AURORA FORNONI BERNARDINI &*
Poema contém imagens grandiosas, que se tornaram marca da poética do russo
A morte de Lenin, ocorrida em 21 de janeiro de 1924, foi
um duro golpe para o extraordinário poeta russo Vladímir Maiakóvski
(1893-1930), então ainda esperançoso quanto ao futuro glorioso da
Revolução Bolchevique e ao papel que nela desempenharia. De fato, ele
havia recém-organizado, com seus amigos futuristas, a famosa Frente
Esquerda das Artes, "que deveria aliar arte revolucionária e luta pela
transformação social (...), contando com nomes como Eisenstein,
Pasternak, Dziga-Viértov, Isaac Babel, Óssip Brik, Assiéiev, Ródtchenko,
etc." (cf. Boris Schnaiderman em Maiakóvski - Poemas, 1967 e
1972); colaborava intensamente com a imprensa, declamava, compunha
poemas, peças, roteiros de cinema, pintava cartazes - tudo isso com o
apoio do Comissário da Instrução Pública A. V. Lunatchárski, que haveria
de lhe faltar no futuro.
O poeta participou dos movimentos artísticos de vanguarda da Rússia e se suicidou em 1930
Infelizmente, como se verificou mais tarde, o esforço para levar às
massas a sua poesia - de repente considerada "incompreensível" por
estudantes que repetiam velhas acusações - acabou não tendo êxito.
Junte-se isso a uma série de fatores adversos - o desinteresse em
relação à sua obra por parte das autoridades, da imprensa e das
agremiações literárias; as polêmicas com a Rapp (a Associação Russa dos
Escritores Proletários); a desilusão com o andamento da revolução e com
Lila Brik, seu grande amor; a depressão; as sucessivas afecções da
garganta, etc. - e é possível compreender um pouco mais por que
Maiakóvski tenha se suicidado, em 14 de abril de 1930.
"Quando eu morrer, vocês vão ler meus versos com lágrimas de
enternecimento", previu o poeta. Foi o que ocorreu, dentro e fora da
extinta União Soviética, incluindo o Brasil - onde acaba de ser lançado o
seu longo poema Vladimir Ilitch Lenin, pela primeira vez traduzido na íntegra, diretamente do russo, no País.
Maiakóvski terminou esse trabalho entre abril e outubro de 1924, logo
após a morte do homenageado, cuja saúde, conforme é sabido, já era
frágil havia anos, em razão de uma bala alojada em seu pescoço,
resultado de um atentado cometido por Fania Kaplan em 1918 e, sobretudo,
por conta de um derrame, ocorrido em 1922.
Trata-se de um poema para lá de engajado, no qual o poeta rememora os
principais passos do "grande estrategista" (assim ele o chama,
colocando-o à altura da importância de Marx, o "teórico"), num retrato
de sua vida, desde antes do seu nascimento, no Volga distante. Há, nos
versos, toda uma descrição da gênese e dos "males" do capitalismo: a
espoliação, as falsas utopias, as crises, a impotência. Há, também, a
esperança no Partido Comunista, espinha dorsal da classe operária, Há,
ainda, a figura de Stalin, a Nova Política Econômica, os Kulaks, a 1.ª
Guerra Mundial, o Komintern, o tiro, a morte, a dor, o legado.
Embora didático, é possível encontrar em Vladimir Ilitch Lenin muitas das imagens grandiosas que se tornaram a marca da poética de Maiakóvski.
"As pessoas são barcos.
Apesar de estarem no seco.
Viverás o
teu, enquanto
uma variedade
de conchinhas sujas gruda
em nossos cascos.
E depois, ao superar a tempestade em fúria,
sentas bem junto ao sol,
e
limpas
as barbas verdes de algas
e o muco carmim das medusas."
Assim
lemos alguns dos versos mais vigorosos do livro na tradução contida e
sóbria de Zoia Prestes (filha de Luiz Carlos Prestes), que a dedicou ao
PC russo. Contida, às vezes, até demais: "Temo por ele/como menina dos
olhos,/para que não/seja/caluniado pela beleza" ("dos confetes",
acrescenta o original). É verdade que um dos aspectos que mais saltam
aos olhos no idioma russo vem a ser o seu caráter sintético - mormente
em Maiakóvski. Na hora de traduzir, contudo, é preciso encontrar
soluções que, sem perder de vista o poder de síntese da língua, não
levem a omissões de sentido. Por outro lado, como os fatos históricos
mencionados ao longo do poema estão longe de ser moeda corrente para um
público amplo, notas de rodapé mais extensas seriam bem-vindas.
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*AURORA FORNONI BERNARDINI É PROFESSORA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA RUSSA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
VLADIMIR ILITCH LENIN: POEMA Autor: Vladimir Maiakovski
Tradução: Zoia Prestes
Editoras: Anita Garibaldi e Fundação Maurício Grabois
(234 págs., R$ 80)
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,maiakovski-faz-homenagem-a-lenin-em-poema-traduzido-pela-1-vez-na-integra,927365,0.htm

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