terça-feira, 11 de setembro de 2012

Eu persigo, tu persegues, nós perseguimos


Em uma rede alimentada pela necessidade 
social de exibir dados pessoais, ser alvo 
de perseguições virtuais é inevitável -
 e seguir as novelas da vida alheia, irresistível

Se você tem um ou uma ex, então você tem um "stalker". Se o seu ou a sua ex tem uma nova companhia, então já são dois stalkers em potencial. Some a eles paqueras, gente que não gostava de você na escola ou que gostava até demais. Todas essas pessoas e outras que você nem imagina podem estar acompanhando seus passos de maneira sistemática.
O termo "stalking" (do inglês "espreitar") passou a ser usado nos anos 1980 para se referir a fãs que perseguiam celebridades, invadindo suas casas e forçando contato.
A chamada web 3.0 -definida por Reid Hoffman, fundador do Linkedin, como uma rede com presença maciça de dados pessoais- fez com que muita gente se transformasse em pequena celebridade de nicho só por ter um site conhecido ou muitos seguidores no Twitter.
Resultado: a preocupação com a perseguição migrou para a realidade de gente anônima, que anda pelas ruas sem segurança e é conhecida só por um grupo.
Mas, se o "cyberstalking" é definido como o hábito de buscar informações sobre determinada pessoa na internet, fica bem difícil separar as pessoas entre perseguidores e alvos de perseguição.
"A forma como assediamos a vida uns dos outros hoje tem tudo a ver com o processo de celebrização da sociedade. Há um impulso de consumir a vida do outro, de usá-la como entretenimento, semelhante a um filme", explica Eugênio Trivinho, professor do programa de pós-graduação em comunicação e semiótica da PUC-SP.
"Se as pessoas não fossem todas stalkers, o Facebook não seria tão acessado", provoca a estudante de direito Gabriela Assis, 23.
Ela conta que, na adolescência, desenvolveu o hábito de conferir a vida dos colegas pelo Orkut. "Se gostava de um menino, queria saber se tinha namorada, o que fazia. Para isso, acompanhava as conversas do 'scrapbook' dele."
Gabriela não vê nada de errado em seu comportamento: "Apenas faço uma análise detida do que as pessoas escolheram publicar, não roubo dados de ninguém".
Há perseguidores e perseguidores. Alguns se limitam a investigar a vida de pessoas que já conhecem, outros se encantam por desconhecidos e procuram meios de se aproximar deles.
Uns mantêm suas atividades apenas no campo virtual, outros passam a frequentar os mesmos lugares de seus objetos de atenção, montando um cerco presencial. 

 
SEM LEI

O Brasil não tem leis específicas para regular a vigilância virtual, mas há casos em que cabe uma ação civil, afirma Victor Haikal, especialista em direito digital.
"Não é porque escolhi compartilhar minhas informações que as pessoas podem fazer o que quiser com elas. Há abusos de direito que fogem do uso regular das redes sociais", explica Haikal.
Para o advogado, seria abuso, por exemplo, enviar fotos constrangedoras que a pessoa postou em sua rede social para seus chefes ou colegas de trabalho, tentar contatos insistentes por e-mail ou usar informações do geolocalizador dela para persegui-la pela cidade.
"Os danos da vigilância nem sempre são mensuráveis. Mesmo que a pessoa não lhe faça mal, não é saudável se sentir vigiado por alguém", defende Breno Rosostolato.
Para Heloisa Pereira, docente do curso sobre redes sociais e "novos paradigmas do ciberespaço", da PUC-SP, a vigilância é uma consequência natural da aura de importância que as pessoas criam em torno de si mesmas.
"Cada um se vende como alguém muito especial. O stalker é um ingênuo que comprou essa história e se obcecou por ela."
No Orkut, a busca de dados era ativa: era preciso entrar na página da pessoa, vasculhar fotos e mensagens. No Facebook, essas informações são atiradas na cara do usuário: uma barra lateral que avisa o tempo todo quem ficou amigo de quem, quem curtiu a foto de quem.
"A nova estrutura dos sites é feita para estimular essa curiosidade pela vida alheia. Progressivamente, as redes sociais tiraram nossa opção entre ser ou não ser stalker", diz Vinícius Andrade Pereira, presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura.

O cerco virtual 

850 MIL
pessoas acima dos 18 anos sofrem perseguição virtual nos EUA por ano
3
entre 4 vítimas são perseguidas por pessoas que elas conhecem
30%
das vítimas são perseguidas por namorados ou ex-namorados
10%
das vítimas são perseguidas por estranhos
JOVENS ENTRE 18 E 24
anos são os mais perseguidos
11%
das vítimas foram perseguidas por cinco anos ou mais
46%
das vítimas relataram ao menos uma tentativa de contato semanal por parte do perseguidor
10%
das vítimas disseram ter sido monitoradas por meio de GPS e 8% por meio de gravadores de voz e vídeo
Fonte: Pesquisa "Stalking Victimization in the United States" feita em 2009 pelo Departamento de Justiça americano 

 Análise 

Stalker simplifica relação com a vítima

RONALDO LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA
 
 

ESSA PRÁTICA É UMA FORMA CRUEL DE DESCONSIDERAR A INDIVIDUALIDADE DO OUTRO 

A internet trouxe muitas coisas boas e o "stalking" não é uma delas. A prática de dedicar atenção obsessiva a uma pessoa, podendo resvalar em outros tipos de perseguição e conflitos, ganhou novos contornos com a tecnologia digital.
O primeiro passo para discutir a questão é lembrar que flertar é humano. Onde houver uma mídia, haverá o despertar de paixões reais ou platônicas, especialmente no contexto das mídias sociais.
No entanto, o stalking cruza a barreira do aceitável na medida em que trata a vítima como "informação". É como se o outro existisse descolado da realidade e da dimensão social. É comum que o stalker se relacione com a vítima dentro de um universo próprio, que ignora regras de convívio e aspectos morais. A vítima é tratada como "objeto", disponível para consumo pelo stalker. Muitos conflitos acontecem justamente no choque entre essa relação simplista e as implicações sociais necessárias para uma relação pessoal efetiva.
O stalking é uma forma cruel de desconsiderar a individualidade do outro.
O stalker muitas vezes repete as tentativas de contato com a vítima "ad nauseam", na esperança de que em algum momento sua estratégia dê certo. É como em um videogame: se o jogador falha, basta reiniciar a partida e tentar de novo.
O problema é agravado por características cada vez mais comuns, especialmente entre a geração Y, que nasceu com a internet. Por exemplo, a dificuldade de lidar com frustrações.
Acostumado a conseguir o que quer com um punhado de cliques, o stalker pergunta-se por que não consegue a atenção da vítima com a mesma lógica. Acha que o mundo (ou a internet) existe para atender seus desejos.
Em uma das "marchas das vadias", manifestação pelos direitos da mulher, uma garota segurava uma placa que dizia: "Acredite, minha saia curta não tem nada a ver com você". É uma boa lição para stalkers em geral.
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Reportagem por  JULIANA CUNHA COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Fonte: Folha on line, 11/09/2012
Imagens da Internet

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