José Eustáquio Diniz Alves*

Salve, lindo pendão da esperança,
Salve, símbolo augusto da paz!
Tua nobre presença à lembrança
A grandeza da Pátria nos traz.
Salve, símbolo augusto da paz!
Tua nobre presença à lembrança
A grandeza da Pátria nos traz.
Hino à Bandeira Nacional (Olavo Bilac/Francisco Braga)
O dia 7 de setembro é uma data cívica nacional em que ganha destaque a
Bandeira Brasileira tremulando no topo dos mastros em todo o território
nacional. Mas também pode ser um momento de reflexão sobre a inscrição
cravada no “verde-louro desta flâmula”.
O lema “Ordem e Progresso” foi inscrito na bandeira
nacional por influência dos positivistas. Este binômio foi inspirado no
lema do sociólogo francês Auguste Comte (1798-1857), considerado o pai
do positivismo: “Amor como princípio e ordem como base; o progresso como meta”.
O progresso era uma idéia em moda no século XIX e a
Europa era uma referência para o mundo na medida em que conquistava
territórios e vendia seus produtos modernos. Inspirados na ideologia
européia, os positivistas brasileiros tiveram papel de destaque na
Proclamação da República, em 1889.
Naquela época, o Brasil era um país pouco povoado,
rural, agrário e com pouca integração entre suas diversas regiões. Desta
forma, não é de se estranhar que o progresso estivesse relacionado ao
crescimento populacional, ao desenvolvimento econômico, à dominação da
natureza e à grandeza da Pátria. Não havia preocupação com as questões
ambientais e a defesa da biodiversidade.
O presidente do Brasil, Afonso Pena (1906-1909), dizia
que “Governar é povoar”. Já Washington Luis (1926-1930), ampliando esta
concepção, dizia que “Governar é abrir estradas”. A frase completa do
último presidente da República Velha, dando ênfase à ocupação do
território, é: “Governar é povoar; mas, não se povoa sem se abrir
estradas, e de todas as espécies; Governar é, pois, fazer estradas”.
O Presidente Getulio Vargas (1930-1945 e 1951-1954)
chegou ao poder prometendo redirecionar o desenvolvimento brasileiro
para o mercado interno e para o interior. Ele apoiou a familia extensa, o
crescimento populacional e a migração para o Oeste. Os trabalhadores
assalariados da CLT foram premiados com um “salário família” a título de
estimular uma prole numerosa. No governo Vargas foram implantadas
políticas sociais que, de forma intencional ou não, tinham objetivos
pró-natalistas.
Mas além da política positivista voltada para o
crescimento populacional, na era Vargas houve uma legislação claramente
anti-controlista, por exemplo: a) o Decreto Federal n. 20.291, de 11 de
janeiro de 1932 estabelecia “É vedado ao médico dar-se à prática que
tenha por fim impedir a concepção ou interromper a gestação”; b) a
Constituição de 1937 em seu artigo 124 diz: “A família, constituída pelo
casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. As
famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção de seus
encargos”; c) em 1941, durante o Estado Novo, foi sancionada a Lei das
Contravenções Penais que em seu artigo 20 proibia: “anunciar processo,
substância ou objeto destinado a provocar o aborto ou evitar a
gravidez”.
A maior obra do presidente pós Segunda Guerra, Eurico
Gaspar Dutra (1946-1951), foi a construção da Via Dutra (BR 116),
inaugurada em 19 de janeiro de 1951 ligando as duas maiores cidades do
Brasil. Após o segundo governo Vargas, foi eleito o Presidente Juscelino
Kubitschek que tinha como lema central a bandeira: “50 anos em 5”. Ele
prometia acelerar a modernização do país, construindo hidrelétricas,
industria de base, automóveis, bens de consumo em geral e,
principalmente, a construção de Brasília e a conquista do Cerrado. Os
governantes brasileiros sempre consideraram a natureza uma fonte
inesgotável de riquezas que devereriam se exploradas e seguiram a visão
cornucopiana de Pero Vaz de Caminha: “Aqui, nesta terra, em se
plantando, tudo dá.”
Os militares, que tomaram o poder em 1964, estavam na
linha de frente da exploração desenfreada do meio ambiente e da política
populacional expansionista do “Brasil potência”. Mesmo com as precárias
condições de vida e a falta de investimentos no bem-estar qualitativo
da população, os primeiros governos militares adotaram uma política
pró-natalista, como mostrou Canesqui: “A doutrina da Segurança
Nacional, adotada pelo regime militar no período 1964-1970, assegurou a
posição natalista, incluindo expectativas quanto ao crescimento
demográfico e o preenchimento dos espaços vazios de regiões a serem
colonizadas (Amazonas e Planalto Central). Esta preocupação ficou
bastante clara no Programa Estratégico de Desenvolvimento (1968-1970) do
governo Costa e Silva. Este mesmo governo reafirmou suas convicções
natalistas face ao desenvolvimento e à segurança, em mensagem dirigida
ao Papa Paulo VI, por ocasião da publicação da Encíclica Humanae Vitae
(1968) de forma a não contrariar a posição oficial da Igreja Católica,
diante da política controlista da natalidade”.
Seguindo a linha dos governos autoritários, o general
linha dura e Presidente Emílio Garrastazu Médici (1905-1985) chegou a
estabelecer a seguinte orientação para o processo de ocupação
territorial: “Levar os homens sem terra à terra sem homens“. Na
Primeira Conferência Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente, realizada
em Estocolmo, em 1972, o General Costa Cavalcante, Ministro do Interior
e representando o governo, proferiu o seguinte discurso: “Para a
maioria da população mundial, a melhoria de condições é muito mais uma
questão de mitigar a pobreza, dispor de mais alimentos, melhorar
vestimentas, habitação, assistência médica e emprego, do que ver
reduzida a poluição atmosférica“
Após o processo de redemocratização, os governos Sarney,
Collor, Itamar e FHC pouco fizeram para reverter a degradação ambiental
e redirecionar o processo de desenvolvimento do país. Da mesma forma,
os governos Lula e Dilma vão na mesma linha desenvolvimentista e de
incentivo aos grandes projetos, como o pré-sal, a transposição do rio
São Francisco, as hidrelétricas na Amazônia e a venda de commodities do
agronegócio e dos agrotóxicos, assim como de produtos minerais altamente
poluidores (ferro, bauxita, nióbio, ouro e outros metais). O uso do
mercúrio e do cianeto na separação e limpeza da exploração mineral
transforma o garimpo de ouro, por exemplo, em uma das atividades mais
poluidoras, tendo como consequência a contaminação de peixes e animais
silvestres o que afeta, inclusive, a saúde humana.
A ideologia positivista do desenvolvimentismo a qualquer
custo virou quase uma religião, assim como a idéia pretensamente
científica do positivismo chegou a se tornar uma seita. Auguste Comte,
de maneira incoerente com sua filosofia, chegou a instituir uma Religião
Positivista da Humanidade glorificando sua amada Clotilde de Vaux. No
Brasil foi fundada uma igreja positivista, cuja sede está localizada na
rua Benjamim Constant, Glória, Rio de Janeiro. Mas tanto a ideologia de
Comte, quanto a igreja positivista encontram-se, atualmente, em
decadência.
Como Roberto Malvezzi, o Gogó, reafirmou em artigo
recente, há uma percepção que uma era de construções políticas e sociais
está se esgotando no Brasil: “As mudanças estruturais não acontecem. A
reforma agrária, a reforma profunda na educação, na saúde, caminha a
passos lentos, quando não inexistentes. Para piorar, um conceito de
desenvolvimento predador e antisocial tem invadido os territórios
indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais, assim como
santuários ecológicos a semelhança do Xingu, que nos faz olhar de forma
crítica os novos desdobramentos dessa política comandada por gente que
até ontem falava em nome dos mais pobres, excluídos e indefesos. Mudam
os governos, não mudam as políticas fundamentais que as elites chamam de
políticas de Estado”.
Evidentemente a idéia de progresso tal como aconteceu no
país tem sido questionada por muitas pessoas e diversos movimentos
populares. Por exemplo, em entrevista recente à Revista época
(04/06/2012), Dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu, fez várias críticas
sobre a forma como o progresso brasileiro possibilitou o aumento do
genocídio dos índios e ecocídio das espécies vivas do Cerrado e da
floresta amazônica. Dom Erwin, que acolheu e depois enterrou a
missionária assassinada Dorothy Stang, vive na mira de pistoleiros, mas
continua lutando em defesa dos mais pobres, dos mais frágeis, dos
indígenas, dos ribeirinhos e dos extrativistas da Amazônia.
Seguindo este exemplo e no sentido de superar as
heranças negativas do positivismo, o Brasil precisa mudar sua concepção
de progresso econômico que tem resultado em regresso ambiental e
exclusão social. A data de 7 de setembro é uma oportunidade para escutar
o Grito dos Excluídos (humanos e não-humanos) e repensar os rumos da
nação. Para que o país possa reorientar seu modelo de desenvolvimento é
preciso articular de maneira integrada as três bases da
sustentabilidade: a justiça social, a inclusão econômica e a
responsabilidade ambiental.
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* Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor
em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e
Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas –
ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Fonte: http://www.ecodebate.com.br/2012/09/05/
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