Roberto Savio*
São
Salvador de Bahamas, Bahamas, 15/8/2012 – Algum dia será necessário
refletir sobre o impacto da queda do Muro de Berlim, tanto no mundo dos
vencedores como no dos vencidos.
Os vencedores do comunismo foram
os políticos, que tinham à disposição a força militar e as novas
tecnologias. As corporações tiveram um papel fundamental, mas indireto
até então. E os defensores do Ocidente daquela época (estamos falando de
1988), apresentavam como modelo um capitalismo que hoje está em vias de
extinção.
Esse capitalismo havia se confrontado com as lutas
sociais que se seguiram à Revolução Industrial e incorporara
progressivamente valores como justiça social, participação e democracia
na base da organização social. Um capitalismo que aceitara os
sindicatos, os acordos entre sindicatos e empresas, e o trabalho como um
direito fundamental.
No começo de julho, David Brooks, comentarista do conservador The New York Times,
saiu em defesa do “capitalismo moderno”, observando que a cobiça é um
forte estímulo para o sucesso. Afirmou que, se foram deslocados centenas
de milhares de postos de trabalho, é porque o “capitalismo moderno” tem
uma visão global, não meramente nacional.
Isto implicou a criação
de outros tantos postos de trabalho em países do Terceiro Mundo, o que é
objetivamente um resultado de profundo significado social. Segundo
Brooks, o capitalismo moderno continua sendo o único motor da história.
A incapacidade da
política para
controlar as finanças é a razão da
força avassaladora do
“capitalismo moderno”.
Este
tipo de lógica seria impensável antes da queda do Muro de Berlim. A
ninguém ocorreria elogiar a cobiça e apresentar como uma ideia positiva a
eliminação de milhões de postos de trabalho, em nome de maiores lucros
para as empresas. O fato de isto ser lido em um jornal respeitável
demonstra como o mundo está mudando.
O motor do “capitalismo
moderno” é a finança, não a indústria. A indústria foi o motor do velho
capitalismo. Em um breve período os capitais se concentraram nas
finanças para obter maiores ganhos do que com a indústria.
É
ilustrativo saber que, em 2010, o valor médio da produção mundial de
bens e serviços em um dia era de quase US$ 1 trilhão, enquanto no mesmo
período as transações financeiras chegavam a US$ 40 trilhões. As
transações quadruplicaram entre 2004 e 2010.
A incapacidade da
política para controlar as finanças é a razão da força avassaladora do
“capitalismo moderno”. Longe de defender e aplicar as constituições, a
política se converteu em um instrumento a serviço dos mercados. Não sei
quanto notaram, mas até agora nenhuma fraude do sistema financeiro levou
à prisão um banqueiro (recordo que Bernard Madoff era um indivíduo, não
um banco).
Como é notório, o último grande escândalo, a
manipulação da taxa interbancária Libor, revelou uma associação ilícita
entre um seleto grupo de bancos.
Um deles, o inglês Barclays, foi
multado em US$ 450 milhões. Seu executivo chefe, Bob Diamond, que havia
declarado no inverno passado que “já é hora de se deixar de atacar os
banqueiros”, teve que se demitir. E, embora não agrade ao senhor
Diamond, em lugar de “bankers”, volta a ser utilizado o termo
“bankster”, que esteve no auge durante a Grande Depressão de 1929.
Um
presidente democrata daqueles tempos, Franklin D. Roosevelt, introduziu
férreas regras sobre as finanças, que foram abolidas, uma após outra,
começando com as desregulamentações do presidente Ronald Reagan, para
culminar em 1999, quando o presidente Bill Clinton cancelou a lei
Glass-Steagall de 1933 sobre separação de bancos comerciais e de
investimentos.
O grave problema atual, ao contrário da época da
Revolução Industrial, é que o sistema político, o fiel das
constituições, perdeu legitimidade, especialmente entre os jovens. e a
cada dia se subordina em maior grau às finanças.
A campanha
eleitoral norte-americana deste ano passará dos US$ 4 bilhões. E o
candidato republicano Mitt Romney tem um tesouro de guerra superior ao
do presidente Barack Obama. Isto foi facilitado porque uma decisão da
Suprema Corte permite que as corporações façam doações ilimitadas.
"Os detalhes da
vida diária são janelas
para a sociedade. Descobre-se agora
que
supermercados, restaurantes
e bares estão aumentando os decibéis
da
música de fundo porque se
comprovou que quanto mais barulho
mais os
clientes consomem."
Se
a política não voltar a se fundamentar em valores, entraremos em uma
era de populismo, com tristes perspectivas. Os partidos de direita ou de
evasão ganham espaço na Europa, desde o caso da Hungria ao partido dos
piratas na Alemanha ou ao de Beppe Grillo na Itália.
A deriva
direitista do Partido Republicano nos Estados Unidos, sob a influência
do Tea Party, é muito maior do que a de George W. Bush sob a influência
dos neoconservadores.
Bush tinha como ideologia o sonho americano,
Romney a ideologia das elites financeiras e religiosas mais
conservadoras. Se vencer as eleições, poderemos esquecer de tentar
atenuar a mudança climática, que para ele não é um problema real, mas
uma conspiração contra as empresas de petróleo.
Os detalhes da
vida diária são janelas para a sociedade. Descobre-se agora que
supermercados, restaurantes e bares estão aumentando os decibéis da
música de fundo porque se comprovou que quanto mais barulho mais os
clientes consomem.
Um estudo publicado pela revista Alcoholism: Clinical & Experimental Research demonstra
que, em um bar com a música em 72 decibéis, os clientes consumiam uma
média de 2,6 copos, em 14,5 minutos cada um. Se o volume da música
aumentasse para 88 decibéis, a média aumentava para 3,4 copos, em
apenas 11,5 minutos.
Por exemplo, o restaurante Beaumarchais’, de
Nova York, coloca a música em 99 decibéis e as mesas são liberadas mais
rapidamente. Segundo as leis norte-americanas de proteção ao
trabalhador, nesse nível não se permite mais do que 19 minutos sem
proteção acústica.
“Estamos manipulando? Certamente”, afirmou Jon
Taffer, dono de restaurantes, consultor sobre a vida noturna e
apresentador do reality show Bar Rescue (Salvando Bares). “Meu trabalho é
enfiar minha mão no seu bolso tão fundo quanto você gosta. É um negócio
de manipulação”, ressaltou.
O “capitalismo moderno” está chegando
aos bares, aos restaurantes e às lojas. Não é algo apenas da City ou de
Wall Street. Envolverde/IPS
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* Roberto Savio é fundador e presidente emérito da agência de notícias IPS (Inter Press Service) e editor do Other News.
(IPS)
Fonte: http://envolverde.com.br/15/08/2012
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