segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Olavo de Carvalho é um efeito da nova direita e não sua causa.


O pensamento de Olavo de Carvalho não é uma novidade entre aqueles que estudam o conservadorismo, mas “provoca estupefação” “que um personagem tão peculiar tenha se tornado uma pessoa politicamente influente em Brasília”, diz Alvaro Bianchi, diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, à IHU On-Line. Apesar da influência de Olavo na constituição do novo governo, o professor frisa que ele não criou nem contribuiu para a criação da nova direita no país. 

Antes disso, pondera, “ele é um efeito e não a causa”, mas “suas ideias devem ser levadas a sério e isto significa que as pessoas interessadas em compreender o avanço das direitas radicais devem ler seus livros”, sugere. E acrescenta: “É preciso estudar e interpretar os mecanismos de difusão dessas ideias e isso só é possível desvendando a trama discursiva que permitiu essa difusão”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Bianchi atribui a popularidade de Olavo de Carvalhono Brasil ao fato de suas ideias possibilitarem a construção de “uma narrativa coerente que dá sentido aos medos alimentados pela low upper class, um exército de pequenos e médios empresários, profissionais liberais e trabalhadores autônomos profundamente afetados pela crise econômica e pelas transformações recentes na sociedade brasileira”.

O pesquisador também comenta as críticas de Olavo de Carvalho à universidade. Na interpretação dele, “quando Carvalho questiona o valor do conhecimento produzido nas universidades, está não apenas traduzindo aquilo que essa low upper class sente, mas também fornecendo um álibi para o fracasso”. Já sobre as críticas de Olavo de que a universidade foi tomada pelo “marxismo cultural”, Bianchi contesta que “o marxismo é uma corrente de ideias muito minoritária, com uma influência muito pequena no dia a dia dessas instituições”. 

Ele diz ainda que “Gramsci nunca falou ou escreveu a respeito de um ‘marxismo cultural’. A expressão foi criada em ambientes intelectuais conservadores norte-americanos e foi difundida por Paul Weyrich e William S. Lind para os quais ‘marxismo cultural’ era um sinônimo para multiculturalismo ou politicamente correto”.


Alvaro Bianchi (Foto: Unicamp)
 
Alvaro Bianchi é graduado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo – USP, mestre em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição.

Atualmente leciona na Unicamp, é pesquisador associado do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos Sobre os Estados Unidos – INCT-Ineu, membro do Comitê de Coordenação da International Gramsci Society e do corpo editorial dos Cadernos AEL, Cadernos Cemarx, Outubro e International Gramsci Journal.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Embora Olavo de Carvalho já tenha sido colunista em jornais brasileiros e atue na internet há bastante tempo, o protagonismo que ele assume hoje é uma surpresa para a intelectualidade brasileira?
Alvaro Bianchi – Quem estuda o pensamento conservador já conhecia Olavo de Carvalho há tempos. Há pesquisas a respeito de suas ideias, como por exemplo, a dissertação de Lucas Patschiki, defendida em 2012 na Unioeste sobre o site Mídia sem Máscara, no qual Carvalho divulgava suas teorias. Que suas ideias tinham repercussão em um ambiente conservador não era segredo. A surpresa está na influência que ele demonstrou ter sobre os filhos de Jair Bolsonaro e no fato de que foi consultado na formação do ministério. O que ninguém esperava e provoca estupefação é que um personagem tão peculiar tenha se tornado uma pessoa politicamente influente em Brasília.

IHU On-Line – Recentemente o senhor declarou que Olavo de Carvalho é um intelectual de influência considerável na opinião pública brasileira. Quais são as teses defendidas por ele que exercem mais influência na opinião pública?
Alvaro Bianchi – Creio que a popularidade de suas ideias se deve ao fato de que elas permitem construir uma narrativa coerente que dá sentido aos medos alimentados pela low upper class, um exército de pequenos e médios empresários, profissionais liberais e trabalhadores autônomos profundamente afetados pela crise econômica e pelas transformações recentes na sociedade brasileira.
Basicamente essas pessoas veem desmoronar perante seus olhos um mundo de certezas que garantiu ao longo de décadas segurança e estabilidade. Agora encontram-se acuadas. Pela primeira vez na história de nosso país é muito provável que os filhos dessa classe não cheguem aonde os pais chegaram, ou seja, que a renda dos filhos seja menor do que a dos pais.

Olavo de Carvalho apresenta uma explicação simples para a queda: marxistas, feministas e gays teriam provocado a crise da civilização cristã e empurrado a sociedade para o abismo. É obviamente uma teoria conspiratória à qual pessoas comuns podem se agarrar quando não conseguem uma explicação razoável para seus medos. E o medo é aquilo que caracteriza a pequena-burguesia. É uma classe assustada com sua própria irrelevância social.

IHU On-Line – Alguns avaliam que Olavo de Carvalho teve uma influência significativa no surgimento da chamada nova direita. Há unanimidade na nova direita sobre as teses de Olavo e sobre a importância dele para a constituição dessa nova direita?
Alvaro Bianchi – Não creio que Carvalho tenha criado ou contribuído para criar uma nova direita. Ele é um efeito e não a causa. As direitas radicais são um movimento muito heterogêneo com raízes profundas na história do pensamento político brasileiro. Hoje podemos dizer que há no Brasil pelo menos três grandes vertentes dessa direita radical: os conservadores tradicionalistas, os ultraliberais e a mais importante delas, os cristãos fundamentalistas. Olavo de Carvalho representa a primeira dessas vertentes, e talvez a menos relevante do ponto de vista político ou social, os conservadores tradicionais. Mas não é o único e as tensões entre esses diferentes movimentos político-intelectuais é considerável. Quem acompanha as redes sociais conhece as recorrentes brigas e trocas de insultos que agitam o ambiente reacionário.

IHU On-Line – Hoje muitos avaliam que as ideias de Olavo de Carvalho têm influenciado a constituição do novo governo, especialmente pela indicação direta de nomes para dois ministérios. Qual é a influência intelectual de Olavo no futuro governo? A influência dele se restringe aos filhos de Bolsonaro e ao presidente eleito ou é expandida ao governo como um todo? Pode nos dar exemplos de quais são as ideias de Olavo de Carvalho que se manifestam na formação do novo governo?
Alvaro Bianchi – Mais produtivo do que procurar a manifestação desta ou daquela ideia no governo é verificar que o novo ministério encarna uma visão de mundo reacionária a qual tem importantes pontos de convergência com o pensamento de Olavo de Carvalho. O discurso fortemente anticomunista, a criminalização de movimentos sociais, o negacionismo climático, o questionamento aos direitos humanos e o ataque às mulheres, à população negra e LGBT são um denominador comum dessa visão de mundo.

Mas há, como disse, contradições. O futuro ministro da Educação Ricardo Vélez Rodriguez, por exemplo, é favorável à censura nas escolas, o projeto chamado “Escola sem Partido”. Já Olavo de Carvalho, que supostamente o teria indicado, se manifestou contra esse projeto e acusou seus defensores de serem burros.

IHU On-Line – Uma das críticas de Olavo de Carvalho às universidades é que elas foram “tomadas” pelo “marxismo cultural”. Como o chamado marxismo cultural se manifesta nas universidades e como compreende essa crítica? Ela faz jus ao que de fato são as universidades brasileiras?
Alvaro Bianchi – Olavo de Carvalho não tem como saber que ideias predominam na universidade porque desconhece completamente as instituições de ensino superior brasileiras. Nunca as frequentou. Qualquer um que passe seus dias nas universidades sabe que o marxismo é uma corrente de ideias muito minoritária, com uma influência muito pequena no dia a dia dessas instituições. Qual é, por exemplo, a influência do marxismo nas escolas de engenharia, de medicina e de direito das universidades brasileiras? Provavelmente nenhuma. Não são elas as que concentram a maior quantidade de professores, alunos e recursos? Mesmo nas faculdades de filosofia e ciências humanas o quadro não condiz com o retrato pintado pelos críticos do “marxismo cultural”. Na Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais havia um único Grupo de Trabalho sobre marxismo, em meio a outros 34 GTs sobre os mais variados temas. Havia, porque ele encerrou suas atividades no ano passado.

Costumo dar o exemplo do curso de Ciências Sociais da Unicamp, onde trabalho. Não temos na grade curricular uma disciplina de “Pensamento Político Socialista”, mas temos uma de “Pensamento Político Liberal” da qual fui o responsável durante anos. Na última vez que dei a disciplina de “Tradições do Pensamento Político” os alunos leram um texto de Marx, a Crítica ao Programa de Gotha, mas também leram Os Fundamentos da Liberdade, do liberal Friedrich Hayek, e Os Caminhos para a Modernidade, da conservadora Gertrude Himmelfarb. O que predomina nas faculdades de filosofia e ciências humanas é a pluralidade.

IHU On-Line – O que diferencia as ideias de Gramsci do “marxismo cultural” apresentado por Olavo de Carvalho?
Alvaro Bianchi – Gramsci nunca falou ou escreveu a respeito de um “marxismo cultural”. A expressão foi criada em ambientes intelectuais conservadores norte-americanos e foi difundida por Paul Weyrich e William S. Lind para os quais “marxismo cultural” era um sinônimo para multiculturalismo ou politicamente correto. Em resumo, afirmavam que os marxistas haviam concluído que para chegar ao poder e manter-se nele precisavam destruir a cultura Ocidental e acivilização cristã. O que Olavo de Carvalho e outros têm feito é requentar essas ideias traduzindo-as para o contexto político brasileiro.

IHU On-Line – De um lado, Olavo se apresenta como um outsider e recusa a produção intelectual universitária, de outro lado, a universidade recusa a produção intelectual dele. O que isso demonstra sobre o debate de ideias no Brasil?
Alvaro Bianchi – As ideias de Olavo de Carvalho estão para a filosofia profissional assim como sua astrologia está para a astrofísica. Assim como nas disciplinas de Astrofísica não há lugar para a astrologia, nas disciplinas de História da Filosofia não há lugar para O Jardim das Aflições. Ainda assim é preciso lembrar que um filósofo de primeira como Theodor Adorno escreveu um belíssimo livro sobre a coluna de astrologia do Los Angeles Times.

Espero que esse exemplo seja seguido e sejam feitas boas pesquisas sobre o pensamento de Olavo de Carvalho. Creio que suas ideias devem ser levadas a sério e isto significa que as pessoas interessadas em compreender o avanço das direitas radicais devem ler seus livros. É preciso estudar e interpretar os mecanismos de difusão dessas ideias e isso só é possível desvendando a trama discursiva que permitiu essa difusão. Não creio que haja muita relevância, entretanto, em procurar demonstrar o óbvio e provar que a interpretação que ele faz da história da filosofia é bizarra. Seria como Adorno ter se dedicado a provar que as previsões dos astrólogos nunca se realizavam.
Para usar uma palavra de que seus admiradores parecem gostar, não se trata de aplicar os cânones do método filosófico ou histórico para “refutar” as interpretações de Carvalho. Não vou, por exemplo, gastar tempo argumentando que sua interpretação das ideias de Gramsci, autor do qual fala muito mas nunca cita, não tem nada a ver com o que o sardo de fato escreveu. O que eu quero entender é por que essa montanha de erros parece consistente para seu público. É isso o que precisa ser desvendado.

Uma parte do segredo está na recusa da universidade. As diatribes de Carvalho contra as instituições acadêmicas são música para ouvidos ressentidos. A universidade brasileira é profundamente elitista. Refiro-me, evidentemente, às instituições de excelência. São inacessíveis não apenas para os filhos da classe trabalhadora, mas também para a maioria dos filhos da pequena-burguesia, a qual não consegue converter seu dinheiro em capital intelectual. As consequências disso são a negação da ciência e do valor do conhecimento, além de um profundo ódio da universidade.

Quando Carvalho questiona o valor do conhecimento produzido nas universidades, está não apenas traduzindo aquilo que essa low upper class sente, mas também fornecendo um álibi para o fracasso.
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Reportagem  Por: Patricia Facchin | 19 Dezembro 2018

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