segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Logo ali na esquina

Lya Luft*

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Sempre admirei os mais velhos quando diziam "pensei que já tinha visto tudo, mas sempre surge uma novidade boa ou péssima". A velhice me parecia, e parece agora que faço parte, uma época de serenidade, certa sabedoria, certa benevolência, certa liberdade. Digo e faço coisas que não faria nem diria aos 30 ou 40. Certa vez traduzi um livrinho cujo título era algo parecido com "Vou vestir vestido roxo". Algo assim. Depoimentos de várias mulheres velhas (por que o medo da palavra?) dizendo que agora podiam usar chapéu florido, ou vestido roxo, ou se divertir pisando na poça de água, sem que alguém venha criticar.

Sim, existem certas liberdades. Posso, como adorava fazer em criança e na juventude mas nem sempre me deixavam, ficar longo tempo vendo a paisagem, sonhando, pensando, lendo, enquanto alguma coisa se faz no meu interior mais interior. Quem sabe, personagens de um novo livro. Quem sabe, um pouco de tranquilidade a mais. Quem sabe, entender algo que parecia absurdo. Dou de ombros para coisas que me fariam arrancar os cabelos décadas atrás.

Mas, mesmo assim, cada dia vejo que não vi tudo. Por exemplo, notícias de maldade mesquinha que ataca pessoas em seu momento de dor. Parece mentira, mas é real. Parece impossível, mas longe disso. Sempre há quem se regozije com a dor alheia. Sempre há gente cuja única vantagem é conhecer ou inventar fraquezas de outros.

Também há quem diga que a grave crise de mudança de clima não existe: arrogantes e ignorantes, combinação explosiva. O presidente de uma nação poderosa acaba de admitir que, mesmo que cientistas mostrem pilhas de provas dessa perigosa ameaça para o mundo, a inteligência dele e sua intuição lhe dizem que é bobagem. O mudo que se exploda. E nós junto.

Por outro lado, em lugar de mais benevolente, me impaciento mais com certas mazelas, maldades e maluquices. Endeusar criminosos; louvar como coisa natural e quase obrigatória alguns dramas sexuais; querer que os filhos brinquem com bonecas e as filhas com carrinhos de brinquedo - como se isso fosse aliviar e resolver individualidades; professores humilhados e fisicamente atacados; velhos políticos mais-do-que-raposas-espertas reeleitos, mantendo privilégios - apesar de muitas mudanças que já começam, graças a Deus. Pobreza e miséria aumentando e alguns dizendo que nunca estivemos tão bem. Amizades desfeitas por razões ideológicas - como se o humano e pessoal importassem menos do que conceitos, ignorância, petulância ou radicalismos.

Enfim, a coisa vai ficando cansativa e mesmo assim vemos que não vimos tudo. Mas lembro que também vimos, vemos, coisas muito positivas: solidariedade, afeto, preocupação com o próximo, honradez; famílias que gostam de conviver... professores amados pelos alunos... médicos salvando vidas e pacientes lembrando-se disso... funcionários querendo fazer bem seu trabalho... patrões que não pagam só o mínimo necessário se podem pagar mais... enfim, gente sendo gente. Isso me faz concluir que, se achei que já tinha visto tudo, às vezes há surpresas boas logo ali na esquina.
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* Escritora. 
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=3dae7d02b063d20a593ed61053bf966c
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