Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP
Pastora-belga-malinois
Teca, de 3 anos, da Receita Federal: treinamento para farejar bagagens e
protocolo para garantir bem-estar no trabalho
Pesquisadores investigam meios de dar qualidade de vida a espécies usadas ou consumidas pelos homens
O
tratamento escrupuloso dos animais, uma preocupação em geral associada a
organizações não governamentais (ONG) e a donos (ou tutores) de pets,
ganha cada vez mais espaço na agenda de pesquisadores. Cientistas de
diferentes áreas envolvem-se na tarefa de produzir conhecimento para
reduzir o estresse e dar qualidade de vida aos animais, notadamente
aqueles utilizados ou consumidos pelos seres humanos. Dessa mobilização,
surgiu um campo interdisciplinar: a ciência do bem-estar animal. Ele
integra veterinários, biólogos, psicólogos, especialistas em bioética,
entre outros profissionais, em pesquisas que avaliam, para citar alguns
exemplos, quais são as condições mais apropriadas para criar e
transportar bois e porcos ou para manter ratos ou coelhos utilizados em
experimentação científica. Também há estudos que ampliam a compreensão
sobre a dor e a cognição dos bichos, essenciais para mensurar níveis de
sofrimento, e os que analisam, do ponto de vista ético, as relações
entre seres humanos e animais.
O ponto de partida desse campo remonta aos anos 1960, no ativismo contra a crueldade na pecuária do Reino Unido (ver box)
e na convocação de pesquisadores para ajudar a enfrentar o problema. Na
academia, um grande marco, em meados da década de 1980, foi a indicação
do biólogo Donald Broom, hoje com 81 anos, para criar e ministrar a
primeira disciplina de bem-estar animal em uma instituição acadêmica, a
Universidade de Cambridge, no Reino Unido. O principal fundamento é a
ideia de que animais são seres sencientes, ou seja, possuem a capacidade
de experimentar sensações e sentimentos básicos, como frio e calor ou
dor e medo, e distinguir as agradáveis das desagradáveis. Quando são
retirados de seu hábitat natural para domesticação ou exploração
comercial, é responsabilidade dos seres humanos zelar por seu bem-estar,
o que inclui, de acordo com os cânones dessa área do conhecimento, três
preocupações éticas: que eles possam desenvolver suas capacidades de
forma análoga à da vida natural, não sintam dor ou medo e possam sentir
prazer e recebam cuidados de forma a ter boa saúde.
Um novo impulso veio na década de 1990, com o lançamento de revistas científicas especializadas, como Animal Welfare ou Journal of Applied Animal Welfare Science.
Um vislumbre nas edições mais recentes desses dois periódicos dá a
medida de como o campo se aprimorou. Há artigos de pesquisadores de
todos os lugares do planeta, como Vietnã, Turquia, Brasil, Austrália,
México, Reino Unido e Nigéria. Os temas abrangem tópicos como o
bem-estar de civetas, um mamífero asiático, criadas em cativeiro em
plantações de café da Indonésia – os grãos digeridos e defecados por
esses mamíferos produzem um café que custa US$ 2 mil o quilograma (kg)
–, protocolos para a criação de tartarugas-marinhas para fins de
pesquisa ou as razões pelas quais alguns tutores de pets do Reino Unido
deixam de procurar assistência veterinária, mesmo com a oferta de
tratamento gratuito. “Hoje, as publicações sobre o tema chegam a
milhares anualmente, as conferências envolvem centenas de pesquisadores e
apresentações não são incomuns nas reuniões sobre agricultura,
ecologia, cognição e até mesmo sobre emoções humanas”, observou a
bióloga comportamental Georgia Mason, diretora do Centro Campbell de
Estudos de Bem-Estar Animal da Universidade de Guelph, no Canadá, em um
artigo divulgado há seis meses na revista BMC Biology.
Civeta criada em cativeiro na Tailândia: estudos sobre bem-estar do mamífero que digere e defeca grãos de café de alto valorArief Priyono / LightRocket via Getty Images
O
esforço de pesquisadores em evitar que os animais sejam tratados com
crueldade responde à pressão de cidadãos e consumidores e a exigências
de legislações nacionais, mas a maioria das pesquisas também mira
interesses como o aumento da produtividade e da sustentabilidade na
produção de carnes. Um tema frequente em países como Brasil, Uruguai e
Argentina, grandes exportadores de carne, são as falhas na produção, no
embarque, transporte e manejo no frigorífico – além do sofrimento, elas
comprometem a competitividade da pecuária. Um estudo publicado em 2021
pelo zootecnista Mateus José Rodrigues Paranhos da Costa, pesquisador da
Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual
Paulista (Unesp), campus de Jaboticabal, definiu parâmetros
para a quantidade de porcos alocados em caminhões, quando são
transportados para abatedouros.
A conclusão do trabalho é de que
densidades de carga inferiores a 235 kg por metro quadrado (m2) permitem
que os leitões tenham espaço suficiente para viajar com mais conforto
nos caminhões e chegar menos cansados e machucados ao abatedouro. Essa
densidade equivale a pouco mais de dois porcos por metro quadrado – o
peso de um suíno na época do abate fica em torno dos 100 kg. “No Brasil,
estima-se que mais de 10 milhões de quilos de carne sejam descartados
anualmente por causa dos hematomas nas carcaças em virtude de quedas,
pancadas e escorregões do animal, que poderiam ser evitados com um
manejo mais cuidadoso”, afirma Paranhos da Costa. O estudo avaliou as
condições de quase 2 mil suínos transportados. Os índices de lesão foram
bem mais altos quando a densidade de porcos era de 270 kg/m2 na
comparação com densidades de 240 e 200 kg/m2.
O
engenheiro-agrônomo Alex Maia, também da Unesp em Jaboticabal,
atualmente pesquisador visitante da Universidade de Idaho, nos Estados
Unidos, estuda o papel do conforto térmico para a melhoria na qualidade
de vida de bovinos. Por ano, o Brasil engorda em confinamentos
aproximadamente 7 milhões de bovinos de corte em currais sem nenhum
anteparo contra intempéries do ambiente, expondo-os à radiação solar (ver Pesquisa FAPESP nº 340),
principalmente ultravioleta. “É um ambiente muito desconfortável para
os animais, incômodo para os produtores e desafiador para a indústria,
pois atualmente a sociedade tem um olhar crítico sobre esses sistemas
que buscam altos lucros em detrimento da qualidade de vida dos animais.”
Em parceria com o Centro de Inovação Campanelli, do grupo Agropastoril
Paschoal Campanelli, localizado na fazenda Santa Rosa, em Altair, a 419
quilômetros de São Paulo, Maia desenvolve o conceito smart shade:
um curral em formato retangular, com estrutura metálica com cabos de
aço suspensos fixando telhas, que oferece uma projeção de sombra de 20%
da área total durante qualquer horário do dia, permitindo que 100% do
rebanho se proteja contra a radiação solar direta.
Foram
realizados experimentos com mais de 6 mil bovinos de corte, a maioria da
raça nelore, que tinham a liberdade de escolher entre ficarem expostos
ao Sol ou se protegerem na projeção da sombra. Parte desses resultados
foi publicada em 2023 na Frontiers in Veterinary Science. Em
média, os bovinos em currais sombreados tiveram de 5 kg a 10 kg a mais
no peso da carcaça, a depender da raça, quando comparados ao gado
manejado em currais sem sombreamento. Do ponto de vista ambiental, um
resultado que chamou a atenção foi o consumo de água. Em média, os
animais dos currais smart shade reduziram a ingestão em torno
de 10 litros de água por dia em relação aos bovinos que não desfrutaram
do sombreamento. Com base em seus dados de pesquisa, Maia está
desenvolvendo nos Estados Unidos modelos de inteligência artificial
capazes de predizer o consumo de matéria seca e de água, além do ganho
de peso, em razão da exposição do rebanho à radiação solar.
Curral smart shade na fazenda Santa Rosa, em Altair, interior paulista: mais conforto térmico e consumo menor de águaCentro de Inovação Campanelli
A
agenda dos cientistas pode parecer convergente com a das entidades de
proteção, mas seus objetivos são diferentes. Do ponto de vista das ONG,
praticamente todo tipo de uso de animais é eticamente reprovável,
enquanto os pesquisadores se concentram em dar a eles um tratamento
digno e indolor, tentando reduzir, quando possível, seu uso, como no
caso da experimentação animal. Essa abordagem dos cientistas, contudo,
não é consensual nem se exime de debates éticos, às vezes, acalorados. A
veterinária Carla Molento, da Universidade Federal do Paraná (UFPR),
considera essencial avaliar se as pesquisas e as novas tecnologias sobre
bem-estar têm um interesse genuíno em melhorar as condições de vida dos
animais, mesmo em um ambiente de produção, ou se o verdadeiro alvo é
aumentar os ganhos do produtor. “Muitas vezes, existe um desvio
insidioso. Um estudo se apresenta como pesquisa de bem-estar, mas na
verdade ele visa apenas melhorar a produtividade”, diz Molento,
coordenadora do Laboratório de Bem-estar Animal (Labea) da UFPR –
primeiro centro brasileiro a incluir a expressão “bem-estar animal” em
seu nome, em 2004.
Em um trabalho publicado por seu grupo em 2023 na revista Animals,
Molento e suas colaboradoras selecionaram 180 artigos científicos que
traziam as expressões “animal welfare” ou “animal well-being” em seus
objetivos ou hipóteses. Cinco avaliadoras deram pontos para os artigos,
em uma escala de 1 a 10, de acordo com o valor intrínseco que o texto
atribuía aos animais. Nos trabalhos de revistas que tinham como mote a
produção, a média foi de 4,74 pontos, enquanto os publicados em
periódicos sobre bem-estar alcançaram 6,46. “A baixa pontuação geral
evidenciou que as publicações sobre bem-estar não estão, em média,
priorizando os interesses dos animais”, escreveu Molento. Ela propõe que
estudos científicos nessa área passem a conter uma declaração explícita
sobre as motivações e interesses dos pesquisadores, para aferir se os
animais são tratados como prioridade.
Animais de laboratório
A
experimentação científica é um outro foco importante da ciência do
bem-estar animal. Garantir que os animais de laboratório tenham uma vida
saudável e livre de dor é essencial para que eles cumpram a finalidade
de gerar informações que façam o conhecimento avançar ou testar novas
rotas para medicamentos. “Além de ser intolerável para a sociedade
manter um animal em condições insalubres, isso pode criar vieses nos
resultados de pesquisas”, explica a médica-veterinária Luisa Maria Gomes
de Macedo Braga, presidente do Conselho Nacional de Controle de
Experimentação Animal (Concea), órgão vinculado ao Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) responsável por formular e zelar
pelo cumprimento de normas para o funcionamento de instalações em que
animais são criados e utilizados.
O
Concea foi criado pela Lei Federal nº 11.794, sancionada em outubro de
2008, que propôs procedimentos e normas para o uso de animais em
pesquisas no Brasil. Ela é mais conhecida como Lei Arouca, em referência
ao seu autor, o sanitarista e deputado federal Sérgio Arouca
(1941-2003), presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de 1985 a
1989. A lei também determinou que cada instituição de pesquisa tivesse
uma Comissão de Ética de Uso de Animais (Ceua) encarregada de avaliar
projetos que utilizem animais de laboratório, zelando para que sejam
usados no menor número possível, em condições dignas e com o mínimo de
sofrimento.
Resoluções do Concea mudaram o panorama da
experimentação animal no Brasil. Recentemente, determinaram a
substituição do uso de animais por métodos alternativos no controle de
qualidade de lotes de produtos e medicamentos. Entre as tecnologias que
buscam substituir o uso de animais em testes de cosméticos, uma das mais
promissoras é conhecida como body-on-a-chip (BoC), baseada na impressão
3D de tecidos humanos, como pele e intestino (ver Pesquisa FAPESP nº 335).
As resoluções também tiveram impacto na aplicação de políticas
públicas. Um grupo de 120 pesquisadores brasileiros, coordenados na
maioria por membros do Concea, trabalhou nos últimos 10 anos para
produzir o Guia brasileiro de produção, manutenção ou utilização de animais para atividades de ensino ou pesquisa científica, um manual de 1,1 mil páginas que reúne orientações sobre edificações, cuidados e manejo.
Roedor criado em biotério da USP: docentes e técnicos dispõem de curso de capacitação em princípios éticos e manejoLéo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP
O
guia define de modo minucioso como deve ser feita a criação de
roedores, coelhos, cães e gatos, macacos, ruminantes, peixes, suínos,
aves, entre outros, utilizados em experimentos científicos. Reúne
descrições sobre como estruturar biotérios e outras instalações de
pesquisa, sem o que elas não podem ser licenciadas – do espaço mínimo
reservado a cada espécie à existência de áreas exclusivas para
quarentena. Também propõe protocolos a serem adotados para reduzir a dor
e o estresse dos bichos, como o nível de ruído no ambiente ou o tamanho
das agulhas usadas em anestesia, ou o tipo de treinamento que os
profissionais que lidam com essas experimentações precisam receber (ver Pesquisa FAPESP nº 328).
O
impacto dos 15 primeiros anos de aplicação da Lei Arouca está sendo
avaliado por uma equipe liderada pelo veterinário José Luiz Jivago de
Paula Rôlo, da Universidade de Brasília (UnB). Um dos dados já
analisados pelo grupo é o do número de artigos de autores do Brasil que
mencionaram o termo “bem-estar animal” e fizeram referência a algum tipo
de regulamentação relacionada ao uso de animais em projetos de
pesquisa. Até a década de 1990, o número de papers era muito
pequeno – no máximo, cinco por ano –, mas cresceu exponencialmente a
partir de meados dos anos 2000. Só em 2020 houve mais de 200 artigos
citando instruções normativas e guias do Concea. O levantamento, que
deve ser concluído no final do ano, também vai mapear os grupos de
pesquisa envolvidos com o tema no país. “Já é possível afirmar que
existem duas grandes vertentes. Há equipes que têm como alvo a
experimentação e as que se dedicam a estudos sobre animais na pecuária. E
esse segundo grupo é mais numeroso”, diz Rôlo.
As duas vertentes
com frequência se entrelaçam. O médico-veterinário Helder Louvandini, do
Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo
(Cena-USP), em Piracicaba, participou de uma das equipes que produziram o
manual do Concea. Ele ajudou a sistematizar as normas sobre pesquisas
com grandes ruminantes, como bovinos e búfalos, que estabelecem desde os
cuidados na criação de bezerros até os parâmetros detalhados para
sistemas de confinamento, como uso de pisos antiderrapantes e sistemas
de ventilação. Louvandini conta que a questão do bem-estar se tornou uma
parte indissociável de seus estudos sobre nutrição. “Coordeno um
projeto apoiado pela FAPESP que pretende validar o uso de nanopartículas
de óxido de zinco como um alimento funcional em ruminantes. O objetivo
não é só melhorar as condições nutricionais dos animais, mas analisar o
efeito no combate a parasitas, o que é um parâmetro fundamental para o
bem-estar. Toda pesquisa que busque ampliar a sustentabilidade na
produção acaba tendo elo com o bem-estar”, afirma.
Um
dos pioneiros na ciência do bem-estar animal no Brasil é o veterinário
gaúcho Adroaldo José Zanella. Ele coordena o Centro de Estudos
Comparativos em Saúde, Sustentabilidade e Bem-Estar na Faculdade de
Medicina Veterinária e Zootecnia (FM-VZ) da USP, campus de
Pirassununga, e lidera pesquisas sobre bovinos de corte e de leite,
ovelhas e, principalmente, suínos. Um artigo recente de seu grupo,
publicado em abril na Nature Food, mapeou indicadores de
sustentabilidade e bem-estar na cadeia de suínos no Brasil e no Reino
Unido. O trabalho comparou dados sobre 74 criações de suínos no Reino
Unido e 17 no Brasil. Um dos resultados mais relevantes indicou que,
entre suínos criados em condições de bem-estar comprometido, há mais uso
de antimicrobianos. “Esses fármacos são utilizados em menor quantidade
quando os indicadores de bem-estar são melhores”, afirma. Zanella, que
orientou a formação de mais de 30 mestres e 25 doutores, busca uma
abordagem multidisciplinar para levar as pesquisas adiante, integrando
advogados, médicos, filósofos, pedagogos, profissionais das ciências
exatas ligados à inteligência artificial e outros. “Nosso grupo está
tentando buscar pessoas nas áreas de ciências humanas que possam nos
ajudar a entender, por exemplo, como melhorar a mão de obra trabalhando
com animais”, diz.
Zanella se doutorou em bem-estar animal pela
Universidade de Cambridge em 1992, tendo o pioneiro Broom como
orientador. Sua tese teve como foco os indicadores de bem-estar de
fêmeas suínas durante a gestação, até hoje um dos principais focos de
seu centro de estudos. Na tese, ele identificou um marcador
neurofisiológico associado ao comportamento repetitivo de suínos, que é
semelhante ao comportamento desenvolvido por algumas pessoas com
autismo. Outros trabalhos do grupo demonstraram que a espécie sofre de
ansiedade, aumento de comportamento agressivo, problemas de memória e
comprometimento das áreas do cérebro responsáveis pela modulação das
emoções e processos cognitivos, em situações de isolamento social ou
quando submetida ao desmame precoce, dados publicados no periódico Brain Research. Em um artigo recente de Zanella, divulgado na revista Frontiers in Animal Science,
ele mostrou que, mesmo sem nunca ter entrado em contato com o pai,
leitões originados de machos que permaneceram quatro semanas em celas
apresentaram mais medo e ansiedade, além de níveis elevados de cortisol
na saliva quando expostos a situações estressantes pelas quais nunca
tinham passado antes. Essas mesmas questões vêm sendo avaliadas em
ovelhas e cabras, com resultados semelhantes.
Ovinos,
tilápia massageada por cerdas em aquário no campus da Unesp e coleta de
fluido oral de suínos de forma não invasiva, ambos no campus de
Pirassununga da USPLéo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP | Ana Carolina dos Santos Gauy
Apesar
da prevalência de estudos voltados para a pecuária, hoje já há
pesquisas no país sobre muitas outras espécies. Pesquisadores da UnB
apoiam instâncias do governo federal, como o Ministério da Agricultura e
Pecuária, a Polícia Federal e a Receita Federal, que utilizam cães de
olfato excepcional utilizados para farejar drogas, explosivos e
alimentos, e ajudam a definir protocolos que devem ser seguidos para
garantir o bem-estar dos animais. Cães, que chegam a custar R$ 60 mil
reais, podem ter o desempenho diminuído na execução de tarefas quando
são submetidos a condições exaustivas ou muito adversas.
“O
potencial máximo de um animal é atingido quando ele se sente
confortável, bem alimentado e hidratado, e há uma série de parâmetros de
bem-estar, como horas de trabalho e pausas para descanso, que precisam
ser seguidas”, explica o médico-veterinário Cristiano Barros de Melo,
professor da UnB, que ministra uma disciplina sobre Cães de Interesse do
Serviço Público na pós-graduação em ciências animais da universidade e
oferece capacitação científica a empresários e funcionários públicos que
lidam com caninos. “Para os cães, o trabalho de farejar é uma
brincadeira agradável. Se ele entender o trabalho como uma grande
brincadeira, suas habilidades são aproveitadas. Quando fareja em alto
desempenho, sua boca permanece fechada e a respiração segue pelas
narinas, por conta do foco que necessita manter durante o trabalho. Por
isso, é preciso calibrar seu esforço.”
Em um estudo publicado em maio na revista Frontiers in Veterinary Science,
o grupo de Melo avaliou o desempenho de cães da Receita Federal
envolvidos em apreensões de drogas entre 2010 e 2020 em fronteiras,
aeroportos, portos e centros de recepção de encomendas dos Correios, em
cenários reais no Brasil. Foram apreendidos 97,7 mil quilos de maconha,
179,3 mil quilos de cocaína, entre outros entorpecentes. A conclusão do
estudo é de que, a cada novo cachorro introduzido no sistema de
fiscalização, houve um aumento de mais de 3 toneladas de drogas
apreendidas.
Mas também há pesquisas em fases de investigação
anteriores à aplicação. A zoóloga Eliane Gonçalves de Freitas, do
Laboratório de Comportamento Animal da Unesp, campus de São
José do Rio Preto, está estudando como a estimulação táctil corporal, um
recurso usado para reduzir o estresse de diversas espécies, pode
melhorar o bem-estar de tilápias. Em dois artigos, um publicado em 2019 e
outro em 2022 na revista Scientific Reports, seu grupo
analisou o comportamento de tilápias criadas em aquários que, para
chegar ao local onde havia alimento, eram obrigadas a passar por uma
coluna de cerdas macias de silicone que massageavam suavemente seus
corpos. Embora a estimulação não tenha tido impacto nos níveis do
hormônio cortisol, cuja elevação está associada a estresse, as tilápias
do experimento reduziram sua agressividade em interações com as outras.
Também
se observou que os peixes cresceram mais rapidamente com menor consumo
de alimentos, o que foi atribuído ao gasto energético poupado em lutas.
Em um projeto apoiado pela FAPESP em parceria com pesquisadores da
Universidade do Porto, em Portugal, e da Universidade de Tecnologia da
Dinamarca, Freitas investiga agora se as tilápias procuram
voluntariamente a massagem caso não sejam obrigadas a ultrapassar as
cerdas, além de alguns mecanismos neurais envolvidos com a resposta à
estimulação táctil. Também está analisando o efeito da massagem em três
peixes ornamentais de comportamento agressivo e se os efeitos também se
reproduzem em espécies marinhas de interesse para a aquicultura
europeia, como a dourada (Sparus aurata) e o sargo (Diplodus sargus).
“A quantidade de estudos sobre o bem-estar dos peixes ainda é pequena e
essa área só começou a crescer neste século. Há evidências de que eles
sentem dor, mas há poucos estudos sobre como reduzir o sofrimento”,
afirma. Um dos desafios da ciência do bem-estar animal, observa Freitas,
é expandir seus domínios para espécies que hoje não atraem muita
atenção dos pesquisadores, seja porque não inspiram compaixão nos seres
humanos ou então porque não despertam interesse comercial.
O gatilho contra a crueldade Livro da década de 1960 denunciou currais superlotados no Reino UnidoEm 1964, a ativista inglesa Ruth Harrison abriu a caixa de Pandora da crueldade na produção animal ao publicar Animal machines.
No livro, de 186 páginas e sem tradução no Brasil, ela denunciava o
imenso contraste entre fazendas idílicas com seus celeiros cobertos de
líquens e vaquinhas chamadas pelo nome e os “desajeitados” galpões que,
àquela altura, já aplicavam antibióticos e hormônios nos animais e os
confinavam em currais superlotados para transformá-los em mercadorias. O
livro teve um forte impacto. Em junho do mesmo ano, o governo do Reino
Unido convocou o professor de zoologia Francis William Rogers Brambell,
da Universidade de Bangor, para liderar uma equipe de investigadores e
dar uma resposta técnica à questão. Afinal, o livro era um exagero ou o
sistema intensivo estava realmente causando sofrimento aos animais?
Em
dezembro de 1965, o grupo, chamado tempos depois de Comitê Brambell,
divulgou um relatório de 85 páginas no qual reconhecia que os animais
poderiam experimentar dor física e sentimentos como medo, raiva,
apreensão, frustração e prazer. Também destacou a importância da
independência de movimento do animal, definida em cinco “liberdades”:
virar-se, limpar-se, levantar-se, deitar-se e esticar os membros. Ante a
falta de pesquisas a respeito, o comitê propôs que cientistas voltassem
seus estudos ao tema do bem-estar a fim de definir o termo com maior
precisão e desenvolvessem índices e parâmetros para que as condições em
que vivem os animais, especialmente aqueles criados com fins
alimentares, pudessem ser mais bem avaliadas e mensuradas. Estava aberta
a porteira da ciência do bem-estar animal.
Apoio à formação profissional
Cursos dão treinamento sobre princípios éticos e manejo em experimentação animalEm
2017, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) lançou um edital para financiar cursos e treinamento para
docentes, técnicos, veterinários e estudantes que trabalham em
instalações em que se faz experimentação animal. O grupo da bióloga
Patrícia Gama, diretora do Instituto de Ciências Biomédicas da
Universidade de São Paulo (ICB-USP) e coordenadora da Rede USP de
Biotérios, teve um projeto selecionado na chamada. Ele resultou na
criação de um curso a distância de extensão de capacitação em princípios
éticos e manejo, que atendeu mais de 10 mil profissionais.
“Classificamos o curso como de difusão, categoria na qual pudemos
incluir pessoas sem formação completa, já que muitos funcionários de
instituições de pesquisa não completaram o ensino médio”, explica Gama,
que montou o programa com Claudia Cabrera Mori, da Faculdade de Medicina
Veterinária e Zootecnia da USP, e mais um grupo de veterinários que já
atuavam na instituição.
Na primeira edição, de 2018 a 2021, 10.726
pessoas foram selecionadas, das quais 6.418 concluíram o curso. Na
segunda rodada, de 2021 a 2022, houve 7.914 selecionados e 4.895
concludentes. Diante da demanda do Concea para que o treinamento
obrigatório se estendesse para além de ratos e camundongos, abrangendo
cuidados com outros animais, como bovinos, aves e peixes, o grupo da USP
constituiu a partir de março de 2023 um curso de princípios éticos e de
manejo, com módulos dessas espécies em separado. Até janeiro deste ano,
4.559 dentre 10.813 inscritos haviam concluído esse curso. “Na prática,
já vemosmudanças de comportamento”, diz Gama. Segundo ela, a qualidade
do treinamento e das instalações tem feito com que se use menos animais
por experimento científico, o que também reflete na disseminação dos
resultados.
A reportagem acima foi publicada com o título “Cuidado e empatia com os animais” na edição impressa nº 341, de julho de 2024.
Projetos
1. Bem-estar animal como valor agregado nas cadeias produtivas da pecuária (nº 23/12374-4); Modalidade Auxílio Organização ‒ Reunião Científica; Pesquisador responsável Mateus José Rodrigues Paranhos da Costa (Unesp); Investimento R$ 96.605,44.
2.
Estimulação táctil corporal e bem-estar em peixes: Efeitos sobre a
agressividade, monoaminas cerebrais e desempenho produtivo (nº 23/02306-1); Modalidade Auxílio à Pesquisa ‒ Regular; Pesquisadora responsável Eliane Gonçalves de Freitas (Unesp); Investimento R$ 273.424,42.
3. Nanopartícula de óxido de zinco como alimento funcional (nº 19/26042-8); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Helder Louvandini (USP); Investimento R$ 2.528.542,97.
4. Consequências epigenéticas da experiência no período pré-cópula de machos suínos na cognição e emocionalidade de leitões (nº 20/00826-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa ‒ Sprint; Convênio Linköping University (LiU) Pesquisador responsável Adroaldo Jose Zanella (USP); Investimento R$ 32.630,38.
5.
Sombreamento com uso de painéis fotovoltaicos para bovinos de corte: Um
estudo do equilíbrio térmico, da viabilidade econômica e do impacto
ambiental (nº 18/19148-1); Modalidade Auxílio à Pesquisa ‒ Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais; Pesquisador responsável Alex Sandro Campos Maia (Unesp); Investimento R$ 208.086,17.
6. A contribuição do macho para o desenvolvimento de fenótipos robustos e o papel mitigador do bem-estar das fêmeas suínas (nº 18/01082-4); Modalidade Auxílio à Pesquisa ‒ Regular; Pesquisador responsável Adroaldo Jose Zanella (USP); InvestimentoR$ 222.973,53.
Artigos científicos
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blood stress indicators, skin lesions, and meat quality in pigs
transported to slaughter at different loading densities. Journal of Animal Science. v. 99. ed. 6. 2021.
MAIA, A. S. C et al. Economically sustainable shade design for feedlot cattle. Frontiers in Veterinary Science. v. 10. 2023.
FRAGOSO, A. A. et al. Animal Welfare Science: Why and for Whom? Animals. v. 13. p. 1833. 2023.
BARTLET, H. et al. Trade-offs in the externalities of pig production are not inevitable. Nature Food. v. 5. p. 312-22. 2024.
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of early weaning and social isolation on the expression of
glucocorticoid and mineralocorticoid receptor and 11β-hydroxysteroid
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Fonte: https://revistapesquisa.fapesp.br/a-ciencia-que-mira-o-sofrimento-dos-animais/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=Ed342&utm_id=jul24