ENTREVISTA
Tzvetan Todorov, linguista e filósofo
“Intelectual
múltiplo” é uma expressão banalizada, mas que ainda serve para o
filósofo, historiador e linguista búlgaro, nacionalizado francês,
Tzvetan Todorov. Pensador que já escreveu sobre romance policial,
história das Américas, pintura do Renascimento, guerra do Iraque e a
busca romântica da beleza, entre tantos temas, Todorov é o convidado de
hoje do Fronteiras do Pensamento.
O Fronteiras é apresentado pela Braskem e tem o patrocínio de Unimed Porto Alegre, Natura, Gerdau e Grupo RBS. O projeto conta com parceria da UFRGS, apoio da Petrobras no módulo educacional e parceria cultural de Unisinos, prefeitura de Porto Alegre e governo do Estado do Rio Grande do Sul.
ZH – O senhor pode antecipar os tópicos gerais de sua conferência em Porto Alegre?
Tzvetan Todorov – O tema de minha conferência é uma característica da cultura ocidental que chamo de “messianismo político”, herança de um messianismo cristão mais antigo. É um postulado segundo o qual podemos alcançar todos os objetivos políticos e culturais, sejam eles quais forem, desde que tenhamos os meios apropriados à disposição. Essa atitude profana estava lá no fim do século 18, no contexto do Iluminismo, e foi levada pela Revolução Francesa. Distingo três grandes fases desse messianismo. A primeira consiste em declarar guerras para impôr os benefícios da Revolução (na Europa) e em guerras coloniais para exportar a civilização europeia (no resto do mundo). A segunda é o projeto comunista. Por fim, a terceira, a que estamos testemunhando hoje, é exportar a ideia de democracia e de direitos humanos por meio da dominação de países estrangeiros e implementação de governos dóceis (como no Iraque, no Afeganistão, na Costa do Marfim, na Líbia).
ZH – O senhor escreve em seu livro mais recente, Os Inimigos Íntimos da Democracia, que a democracia está em perigo, ameaçada pelo cinismo e pelas pressões populistas. Como a sociedade pode resgatá-la?
Todorov – Nos países dos quais falo em meu livro, na Europa e na América do Norte, a democracia hoje é ameaçada por inimigos externos, como o fascismo ou o comunismo do século 20, e por inimigos que vêm do próprio interior da democracia, que são de algum modo suas perversões. Eu me concentro particularmente sobre o messianismo, e, em seguida, sobre o que se tem chamado de neo(ultra)liberalismo e, por fim, sobre o populismo xenófobo. O combate contra estes “inimigos íntimos” não será travado em um campo de batalha, será principalmente ideológico: precisamos mostrar que esses perigos, que se apresentam como prolongamentos naturais da democracia, são na verdade seus coveiros.
ZH – No mesmo livro, o senhor recorda o episódio da invasão do Iraque, sustentada em falsas evidências de armas de destruição em massa no país. Mesmo amparado em mentiras, Bush declarou guerra e foi reeleito para um segundo mandato. A desfaçatez tornou-se mérito político?
Todorov – A população não avalia a política estrangeira de um país em termos de um código moral, mas sim na medida em que essa política é ou não bem-sucedida. Enquanto os generais argentinos estavam vencendo a Guerra das Malvinas, o povo os apoiava; quando começaram a perder, a população os rejeitou. Os Estados Unidos ganharam a guerra no Iraque, eles provaram que seu exército era o mais poderoso do mundo, portanto a população reelegeu o presidente.
ZH – Há uma ideia generalizada de que os jovens não estão interessados na política atualmente, paralisados pelo discurso corrente da “impossibilidade de mudar o mundo”. O senhor concorda? E como seria possível atrair os jovens para a política?
Todorov – A gestão dos assuntos internacionais é cada vez mais impessoal hoje em dia e, por essa razão, é difícil resistir a ela. Mesmo o homem mais poderoso do planeta, o presidente dos Estados Unidos, não pode ter certeza de obter o que quer. As corporações multinacionais exercem uma forte pressão, ou não têm um rosto. No entanto, o destino da humanidade não está escrito nas estrelas nem nas divinas escrituras, ele depende das vontades humanas. Temos de defender a ação política, que está tentando hoje submeter os interesses econômicos, temos que defender o Estado contra a tirania dos indivíduos.
ZH – O senhor é um teórico fundamental para a Semiótica e o Formalismo. Hoje, parece procurar na cultura a chave para o aperfeiçoamento da experiência humana. O que levou a essa guinada? O senhor concluiu, para usar um título de um livro seu, que “a beleza salvará o mundo”?
Todorov – Eu vim para a França ao fim de meus estudos universitários na Bulgária, em 1963. Não é de estranhar que ao longo de 50 anos de trabalho meus interesses tenham mudado! Estudei literatura e, por viver em um país comunista, onde o poder exercia um controle rigoroso sobre todos os assuntos relativos à ideologia, me refugiei no estudo dos aspectos materiais, formais, não-ideológicos da literatura. Meu primeiro trabalho na França foi a tradução dos formalistas russos, e foi como um especialista em formalismo que estive pela primeira vez no Brasil, na década de 60. Mas desde que progressivamente me deixei integrar à vida de um país democrático, a França, eu estou mais interessado em questões de história e da sociedade. “A beleza salvará o mundo”, sim, mas essa beleza não é puramente artística, é aquela de nossa existência cotidiana.
ZH – Em A Literatura em Perigo, o senhor comenta que os métodos de ensino apelam com frequência para fórmulas teóricas por não saberem como despertar a paixão pela leitura nos leitores indo diretamente às obras, aos romance. O ensino de literatura deve ser mais focado no leitor como indivíduo e menos em grandes súmulas teóricas? E como isso seria possível?
Todorov – Nesse pequeno livro, falo sobre o lugar da literatura na vida pública na França - e não sei se minhas observações podem ser aplicadas ao Brasil. O fato é que esse lugar tem diminuído, pois se considera que a literatura é uma atividade separada do resto do mundo, é uma espécie de jogo formal ou um local para exposição dos problemas pessoais do autor. No que diz respeito ao ensino de literatura, eu recomendo concentrar-se principalmente no sentido dos textos que se referem a nós como seres humanos. Se ainda hoje lemos as obras da antiguidade ou de outros países do mundo, não é por causa da engenhosidade formal de seus autores, mas porque sentimos que eles nos ajudam a viver melhor.
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Fonte:
http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a3872723.xml&template=3898.dwt&edition=20328§ion=999
O Fronteiras é apresentado pela Braskem e tem o patrocínio de Unimed Porto Alegre, Natura, Gerdau e Grupo RBS. O projeto conta com parceria da UFRGS, apoio da Petrobras no módulo educacional e parceria cultural de Unisinos, prefeitura de Porto Alegre e governo do Estado do Rio Grande do Sul.
ZH – O senhor pode antecipar os tópicos gerais de sua conferência em Porto Alegre?
Tzvetan Todorov – O tema de minha conferência é uma característica da cultura ocidental que chamo de “messianismo político”, herança de um messianismo cristão mais antigo. É um postulado segundo o qual podemos alcançar todos os objetivos políticos e culturais, sejam eles quais forem, desde que tenhamos os meios apropriados à disposição. Essa atitude profana estava lá no fim do século 18, no contexto do Iluminismo, e foi levada pela Revolução Francesa. Distingo três grandes fases desse messianismo. A primeira consiste em declarar guerras para impôr os benefícios da Revolução (na Europa) e em guerras coloniais para exportar a civilização europeia (no resto do mundo). A segunda é o projeto comunista. Por fim, a terceira, a que estamos testemunhando hoje, é exportar a ideia de democracia e de direitos humanos por meio da dominação de países estrangeiros e implementação de governos dóceis (como no Iraque, no Afeganistão, na Costa do Marfim, na Líbia).
ZH – O senhor escreve em seu livro mais recente, Os Inimigos Íntimos da Democracia, que a democracia está em perigo, ameaçada pelo cinismo e pelas pressões populistas. Como a sociedade pode resgatá-la?
Todorov – Nos países dos quais falo em meu livro, na Europa e na América do Norte, a democracia hoje é ameaçada por inimigos externos, como o fascismo ou o comunismo do século 20, e por inimigos que vêm do próprio interior da democracia, que são de algum modo suas perversões. Eu me concentro particularmente sobre o messianismo, e, em seguida, sobre o que se tem chamado de neo(ultra)liberalismo e, por fim, sobre o populismo xenófobo. O combate contra estes “inimigos íntimos” não será travado em um campo de batalha, será principalmente ideológico: precisamos mostrar que esses perigos, que se apresentam como prolongamentos naturais da democracia, são na verdade seus coveiros.
ZH – No mesmo livro, o senhor recorda o episódio da invasão do Iraque, sustentada em falsas evidências de armas de destruição em massa no país. Mesmo amparado em mentiras, Bush declarou guerra e foi reeleito para um segundo mandato. A desfaçatez tornou-se mérito político?
Todorov – A população não avalia a política estrangeira de um país em termos de um código moral, mas sim na medida em que essa política é ou não bem-sucedida. Enquanto os generais argentinos estavam vencendo a Guerra das Malvinas, o povo os apoiava; quando começaram a perder, a população os rejeitou. Os Estados Unidos ganharam a guerra no Iraque, eles provaram que seu exército era o mais poderoso do mundo, portanto a população reelegeu o presidente.
ZH – Há uma ideia generalizada de que os jovens não estão interessados na política atualmente, paralisados pelo discurso corrente da “impossibilidade de mudar o mundo”. O senhor concorda? E como seria possível atrair os jovens para a política?
Todorov – A gestão dos assuntos internacionais é cada vez mais impessoal hoje em dia e, por essa razão, é difícil resistir a ela. Mesmo o homem mais poderoso do planeta, o presidente dos Estados Unidos, não pode ter certeza de obter o que quer. As corporações multinacionais exercem uma forte pressão, ou não têm um rosto. No entanto, o destino da humanidade não está escrito nas estrelas nem nas divinas escrituras, ele depende das vontades humanas. Temos de defender a ação política, que está tentando hoje submeter os interesses econômicos, temos que defender o Estado contra a tirania dos indivíduos.
ZH – O senhor é um teórico fundamental para a Semiótica e o Formalismo. Hoje, parece procurar na cultura a chave para o aperfeiçoamento da experiência humana. O que levou a essa guinada? O senhor concluiu, para usar um título de um livro seu, que “a beleza salvará o mundo”?
Todorov – Eu vim para a França ao fim de meus estudos universitários na Bulgária, em 1963. Não é de estranhar que ao longo de 50 anos de trabalho meus interesses tenham mudado! Estudei literatura e, por viver em um país comunista, onde o poder exercia um controle rigoroso sobre todos os assuntos relativos à ideologia, me refugiei no estudo dos aspectos materiais, formais, não-ideológicos da literatura. Meu primeiro trabalho na França foi a tradução dos formalistas russos, e foi como um especialista em formalismo que estive pela primeira vez no Brasil, na década de 60. Mas desde que progressivamente me deixei integrar à vida de um país democrático, a França, eu estou mais interessado em questões de história e da sociedade. “A beleza salvará o mundo”, sim, mas essa beleza não é puramente artística, é aquela de nossa existência cotidiana.
ZH – Em A Literatura em Perigo, o senhor comenta que os métodos de ensino apelam com frequência para fórmulas teóricas por não saberem como despertar a paixão pela leitura nos leitores indo diretamente às obras, aos romance. O ensino de literatura deve ser mais focado no leitor como indivíduo e menos em grandes súmulas teóricas? E como isso seria possível?
Todorov – Nesse pequeno livro, falo sobre o lugar da literatura na vida pública na França - e não sei se minhas observações podem ser aplicadas ao Brasil. O fato é que esse lugar tem diminuído, pois se considera que a literatura é uma atividade separada do resto do mundo, é uma espécie de jogo formal ou um local para exposição dos problemas pessoais do autor. No que diz respeito ao ensino de literatura, eu recomendo concentrar-se principalmente no sentido dos textos que se referem a nós como seres humanos. Se ainda hoje lemos as obras da antiguidade ou de outros países do mundo, não é por causa da engenhosidade formal de seus autores, mas porque sentimos que eles nos ajudam a viver melhor.
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Fonte:
http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a3872723.xml&template=3898.dwt&edition=20328§ion=999
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