sábado, 18 de fevereiro de 2017

A política como a arte de enganar

Machado da Silva*
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Qual a imagem tradicional que temos do político?

O sujeito astuto, esperto, loquaz, que dá nó em pingo de água, diz uma coisa e faz outra.
Apertado, garante que não mentiu. Apenas omitiu.

Qual animal associamos ao político? A raposa. Vemos o político como alguém sinuoso, escorregadio, que negaceia, negocia, escapole, se safa. Quase todos os partidos brasileiros se parecem e contam com raposas nos seus quadros. O PMDB, contudo, merece destaque. Quem está no poder sempre recebe destaque. Como classificar Michel Temer, Renan Calheiros, Edison Lobão, Eunício Oliveira, José Sarney, Carlos Marun, Eduardo Cunha e outros mais ou menos cotados? Raposas.

A maioria dessa lista é raposa velha, matreira, escolada, pelo liso e fofo.

O PMDB é como um parasita que se instala no corpo de alguém e no memento certo rói o parasitado e toma-lhe o lugar. Há quantos anos o PMDB não concorre à presidência da República? Sem ter concorrido, portanto sem apresentar programa aos eleitores, o PMDB está promovendo as mais radicais reformas do Brasil recente. Astuto, quando viu que o hospedeiro Dilma estava minado, o PMDB apresentou programa, Ponte para o Futuro, ao mercado, a possíveis aliados como o PSDB e o DEM e à mídia. Ganhou o apoio para consumar o golpe. O projeto do PMDB tem sua legitimidade. Poderia ser executado depois de submetido ao aval desse ser até então incontornável chamado eleitor.
Raposão, malandro, o PMDB sabia que só um atalho lhe serviria.

O PMDB gaúcho também tem suas raposas velhas ou nem tanto. José Ivo Sartori governa em nome de raposas mais ou menos peludas. Há novas e talentosas raposas despontando na área. Há raposas de todos os tipos no Brasil: honestas, desonestas, ardilosas, sofisticadas, rústicas… A estratégia de Sartori para chegar ao poder foi pura raposice. Escondeu o programa durante toda a campanha. Questionado, respondia com seu mantra: “Vamos dialogar”. O programa, porém, existia: privatizar, esquartejar o Estado, lipoaspirar o mamute. Eleito, Sartori usou a segunda parte da raposice: deixou a crise se ampliar, hiperdimensionou o que deu, preparou o espírito da mídia e de boa parte da população. Depois, deu o bote. Transparência zero. O Banrisul, sempre negado pelo PMDB, poderá ser a próxima vítima.

O PT, que se pretendia ético e transparente, fez tanta cacaca que abriu caminho para o retorno da raposice peemedebista. A indicação do ministro da Justiça Alexandre de Moraes para o STF exemplifica a raposice peemedebista. Desde o começo ele foi escolhido por Temer, que mandou espalhar o nome ultraconservador de Ives Gandra Filho. Disseminou também que buscava um nome do agrado da presidente do STF, ministra Carmem Lúcia. Diante da gritaria da sociedade, Carmem Lúcia aceitou o intragável Moraes, direto do governo para o cargo de juiz do governo. Ponto para Temer, o raposão. Os entendidos sorriem e dizem a frase que mais amam: “Isso se chama política”.
Isso se chama política como a arte de enganar.

Se o PMDB fosse um partido sueco teria de apresentar a sua Ponte para o Futuro ao eleitor e esperar o seu voto para aplicá-lo. Sartori teria detalhado seu projeto privatista para aprovação ou rejeição do eleitorado. A raposice peemedebista vai produzir seus resultados: privatizações, reformas previdenciária e trabalhista, demissões de funcionários, descumprimento de contratos assumidos com concursados. De quebra, aumentará o descrédito em relação aos políticos. O PMDB não se importa com isso. Sabe que a sua base de apoio gosta disso. As raposas velhas coçam os bigodes e cochicham: “Política no Brasil sempre foi e sempre será assim. Não somos e não seremos a Suécia”.

Quando José Bonifácio, o moço, morreu, em plena campanha abolicionista, os defensores do fim da escravidão transformaram o seu funeral num comício, um meeting como então se dizia. D. Pedro II amarelou e não mandou representante ao velório do senador. A oposição achava de muito mau gosto misturar política com morte de um ente querido. Os abolicionistas pensavam o contrário. Faziam isso a cada vez, depois do assassinato do militante Apulcro de Castro e até no funeral da mãe de José de Patrocínio. Os escravistas sustentavam que a preservação da lei e da ordem era mais importante e que protestos não poderiam ferir a liberdade de ir e vir dos cidadãos de bem.

A estética política do conservadorismo é bastante seletiva. É fácil encontrar na mídia textos de articulistas famosos relativizando os comentários dos médicos que desejaram a morte da mulher do ex-presidente Lula. Onde esses assuntos se encontram? Em nossa incapacidade de pesar situações. Se os programas de Temer e de Sartori tivessem passado nas urnas muitas das críticas a eles estariam prejudicadas. Quanto maior o número de votos, maior a legitimação. Um dos problemas de Donald Trump é de ter quase três milhões de votos a menos do que Hillary Clinton. O outro problema dele é querer governar contra os freios institucionais da democracia.

O PMDB no poder namora com essa estratégia. Formou-se um acordão para dar sustentação a Temer até 2018. Esse acerto de bastidores envolve Senado, Câmara de Deputados e STF. Até o rigoroso juiz Sérgio Moro defendeu Michel Temer de uma suposta tentativa de constrangimento e intimidação da parte de Eduardo Cunha. Em outros tempos, com outros personagens, seria uma denúncia a investigar. Raposas não usam cachecol. Disfarçam-se com o próprio pelo. Se uma delas diz vou, não vai, se diz que não vai, já foi. Se correr…

A propósito, qual o coletivo de raposa?

*

O tempo

Carrego meus fantasmas
Dentro de um armário
Entalhado no peito
Eu sou o que tenho feito
Apesar do grande defeito,
De sonhar mais que o pássaro,
Que voa sem fazer cálculos.
Eu sou eu e os meus cacos
Uma caneca de louça sem asa
Uma latinha de pastilhas
Fotos de minhas filhas
Lembranças feito ilhas
De um futuro no passado,
O presente encarcerado,
Lobo depois das trilhas,
O olhar depois das chuvas.
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* Sociólogo. Escritor. Colunista do Corrieo do Povo 
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2017/02/9571/a-politica-como-a-arte-de-enganar/

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