segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

ENTRE FLORES E ADUBO

 Lya Luft*
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Se a gente cultiva o bom, o belo, o amoroso – dentro do possível –, do resto, nestes dias, o país e o mundo se encarregam. Escrevi aqui, postei no Face, acredito nisso, e me esforço. Mas, vamos admitir, difícil não dar bola para o noticiário cada dia mais espantoso. Não que a mídia seja isso, como diria o Trump, ao contrário; percebo jornalistas quase engasgados ou suspirando ao dar uma lista de loucuras que nos ameaçam, talvez mais do que nós mesmos supomos.

Mas alienação demais me causaria culpa, este é um momento esquisito mesmo: calor sufocante, inesperadamente nuvens cor de chumbo fazendo carrancas no céu, trovoada, chuvarada, ventania e... dourado e azul de novo rindo de nós. Talvez a mãe natureza também esteja rangendo os dentes. Talvez isso venha ocorrendo a cada tantos milhares ou milhões de anos, pois sabemos que as eras glaciais e infernais se alternaram no planeta desde que planeta ele é. Não me crucifiquem os ambientalistas: sim, eu acredito que nós, predadores e alienados, atualmente estejamos influindo nisso.

Seja como for, não quero desfiar a ladainha de horrores políticos que nos afrontam, já fiz isso no Paisagem Brasileira, há pouco tempo, e, por mais que me peçam alguns amigos e leitores, não vou retomar amplamente o tema, porque aqui me propus, aliviada, tratar de coisas humanas. O problema é que crise, empobrecimento, insegurança, cabeças decapitadas, conhecidos assaltados ou mortos logo ali, por exemplo, são coisas muito, muito humanas. Desemprego? Humano demais. Pior é que a tudo isso se acrescenta uma paulatina, cada vez mais evidente, apatia. Eu preparava este artigo sobre apatia, e minha querida colega Rosane nos brinda com várias linhas a respeito, na sua coluna que leio antes de tudo aqui na nossa ZH. Onde a indignação? Onde os panelaços? Onde ruas cheias de manifestantes? Onde o entusiasmo na esperança de conseguirmos mudar alguma coisa?

E isso, gente, é o mais triste: a sensação de que não adianta. Porque perdeu-se aqui no Brasil o mais precioso bem, talvez, da espécie humana, por mais louca que ela ande: o pudor. A vergonha. Políticos ou outras autoridades que cometessem alguma gafe séria, ou apresentassem propostas escandalosas, quase criminosas, costumavam sumir por algum tempo, até que, já que temos curta memória, voltavam ao cenário lampeiros e faceiros. Agora, ninguém parece se constranger nem das coisas mais loucas. Acusados, investigados, delatados, denunciados, presos, ou que deviam estar presos, se apresentam, esbravejam, repetem incansavelmente que não sabem de nada, são inocentes, é tudo maldade alheia (ainda não acusam a mídia como o Trump, mas nunca se sabe quando vão começar). E assim, teimando em curtir e cultivar o belo, o bom, o amoroso que existem na natureza, na arte e nas pessoas (não todas, claro), ainda resisto à descrença total que ronda meus calcanhares, bafeja irônica e sarcástica, rosnando que eu deixe de ser boba, deixe de postar flores e borboletas e de escrever frases clara ou vagamente otimistas.

Resisto mais ou menos, entre ânimo e desolação, porque num canteiro prefiro as flores ao adubo... Mas que está tudo muito esquisito, ah, isso está.
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* Escritora. Colunista da ZH
Fonte:  http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a9724823.xml&template=3916.dwt&edition=30674&section=70 18/02/2017
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