
Comecei esta pequena série (*) de artigos
sobre "Direitos Humanos e socialismo” –que termino com este–, citando uma
afirmação de Franz Hinkelammert: "Se hoje dizemos que outro mundo é possível,
se queremos uma sociedade alternativa, ou o socialismo no século XXI, então,
creio que é fundamental partir sempre dos direitos humanos. Os direitos humanos
não são simples moralismo. O reconhecimento dos direitos humanos é mais bem a
condição de possibilidade de uma sociedade alternativa e uma sociedade
sustentável, a base de toda sociedade que podemos considerar que vale a pena
sustentar”.
No passado recente, as lutas por superar o
capitalismo foram sempre motivados por implantação de um sistema
econômico-social-político nomeado de socialismo. Esse sistema servia de
critério para discernir tipos de lutas aceitáveis e os não; enquanto que a
noção de dignidade humana permanecia meio na sombra. As reflexões desenvolvidas
aqui foram no sentido de propor a defesa da dignidade humana de todas as
pessoas anterior e superior a qualquer sistema social ou legal. Isso não quer
dizer que não se deva pensar em sistemas sociais concretos, pois sem elas a
vida humana não é possível, portanto a defesa da dignidade e direitos humanos.
Mas nenhum sistema social pode ser absolutizado.
Nessa luta, o sonho de "um novo mundo e
novo ser humano”, com forte ênfase nesse "novo”, nos leva muitas vezes a
imaginar a construção de um mundo sem contradições inerentes a todos os sistemas
sociais e um novo ser humano sem conflitos e contradições internas e nas
relações sociais. Quando se confunde essas imaginações utópicas com projetos
sociais possíveis, cai-se na ilusão (idealista) de que podemos construir o que
transcende a possibilidade humana; ilusão essa que nos conduz a caminhos
equivocados e até perversos.

Quando se luta por sociedades impossíveis
(como, por ex., um mundo globalizado sem relações mercantis, porque não
queremos nenhum tipo de concorrência), não se constrói o que é possível. Quando
se sonha com ser humano "perfeito”, não se ama pessoas reais, imperfeitas como são,
com seus egoísmos e interesses, mas também com desejo de solidariedade.
Pensar e lutar por outro mundo a partir
deste que temos é fundamental. Assim como é fundamental que aceitemos a
condição humana como ela é. Marx, na sua maturidade, ao falar do Reino da
Liberdade, escreveu: "Assim como o selvagem tem de lutar com a Natureza para
satisfazer suas necessidades, para manter e reproduzir sua vida, assim também o
civilizado tem de fazê-lo, e tem de fazê-lo em todas as formas de sociedade e
sob todos os modos de produção possíveis.” Não há e não haverá modo de produção
possível em que seres humanos não tenham a necessidadede produzir, distribuir e consumir bens materiais e simbólicos para satisfazer
suas necessidades para viver. Não haverá um "reino”, por mais livre que seja,
em que a liberdade não dependa também da forma como se soluciona os desafios
econômicos da produção de bens necessários.
Além disso, por mais que consigamos criar
sociedades mais justas e livres, o ser humano continuará sendo um ser com
desejos e necessidades que entram em conflito com desejos e necessidades de
outras pessoas. Isso é assim porque não temos conhecimento perfeito da
realidade, nem a nossa razão consciente domina completamente nossa vida (Freud já
mostrou a força dos desejos inconscientes), e, talvez a característica mais
esquecida nas nossas discussões, o nosso desejo está sempre marcado pela
imitação do desejo do outro. Desejamos ter o que outro tem ou é. (O décimo
mandamento de Deus é sobre isso). Desejo vem ligado à rivalidade. Daí a
importância que o cristianismo e outras tradições espirituais dão à
reconciliação.
Somos seres que desejam mundos plenamente
harmoniosos, soluções perfeitas, infinitas. Quem não reconhece a
impossibilidade de construirmos o infinito com passos finitos, humanos, acaba
por deixar de amar seres humanos como eles são, de defender os direitos humanos
de seres humanos com seus defeitos incorrigíveis; de lutar por um mundo que
continua "defeituoso”, mas melhor.
Nessa nossa luta, precisamos lembrar o que
dizia José Comblin:
"A novidade do cristianismo não é o desejo do infinito, é o
amor das coisas finitas, o amor das coisas que passam. (...) a fuga para o
eterno e o absoluto é um truque da consciência para esconder uma fraqueza.
(...) Pois, para um homem é um desafio ter que enfrentar permanentemente a
fragilidade de sua condição e a incerteza do que é e pode”.
Direitos Humanos e socialismo: que mundo? que ser humano? (V Parte)
Direitos Humanos e socialismo: sonhos e o mercado (IV Parte)
Direitos Humanos e socialismo: contradição necessária e insuperável (III Parte)
Direitos Humanos e o socialismo do século XXI (II parte)
Direitos Humanos e o socialismo do século XXI (I parte)
----------------
* Diretor da Faculdade de Humanidades e Direito da Univ. Metodista de S. Paulo.
Autor, com Hugo Assmann, do livro "Deus em
nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”, Paulus. Twitter:
@jungmosung.
Fonte: Adital on line, 06/09/2012
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário