Paula Z. Gabriel*
Não é preciso ler “A Felicidade Paradoxal” para concluir que,
vivendo na sociedade do hiperconsumo, a esperança de felicidade plena
soe cada vez mais impossível. O termo descreve a evolução do capitalismo
de consumo e seus desdobramentos na vida moral, afetiva e social. Sem
tirar o mérito do incrível livro do ilustre Gilles Lipovetsky, parece-me
que basta ser publicitário para se compreender de onde vem essa
sensação de falsa promessa. Nossa função passa pela a construção de
marcas que, no fim, devem contribuir primordialmente para que
determinado produto valha mais do que pesa. Sim, no fim das contas, nós
trabalhamos fundamentalmente por diferenciação e criação de valor, que
nada mais são que recursos que aproximam a razão de existir de objetos
da tal felicidade que almejamos. Nenhum problema quanto a isso, se as
pessoas não delegassem todo o seu ideal de felicidade à experiência do
consumo. Infelizmente, isso é comum e mantém uma crescente em sociedades
influenciadas pelos ideais de vida urbanos do ocidente.
Uma forma de entender essa busca, aparentemente utópica, é sob a
ótica da memória, segundo afirmação do psicólogo Daniel Kahneman,
ganhador de Prêmio Nobel. Ele diz que a felicidade é uma combinação do
presente com o passado. Só que o presente dura muito pouco, exatos 3
segundos, aparentemente. Reconheço que esse tempo é suficiente para uma
mulher se apaixonar por uma roupa e estar determinada a comprá-la. Em
matéria da Superinteressante (jan/2012), descreve-se a teoria,
originalmente do psicólogo francês Paul Fraisse, de que a cada 3
segundos o presente se torna passado. Ou seja, após 3 segundos, todas as
informações que passam pela sua cabeça saem da consciência e são
arquivadas nos sistemas de memória do cérebro. Isso significa que você
enxerga a própria vida através da memória, o que tem forte consequência
para a felicidade. O exemplo dado é um álbum de fotos: na maioria dos
casos, todas as pessoas aparecem sorrindo, mas isso não traduz,
necessariamente, como elas se sentiam naquele momento. Ao abrir o álbum
você nem sempre vai lembrar que a cerveja estava morna ou que um grande
amigo seu faltou àquele seu aniversário, você vai se lembrar do
sentimento mais marcante: a alegria da comemoração, de ser mais jovem,
de ter amigos. “A memória é refém dos picos de emoção”. E o consumo, em
geral, é muito efêmero para garantir um pico como esse. Ou seja, no fim
das contas, seu álbum precisa estar repleto de experiências, não
necessariamente de coisas.
Somando lé com cré, Lipovetsky com Kahneman, podemos acrescentar uma
cerejinha no bolo da nossa filosofia cotidiana e da nossa busca. Diante
de felicidade tão paradoxal, funcionaria transformar o que é efêmero e
raso, o hiperconsumo, em apenas uma parte do nosso prazer cotidiano. A
própria matéria da Superinteressante sugere que o truque é provocar
variações no cotidiano, promovendo emoções dignas de serem registradas
pela memória para definir o que é a nossa vida presente. Para ter uma
vida agraciada pela tal felicidade (que eu particularmente acho que não
existe como fim, só como meio, caminho, estado) temos que driblar o
registro de mesmices da rotina, que não grava nada de especial,
inventando experiências prazerosas independentes do consumo. Hobbies,
lazer e o exercitar de nossos talentos representam o combustível capaz
de “irrigar” satisfação para outras áreas da vida, as de rotina. É muito
mais do que um momento de escape, é sobre produzir fortes significados e
carregá-los consigo. De novo, a vida é a nossa memória. E nossa memória
existe com base no que merece registro.
Superinteressante, janeiro de 2012: Memória e Felicidade
Gilles Lipovetsky. A Felicidade Paradoxal, 2007
Gilles Lipovetsky. A Felicidade Paradoxal, 2007
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* Diretora de Planejamento na Neogama BBH
@paulazgabriel
@paulazgabriel
Fonte: http://unplanned.com.br/coluna/filosofia-de-botequim- acesso 11/08/2012
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