Washington Novaes*

Não há mais dia em que não estejam na comunicação
notícias, análises, debates sobre as várias crises em que estamos
mergulhados - da água, das mudanças climáticas, da desertificação, da
perda da biodiversidade, do consumo excessivo no mundo, já além da
capacidade de reposição do planeta -, agravadas pela perspectiva de que
mais 2 bilhões de pessoas venham somar-se aos 7 bilhões de atuais
viventes, 1 bilhão dos quais passa fome e mais de 2 bilhões vivem abaixo
da linha da pobreza. Como sair desse quadro dramático, quando as únicas
instituições universais de que dispomos - como a Organização das Nações
Unidas (ONU) - se veem paralisadas diante da falta de consenso entre os
países e as pessoas, que impede a tomada de decisões globais? Que
fazer, se conflitos armados continuam a eclodir e podem ampliar-se? E
que atitudes adotar diante de ameaças novas, como a da guerra
cibernética?
A política, a ciência, a economia não vêm obtendo êxito com muitas
das respostas a questões dessa natureza que vêm propondo em muitos
lugares, muitos fóruns de discussões. Mesmo quando ocorre uma aprovação
em princípio, a prática não consegue avançar, dadas as contradições e
divergências entre países, blocos, instituições, governos, etc., cada um
deles tentando fazer prevalecer os seus interesses específicos,
isolados. Seria interessante ouvir outras propostas. Por exemplo, a
palavra das religiões, os caminhos que propõem, eventuais êxitos que
tenham conseguido aqui e ali, neste ou naquele terreno - já que em seu
dia a dia cuidam de questões éticas, morais, posturas baseadas em
princípios religiosos.
Por isso mesmo, convidado, há poucos dias o autor desta linha
participou na capital paulista, na Aliança Cultural Brasil-Japão, e com a
participação de filósofo, psicólogos e de professores também do Japão,
de Taiwan e do Havaí, de um "Fórum sobre Humanismo", em que a pergunta
central era esta: "Qual é a verdadeira natureza do ser humano?". As
razões das crises globais de hoje e os caminhos para enfrentá-las
estiveram no centro das discussões.
Um dos pontos de partida foi a afirmação de que na base dos conflitos
está a "dificuldade de conviver com o diferente", ao lado do pensamento
de que "a ciência é a certeza que move o mundo" - pois, ao mesmo tempo
que oferece soluções brilhantes para problemas em tantas áreas, é capaz
de criar tecnologias complicadoras da vida, estimuladoras do consumo
supérfluo, quando não gera catástrofes com bombas nucleares e outras
armas de destruição em massa. São alguns dos caminhos que,
paralelamente, criam dificuldades de conviver com o próximo e, ao mesmo
tempo, a arrogância, a certeza de que a engenharia genética, por
exemplo, será capaz de tudo resolver, como observou um dos mestres
participantes.
A prática religiosa, foi dito, precisa levar as pessoas a se
perguntarem se o ser humano é superior a outras espécies; precisa
inflá-lo de coragem para o diálogo; colocar perguntas óbvias, como a de
que não é possível fazer a guerra em nome da paz, atropelando outros
seres; meditar sobre questões decisivas a respeito do convívio com a
natureza, as espécies, os hábitats - e deixar de se ver como o centro de
tudo, tendo o ego como a razão central do universo. "Só quando
começamos a nos comparar com o que está fora de nós - deixando de olhar
apenas para nós mesmos - conseguimos abrir caminhos para a harmonia
(...). Todo mundo tem sabedoria (...). Mas se pensarmos que só a ciência
é a verdade e o princípio é o eu, pode-se caminhar em direções
perigosas", ponderou um dos palestrantes.
Parece óbvio que todos esses pontos de partida precisam estar sobre a
mesa, numa hora de tantas crises de gravidade extrema. Mas como
fazê-los prevalecer sem a imposição de leis, políticas, etc.? Que fazer
quando, mesmo no auge de campanhas eleitorais, como agora, os temas
acabam minimizados ou obscurecidos pelos próprios candidatos, temerosos
de que o confronto com pensamento diferente os leve a perder votos? É
imperioso que as próprias religiões tragam a público as discussões,
manifestem suas posições a respeito do que estamos vivendo. Para que a
sociedade se mova e obrigue governantes a agir.
Para ficar em apenas um dos temas mencionados no início deste artigo,
não é possível esperar que só em 2015, como está acertado na Convenção
do Clima, os países-membros cheguem a um compromisso para entrar em
vigor apenas em 2020 e leve à redução de emissões que contribuem para
desastres climáticos. Os desastres já estão aí, a elevação da
temperatura da Terra, também. Da mesma forma que outros problemas: a
umidade do ar, cuja queda a apenas 10% obrigou à decretação do estado de
emergência na capital paulista em 21/8; as emissões de gases em áreas
urbanas do Brasil, que representam 23% do total na América Latina
(Estado, 22/8); ilhas de calor que já afetam cidades médias paulistas,
segundo a Universidade Estadual Paulista (Folha de S.Paulo, 2/8); o
número de dias com temperaturas acima de 30 graus Celsius, que aumentou
34% em 50 anos.
Um dos principais especialistas em clima e assessor do governo
britânico, Bob Watson, afirma (BBC News, 23/8) que está fora de
possibilidade, marcada por otimismo excessivo, a visão de que a
temperatura terrestre subirá somente até 2 graus em meados do século; a
seu ver, ela pode subir até 5 graus. A própria ONU, a Organização
Meteorológica Mundial, a Convenção de Combate à Desertificação pedem
urgência a todos os países nos esforços para enfrentar a temporada de
secas extremas no Hemisfério Norte, que poderá levar à perda de 35% na
safra de soja, agravando ainda mais a fome no mundo.
Não há um segundo a perder nas emergências que já estão diante de
nós. E é preciso que todas as instâncias - a religiosa incluída -
estejam empenhadas em mudanças de paradigmas que nos levem a soluções
verdadeiras. Pode parecer patético enveredar por aí. Mas essa é a tarefa
inescapável das atuais gerações.
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* JORNALISTA, E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,as-religioes-diante-das-crises-globais-,923963,0.htm
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