Com textos de autoajuda leves e eruditos, repletos de referências aos grandes pensadores, o suíço quer nos ensinar a viver melhor
No vocabulário de qualquer pensador que tenha a intenção de ser levado a
sério por seus pares, a expressão autoajuda é um grande tabu. A enorme
quantidade de livros com conselhos infalíveis para ser feliz, perder
peso e ficar rico, combinada à ínfima percentagem de leitores que de
fato se tornam milionários, magros e felizes depois de terminar a
leitura, fez com que o gênero caísse em descrédito nas últimas décadas e
seus autores fossem considerados como meros aproveitadores pelos
círculos acadêmicos e literários. Por isso, muitos dos que formam nesse
exército renegam a bandeira. O americano Tim Ferriss, que oferece a seus
leitores conselhos para fazer fortuna trabalhando apenas quatro horas
por semana, define seus livros como textos de lifestyle design (design
de estilo de vida). No Brasil, o best-seller Augusto Cury se irrita
quando o chamam de autor de autoajuda. Seus livros, segundo ele, são
obras de “psicologia aplicada”. Para compensar a atitude desses
desertores envergonhados, o gênero conseguiu um forte reforço em suas
fileiras. Aos 42 anos, com livros publicados em mais de 30 países, o
filósofo suíço Alain de Botton é um dos poucos intelectuais capazes de
assumir, sem medo do desdém alheio, que seus livros são obras de
autoajuda. O que o separa de outros autores é a proeza de agradar a
milhões de leitores com seus conselhos sem perder o respeito da crítica.

Para Botton, o problema não é a autoajuda em si, mas a quantidade de
autores ruins que se dedicam ao gênero. “A maioria dos livros de
autoajuda é escrita por americanos sentimentais e moralistas, que
prometem a seus leitores a vida eterna e riquezas incontáveis”, disse
Botton, em entrevista a ÉPOCA. “É por isso que a elite cultural presume
que apenas pessoas estúpidas leem esses livros.” Para ele, quando se
examina a rica tradição dos escritores que ensinam a viver, que vem pelo
menos desde Roma, o panorama muda. “A maior parte de nós admite
secretamente que atravessar a vida não é uma tarefa tão fácil, e pode
ser útil tirar lições de algum lugar. Por mais de 2 mil anos, grandes
filósofos se dedicaram a obras que podem ser lidas como textos de
autoajuda. O filósofo estoico Sêneca dava conselhos aos romanos para
lidar com a raiva. As Meditações, do filósofo romano Marco
Aurélio, estão entre os melhores textos de autoajuda já escritos. Em uma
cultura que dá valor a obras como essas, as pessoas cometerão menos
erros.” Inspirado em Sêneca e Marco Aurélio, pensadores que usaram sua
sabedoria para iluminar questões mundanas do cotidiano e melhorar a vida
de seus leitores, Botton construiu sua carreira de filósofo pop.

Seus textos leves e eruditos usam a filosofia e a literatura para
abordar temas como a felicidade no trabalho, a preocupação com o
dinheiro e a satisfação sexual. Ele faz sucesso desde o primeiro livro, Ensaios de amor, lançado quando tinha apenas 23 anos. A obra seguinte, Como Proust pode mudar sua vida,
que usa a vida e a obra do escritor francês Marcel Proust como base
para uma série de conselhos para viver melhor, transformou-o numa
celebridade mundial. Os livros de Botton receberam elogios de
publicações de prestígio, como o jornal The New York Times e a revista The New Yorker,
que raramente levam esse tipo de literatura a sério. A repercussão
positiva rendeu convites para palestras ao redor do mundo, em eventos
incensados como o TED, um seminário americano que convida especialistas
em diversos campos do conhecimento a dar palestras curtas veiculadas
pela internet.

O lançamento da coleção The school of life (A escola da vida),
que chega às livrarias brasileiras na próxima semana, é o projeto
literário mais ousado de Botton. Com a ambição de atender às
necessidades de “uma época confusa, em que o livro de autoajuda implora
para ser repensado e adaptado”, a coleção reúne seis obras. A intenção
de cada uma delas fica clara nos títulos: Como se preocupar menos com o dinheiro, Como viver na era digital, Como manter a mente sã, Como encontrar o trabalho da sua vida, Como mudar o mundo e Como pensar mais sobre sexo.
Apenas o último é escrito por Botton. Os outros cinco foram elaborados
por outros autores, escolhidos por ele após a definição dos temas. Todos
trabalharam sob sua supervisão. As orientações do mestre foram seguidas
com rigor. Embora alguns dos autores não tenham o tom bem-humorado que
Botton adota em seus textos, todos seguem a fórmula consagrada de
salpicar reflexões sobre a vida cotidiana com citações de grandes
filósofos e escritores (leia mais nos quadros que acompanham esta reportagem).
Ao final de cada livro, uma inovação na linguagem dos manuais de
autoajuda: um capítulo com exercícios e deveres de casa para garantir
que os leitores assimilaram as lições. Na escola da vida, a disciplina é
levada a sério.

Desde a fundação da escola, mais de 80 mil pessoas participaram dos
eventos. O número é pequeno comparado ao alcance de instituições como o
TED, cujas palestras já foram vistas por centenas de milhões de pessoas.
Mas o objetivo também é outro. “As palestras do TED têm o objetivo de
atingir uma audiência global, enquanto a School of Life é voltada para
eventos mais íntimos”, afirma o escritor Tom Chatfield (autor de Como viver na era digital).
Ele já deu palestras em eventos de ambas. “A grande quantidade de
pessoas que visitaram a School of Life nos últimos anos mostra que a
sociedade moderna tem uma grande carência de conhecimento aplicado à
vida prática”, diz o filósofo Roman Krznaric (autor de Como encontrar o trabalho da sua vida).
Entusiasmado com a procura do público pela School of Life, Botton
planeja levá-la a outros países – entre eles o Brasil. “É um país
excepcionalmente aberto a novas ideias, e meu trabalho sempre teve
sucesso ali”, diz Botton. Ele esteve no Brasil no ano passado divulgando
seu livro Religião para ateus. Para organizar a divisão
brasileira da School of Life, ele recrutou a prima Jackie de Botton, que
vive no Rio de Janeiro. “Vamos trazer pessoas da School of Life de
Londres e também promover um curso para formar professores brasileiros”,
diz Jackie. A ideia é implantar a escola no Brasil a partir do ano que
vem, com eventos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Jackie não descarta a
possibilidade de organizar algo ainda neste ano. Austrália, Turquia,
Estados Unidos e Holanda também devem receber eventos no ano que vem.
Outros países, como a França, serão deixados de lado. “Adoro a França,
mas os franceses me intrigam e me irritam demais”, afirma Botton. “É um
país muito antiquado e conformado com sua maneira de pensar. Eles nunca
estarão prontos para um movimento como esse.” Em cada país, a School of
Life terá um currículo adaptado às inquietações mais frequentes da
população. No Brasil, um dos temas será a desigualdade social. “É
impossível ignorar o enorme abismo que ainda existe entre ricos e pobres
no Brasil. É um dos assuntos que pretendemos abordar.”

Alain é filho de um banqueiro suíço, Gilbert de Botton, que morreu em
2000 e deixou a ele e a sua irmã, Miel, um fundo de valor estimado em
mais de US$ 300 milhões. Por ter uma relação conflituosa com o pai, que
não apoiava sua carreira literária, Alain preferiu não mexer nos milhões
da família, pelo menos até agora. Mesmo assim, as vendas de seus livros
e a renda com palestras e projetos como o School of Life são
suficientes para garantir uma vida sem inquietações econômicas a ele e a
sua família – Botton vive em Londres com a mulher, Charlotte, e dois
filhos, Saul e Samuel. Com uma vida tranquila e abastada, morando em
países ricos e socialmente equilibrados como Suíça e Inglaterra, o que
Botton teria a ensinar aos brasileiros sobre “o enorme abismo entre
ricos e pobres”? Ou sobre qualquer outra coisa, na verdade?

Consciente das enormes diferenças entre sua experiência de vida e a de
seus leitores, ele costuma defender seus ensinamentos dizendo que as
obras clássicas da literatura e da filosofia, nas quais baseia seus
livros de autoajuda, são universais. Suas opiniões sobre qualquer
assunto costumam vir acompanhadas de algum embasamento filosófico.
“Mesmo nas conversas do dia a dia, com a família e os amigos, Botton
costuma trazer várias citações literárias e filosóficas. É como se o
autor dos livros estivesse sempre à mesa conosco”, diz Jackie de Botton.
As dezenas de referências a grandes pensadores não impediram que Os prazeres e desprazeres do trabalho,
de 2009, fosse um de seus livros mais criticados – justamente por sua
falta de intimidade com o tema. A reação às críticas mostrou um lado
pouco conhecido de Botton. Irritado com o conteúdo de uma resenha do
jornal The New York Times ao livro, ele enviou uma resposta
destemperada ao autor do texto, o crítico Caleb Crain. “Eu te odiarei
até o dia em que eu morrer, e te desejo somente o mal em cada passo de
sua carreira”, escreveu Botton, abandonando momentaneamente os
ensinamentos de Sêneca sobre a ira. Poucos dias depois, pediu desculpas.
Não há notícias de que tenha perdido a compostura em público outras
vezes.
O mais recente teste para a paciência de Botton ocorreu em janeiro,
quando propôs a criação de um templo para ateus em Londres. A ideia
surgiu de seu livro Religião para ateus, que defende a
assimilação de algumas das tradições religiosas para a criação de uma
filosofia moderna, que ele chama de Ateísmo 2.0. Entusiasta da
arquitetura, chegou a apresentar esboços do projeto. A sugestão
desagradou tanto a ateus quanto a religiosos. O biólogo Richard Dawkins,
famoso por sua militância ateísta, disse que a obra era
“desnecessária”. Botton não reagiu – e aproveitou a polêmica para
alavancar o lançamento de seu livro. Talvez a crítica mais pertinente ao
conjunto de sua obra venha de uma colega escritora e filósofa. Sarah
Bakewell, autora de Como viver, uma biografia do pensador
francês Michel de Montaigne, afirma que Botton simplifica demais o
pensamento dos filósofos que cita. “Não tenho nada contra, mas não é meu
tipo de literatura. Não gosto de transformar os clássicos em lições
simples – nada é simples na literatura nem na vida. Estou interessada
nas complexidades”, diz.
Atrair a atenção de críticos de peso talvez seja a contrapartida
inevitável de uma popularidade crescente. Desde a fundação da School of
Life, Botton tem se engajado mais em debates públicos. O motivo é uma
mudança no público atingido por seus trabalhos. Se antes suas ideias
estavam restritas às prateleiras de autoajuda, o projeto da escola o
coloca definitivamente no mercado de ideias fast-food, do qual o TED e
suas palestras são o exemplo mais típico. Trata-se de vender ideias bem
empacotadas e de fácil compreensão para um público ávido por erudição
instantânea. Sua chegada a esse mercado ocorre num momento de crise. No
mês passado, o jornalista Jonah Lehrer, um dos queridinhos do mundo das
palestras sobre a vida prática, perdeu o emprego por inventar frases do
músico Bob Dylan num de seus livros e repetir trechos dos mesmos artigos
em diferentes publicações. Sua humilhação pública foi vista como um
sintoma da falta de sustentabilidade do modelo TED. O número de novas
ideias de filósofos e cientistas não é suficiente para abastecer as
mentes dos consumidores sedentos pela próxima palestra, e a tentativa de
acelerar a produção de material acaba comprometendo a qualidade. O
crescimento da School of Life, com seus eventos mais íntimos e a
inesgotável tradição de mais de 2 mil anos de filosofia para abastecer
as discussões, pode fornecer uma alternativa a esse público. Com uma
mãozinha dos grandes pensadores, fica mais fácil para Botton nos ensinar
a viver melhor.

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