José Tolentino Mendonça*

É preciso reencontrar «uma arte de pensar» e construir
«espaços de distanciamento favoráveis ao silêncio e à reflexão»,
considera o padre José Tolentino Mendonça, que alerta para o ruído
simultaneamente insistente e inconsequente da comunicação.
«Vivemos submersos num mundo de palavras manipuladas,
esvaziadas», mas também «exaustas, exiladas de si mesmas» e
«inflacionadas», sustenta o diretor do Secretariado Nacional da
Pastoral da Cultura em texto que reproduzimos.
Por uma nova comunicação
A comunicação massificada e omnipresente, como a que
atravessa grande parte dos nossos quotidianos, sacrifica duas vítimas em
que nem sempre pensamos: a palavra e a interioridade. A palavra é tão
vital à expressão de nós próprios, é tão indispensável à relação, que a
sua aprendizagem se prolonga, na nossa formação, por longos anos. Ela
confunde-se com a descoberta de nós próprios. Por ela debruçamo-nos com
confiança sobre o vasto mundo. A arte de falar torna-se, por isso, com
toda a justiça, uma arte de ser.
Mas nós vivemos submersos num mundo de palavras
manipuladas, esvaziadas de verdadeiro sentido, desresponsabilizadas.
Num mundo de palavras exaustas, exiladas de si mesmas, inflacionadas. O
próprio uso que se faz da palavra a desmente e deforma, tornando-a
contraditória, ambígua e, por fim, irrelevante.
As nossas sociedades precisam urgentemente de
reencontrar uma ética para a palavra. Não podemos aceitar que o pacto
da palavra com a verdade e com o sentido seja quebrado, sem nenhum tipo
de consequências. Na miséria da palavra o que está em jogo é um
empobrecimento da experiência humana.
O homo comunicans que somos, inscritos nesta
cultura de hipercomunicação, vê também a sua interioridade ameaçada. A
realidade, a do mundo e a nossa, vai sendo reduzida a uma falsa noção de
transparência, onde tudo é dito e mostrado, frequentemente em tempo
real.
Quando nos ensurdecem tantas vozes e fantasmas,
perdemos a capacidade de ouvir a voz interior e de sermos nós próprios.
A nossa interioridade é colonizada e tornamo-nos cada vez mais
dependentes dos flashes de ideias, imagens e ruídos que se sucedem em
nosso redor.
Precisamos de contrariar este movimento de
demissão, reencontrando uma arte de pensar; recuperando uma atenção
mais crítica em relação ao que nos é servido a toda a hora; construindo
espaços de distanciamento favoráveis ao silêncio e à reflexão;
investindo numa escuta que não aceita ficar comodamente à superfície,
mas assume, como tarefa, a interrogação humilde pela verdade.
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* Teólogo português. Escritor. Poeta.
© SNPC | 11.09.12
© SNPC | 11.09.12
Fonte: http://www.snpcultura.org/precisamos_construir_silencio_e_reencontrar_arte_pensar.html
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