sábado, 11 de agosto de 2012

A felicidade é uma questão de registros

Paula Z. Gabriel*
 
 
Não é preciso ler “A Felicidade Paradoxal” para concluir que, vivendo na sociedade do hiperconsumo, a esperança de felicidade plena soe cada vez mais impossível. O termo descreve a evolução do capitalismo de consumo e seus desdobramentos na vida moral, afetiva e social. Sem tirar o mérito do incrível livro do ilustre Gilles Lipovetsky, parece-me que basta ser publicitário para se compreender de onde vem essa sensação de falsa promessa. Nossa função passa pela a construção de marcas que, no fim, devem contribuir primordialmente para que determinado produto valha mais do que pesa. Sim, no fim das contas, nós trabalhamos fundamentalmente por diferenciação e criação de valor, que nada mais são que recursos que aproximam a razão de existir de objetos da tal felicidade que almejamos. Nenhum problema quanto a isso, se as pessoas não delegassem todo o seu ideal de felicidade à experiência do consumo. Infelizmente, isso é comum e mantém uma crescente em sociedades influenciadas pelos ideais de vida urbanos do ocidente.
Uma forma de entender essa busca, aparentemente utópica, é sob a ótica da memória, segundo afirmação do psicólogo Daniel Kahneman, ganhador de Prêmio Nobel. Ele diz que a felicidade é uma combinação do presente com o passado. Só que o presente dura muito pouco, exatos 3 segundos, aparentemente. Reconheço que esse tempo é suficiente para uma mulher se apaixonar por uma roupa e estar determinada a comprá-la. Em matéria da Superinteressante (jan/2012), descreve-se a teoria, originalmente do psicólogo francês Paul Fraisse, de que a cada 3 segundos o presente se torna passado. Ou seja, após 3 segundos, todas as informações que passam pela sua cabeça saem da consciência e são arquivadas nos sistemas de memória do cérebro. Isso significa que você enxerga a própria vida através da memória, o que tem forte consequência para a felicidade. O exemplo dado é um álbum de fotos: na maioria dos casos, todas as pessoas aparecem sorrindo, mas isso não traduz, necessariamente, como elas se sentiam naquele momento. Ao abrir o álbum você nem sempre vai lembrar que a cerveja estava morna ou que um grande amigo seu faltou àquele seu aniversário, você vai se lembrar do sentimento mais marcante: a alegria da comemoração, de ser mais jovem, de ter amigos. “A memória é refém dos picos de emoção”. E o consumo, em geral, é muito efêmero para garantir um pico como esse. Ou seja, no fim das contas, seu álbum precisa estar repleto de experiências, não necessariamente de coisas.
Somando lé com cré, Lipovetsky com Kahneman, podemos acrescentar uma cerejinha no bolo da nossa filosofia cotidiana e da nossa busca. Diante de felicidade tão paradoxal, funcionaria transformar o que é efêmero e raso, o hiperconsumo, em apenas uma parte do nosso prazer cotidiano. A própria matéria da Superinteressante sugere que o truque é provocar variações no cotidiano, promovendo emoções dignas de serem registradas pela memória para definir o que é a nossa vida presente. Para ter uma vida agraciada pela tal felicidade (que eu particularmente acho que não existe como fim, só como meio, caminho, estado) temos que driblar o registro de mesmices da rotina, que não grava nada de especial, inventando experiências prazerosas independentes do consumo. Hobbies, lazer e o exercitar de nossos talentos representam o combustível capaz de “irrigar” satisfação para outras áreas da vida, as de rotina. É muito mais do que um momento de escape, é sobre produzir fortes significados e carregá-los consigo. De novo, a vida é a nossa memória. E nossa memória existe com base no que merece registro.

Superinteressante, janeiro de 2012: Memória e Felicidade
Gilles Lipovetsky. A Felicidade Paradoxal, 2007
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Diretora de Planejamento na Neogama BBH
@paulazgabriel
Fonte:  http://unplanned.com.br/coluna/filosofia-de-botequim- acesso 11/08/2012
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