Luciano Martins Costa*
O jornalismo dos pobres
Na Folha de S. Paulo saiu apenas uma fotografia, com uma legenda de duas linhas, e no Estado de S. Paulo
uma notícia curta num rodapé de página, nas edições de terça-feira
(11/9). O fato é o 33º incêndio ocorrido em favelas da cidade de São
Paulo apenas neste ano. Desta vez, a ocorrência foi em Paraisópolis, na
Zona Sul, e novamente a imprensa faz apenas um registro burocrático do
incidente.
Aliás, “incidente” é a palavra escolhida pelos jornalistas quando se
referem a um acontecimento negativo de uma maneira distanciada.
Mas, como tratar dessa forma indiferente um fato tão crucial para
tantas pessoas? Afinal, as vítimas são aquela parte da população que
está excluída dos direitos mais básicos entre todos os cidadãos.
Para ficar apenas nas estatísticas, que compõem a abordagem predileta
da imprensa quando se trata de “incidentes” que afetam a população mais
pobre, convém registrar que, neste ano, São Paulo teve exatamente um
incêndio por semana em favelas.
Será que a insensibilidade dos jornais em relação aos paulistanos que
vivem em circunstâncias precárias chega a embotar até mesmo a natural
curiosidade dos profissionais da imprensa? Se houvesse um incêndio por
semana em praças ou parques nas zonas mais bem aquinhoadas com
equipamentos urbanos, como estariam reagindo os jornais?

Alguma coincidência
No Estadão de terça-feira, as estatísticas registram que, em
pouco mais de um ano, os incêndios em favelas já deixaram 1.386 pessoas
desabrigadas. Esses são os números oficiais, baseados nos pedidos de
bolsa-aluguel feitos pelos que perdem suas moradias, pagos até que as
famílias sejam realocadas.
Diz o jornal que, em 2006, eram 5 mil os desalojados por incêndios,
enchentes e outras ocorrências. Neste ano, a orefeitura está pagando
27.422 auxílios-moradia, ou seja, esse é o número mínimo de pessoas que
perderam suas casas e ainda não foram reinstaladas em outras moradias.
Não é preciso muita imaginação para se chegar ao grau de transtornos e
sofrimento que atingem esses brasileiros: além de serem obrigados a
viver em alojamentos precários, sem perspectiva de um teto decente,
muitos acabam deslocados para longe de seus trabalhos, para longe das
escolas e creches de seus filhos – quando havia tais benefícios.
O registro burocrático dos incêndios em favelas é a manifestação mais
escrachada da visão de mundo que predomina nas redações: os jornais são
capazes de dedicar página inteira, em edição dominical, para falar de
hospitais para cães, mas não demonstram nenhum interesse em saber por
que há tantos incêndios em favelas.
Em alguns casos, um mínimo de curiosidade mandaria averiguar alguma
coincidência entre certos eventos e projetos de avenidas que estão
travados pela existência de barracos no trajeto. Em outros, seria o caso
de investigar se os incêndios guardam alguma coincidência com processos
judiciais por reintegração de posse de imóveis valorizados pela falta
de espaços na cidade.

Sem perguntas
Desde o polêmico episódio da expulsão dos ocupantes do bairro
Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), quando compraram a versão
oficial, os jornais parecem ter abandonado o assunto das moradias
precárias.
Mas a fumaça de barracos queimados não pode ser ignorada, mesmo porque
os programas populares da televisão vasculham a cidade com seus
helicópteros e têm registrado todos esses acontecimentos.
O que chama atenção é a insensibilidade dos jornais diante de tantas
perguntas sem respostas – ou tantas respostas sem perguntas.
Mesmo que se admita que a vida dos favelados não tem o charme de uma
nova butique para animais de estimação, é de se esperar que haja pelo
menos alguma curiosidade nas redações quanto à frequência e regularidade
dos acontecimentos.
Os incêndios são provocados pela seca? O trânsito complicado, tema de
todas as semanas, impede a mobilização dos bombeiros? Nesse caso, diante
de tanta regularidade nas ocorrências, não seria o caso de criar um
sistema preventivo, com postos avançados nas áreas mais vulneráveis?
Como funciona o sistema de defesa civil nessas regiões? O que acontece
depois do incêndio? Os barracos são reconstruídos? O espaço é dominado e
revendido por traficantes? Há vereadores envolvidos? O que acontece com
os cidadãos que perdem documentos – inclusive o título de eleitor –
nesses incêndios?
São muitas as perguntas que caberiam nessa pauta. Mas o silêncio da imprensa diz o suficiente.
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* Jornalista. Escritor.
Comentário para o programa radiofônico do OI, 11/9/2012
Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/11/09/2012
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