sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Livro traduz parábola para a literatura comercial

IDELBER AVELAR*
Crítica Romance

Simples e compreensível,"Manuscrito Encontrado em Accra" conquista leitores ao 
preservar dose de mistério 

A CRÍTICA TEM SE DEDICADO COM MAIS FREQUÊNCIA A ACHINCALHAR 
COELHO DO QUE A 
CUMPRIR SEU PAPEL: 
ENTENDER O OBJETO 

A INSISTÊNCIA NO VALOR DE "ULYSSES"
 E NA FALTA DE VALOR DE coelho
 ERA CONTRADITÓRIA COM 
A OBRA DE JOYCE, QUE NUNCA ESCONDEU 
SEU GOSTO PELA CULTURA POPULAR
Nos últimos dias, dois acontecimentos envolveram o nome de Paulo Coelho com muita repercussão.
Depois de sua declaração à Folha de que "Ulysses" fez mal à literatura e cabia em um tuíte, Coelho foi violentamente atacado.
As reações não vinham da cultura erudita entrincheirando-se na autodefesa, mas de comentaristas que rendiam culto a um monumento como forma imaginária de comunhão com ele.
Curiosamente, a insistência no valor de "Ulysses" e na falta de valor de Coelho era contraditória com a própria obra de James Joyce, que, apesar de eruditíssimo, nunca escondeu seu gosto pela cultura popular.
Em seguida, coerente com o que defende, Coelho deu apoio ao blog Livros de Humanas, processado pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos por compartilhar PDFs de livros.
Os episódios são relevantes à luz do novo livro do mago, "Manuscrito Encontrado em Accra".
De certa forma, o livro é sobre o que estava em jogo nas polêmicas sobre Joyce e o compartilhamento de PDFs: como se erigem os monumentos? Quem tem direito de reproduzir o quê? Um manuscrito do século 14, encontrado em Accra no século 20, traz as respostas de um copta do século 21 a perguntas ouvidas em Jerusalém, às vésperas da invasão cruzada.

 
A captura de Jerusalém pelos cruzados em 1099 seria acompanhada do massacre de quase toda sua população judaica e muçulmana.
No átrio em que, um milênio antes, Pôncio Pilatos havia entregue Jesus, o copta disserta sobre o futuro, o amor e a derrota.
O jornalismo e a crítica têm se dedicado com mais frequência a achincalhar Coelho do que a cumprir o seu papel, que é entender o objeto. A versão mais comum para o sucesso de Coelho (é "autoajuda barata"), ainda que fosse verdadeira, não explicaria nada. Coelho fala a milhões. Por quê?
"Manuscrito..." traz uma explicação: traduz, para a literatura comercial moderna, o gênero da parábola.
De larga tradição, a parábola não se reduz à autoajuda porque nela opera o discurso ficcional, desestabilizando a aparente univocidade do ensinamento.
Daí o fascínio de tantos leitores: simples e compreensível, a parábola preserva uma dose de mistério.
A fresta que se abre entre a alegoria e seu sentido fundamenta uma das lições do copta: a circulação infinita dos relatos, negada tanto pelos defensores das hierarquias culturais como pelos guardiões da propriedade privada sobre os textos. 

 MANUSCRITO ENCONTRADO EM ACCRA
AUTOR Paulo Coelho

EDITORA Sextante
QUANTO R$ 19,90 (176 págs.)
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* IDELBER AVELAR é professor de literatura na Universidade Tulane (EUA), autor de "Alegorias da Derrota" (2003) e "Figuras da Violência" (2011), entre outros. É colunista da revista "Fórum" 
Fonte: Folha on line, 17/08/2012 
Imagem da Internet

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