Que melhor introdução à compreensão das paixões e dos comportamentos humanos do que uma imersão na obra dos grandes escritores que se dedicam a essa tarefa há milênios? E, de imediato: que melhor preparação pode haver para todas as profissões baseadas nas relações humanas? [...] Ter como professores Shakespeare e Sófocles, Dostoiévski e Proust não é tirar proveito de um ensino excepcional?”.
Quer dizer, os estudos literários precisam encontrar o seu lugar no coração das humanidades, ao lado da história dos eventos e das Ideias, formando um conjunto capaz de fazer progredir o pensamento ao se alimentar tanto de obras quanto de doutrinas, tanto de ações políticas quanto de mutações sociais, tanto da vida dos povos quanto da de seus indivíduos.
É como Todorov reloca a arte e a literatura no Humanismo e, na mesma medida em que afirma ser necessário incluir as obras no grande diálogo, “iniciado desde a noite dos tempos e do qual cada um de nós, por mais ínfimo que seja, ainda participa”, alerta para o fato de que a salvação consiste em compreender que essa mesma salvação não se encontra em outra parte, mas aqui e agora.
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* Professora do Instituto de Letras da UFRGS e escritora
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/08/09/2012
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