Thomaz Wood Jr.*
O shopping abriga entre as lojas de grife, a primeira loja de cosméticos Sephora do País, que causou tumulto em sua inauguração. Foto: Olga Vlahou
Há algumas semanas, o colega Willian Vieira publicou aqui em
Brasiliana o registro etnográfico de suas perambulações pelo novíssimo
Shopping JK. Nosso destemido Malinowski mergulhou nas entranhas do novo
templo paulistano do consumo, fez contato com seus habitantes e
registrou em prosa os exóticos comportamentos e rituais que observou.
Sobreviveu à submersão aparentemente sem sequelas. O texto de CartaCapital, como é hábito, contrapõe-se à cobertura caipira da mídia local.
Vieira conta com a admiração deste escriba, cuja taxa de permanência
em centros comerciais limita-se a 7 minutos ao ano, tempo necessário
para deixar o carro no estacionamento de um estabelecimento local,
cruzar a passos largos os corredores e ganhar a rua, rumo a um
consultório odontológico vizinho.
Os grandes centros comerciais surgiram há quase 100 anos, nos Estados
Unidos. Multiplicaram-se após a Segunda Guerra Mundial, por lá e
alhures, acompanhando a expansão dos subúrbios. Desde o princípio, a
ideia foi criar um ambiente fechado, destinado a estabelecer certo nível
de controle sobre o comportamento das vítimas: os consumidores.
Depois de décadas de expansão, nos Estados Unidos
muitos centros comerciais vêm perecendo, vítimas da crise econômica e do
comércio eletrônico. No Brasil, os centros comerciais já se contam às
centenas e o número continua crescendo. Enquanto o mundo começa a sentir
os efeitos da era do consumismo, os países em desenvolvimento continuam
emulando os desenvolvidos, clonando seus vícios com algumas décadas de
atraso. Hoje, significativamente, os maiores centros comerciais do mundo
estão em países em desenvolvimento, tais como China, Filipinas,
Malásia, Tailândia, Turquia e Indonésia.
Alguns urbanistas veem os centros comerciais com desconfiança. Os
gigantes são frequentemente acusados de provocar a decadência de centros
urbanos e de gerar impactos negativos sobre o trânsito. Por estes e
outros motivos, alguns países desenvolvidos estabeleceram restrições à
construção de grandes centros comerciais.
Sociólogos e antropólogos também costumam torcer o nariz para esses
caixotes urbanos, tomados de horror por seus ambientes artificiais e
sanitizados. Alguns os classificam como “não lugares”, espaços sem
história ou identidade, aos quais multidões afluem sem que os indivíduos
estabeleçam contato ou relação entre si, movidos unicamente pelo
objetivo de consumir, sejam roupas, filmes, livros, refeições ou
“experiências”.
True Stories, filme de 1986, dirigido e estrelado por David
Byrne, apresenta uma divertida colagem de personagens e histórias
passadas na cidade fictícia de Virgil, no Texas. O centro comercial da
cidade é o ponto de encontro dos personagens, referência central de suas
existências. Poderia estar em qualquer lugar da Terra, ou aqui e agora.
Consumo e consumismo têm sido objeto de interesse de
cientistas sociais há tempos: sociólogos e antropólogos lhes dedicam
prosa e verso. Em geral, os incomoda que o marketing e a cultura do
consumo tenham um papel tão central em nossa sociedade. Agasta-lhes
constatar que o mundo hoje iguala desenvolvimento a consumo. Irrita-os o
mantra que afirma que quanto mais desenvolvida for uma sociedade mais
seus cidadãos consomem. De fato, para a velha e para a nova classe média
sucesso significa acumular bugigangas eletroeletrônicas, panos com
marcas e acessórios com grifes, significa comprar uma casa e lotá-la de
peças de utilidade incerta e de gosto duvidoso.
Reza uma jocosa definição que a cultura do consumo é um amálgama de
valores e comportamentos que se sustenta em três pilares: a mídia, o
automóvel e o cartão de crédito. A mídia, especialmente a tevê, diz às
hordas o que comprar e onde encontrar; o automóvel as transporta até as
fontes; e o cartão de crédito viabiliza a transação, mesmo que o cidadão
não tenha fundos.
No entanto, testemunhamos nas últimas décadas sinais de uma
embriaguez que antecipa uma ressaca de grandes proporções: degradação
ambiental, esgotamento de recursos naturais, invasão da esfera privada
pelo mundo do trabalho, fragmentação do núcleo familiar, corrosão dos
valores etc. A locomotiva do consumo, que nos trouxe até aqui, ameaça
sair dos trilhos e vitimar seus frenéticos passageiros. Os pilotos usam
alguma criatividade, unida a respeitáveis verbas de propaganda, para
reformar e embelezar a máquina. Diz-se que o consumo agora deve ser
responsável, verde e consciente. Mais agora é menos, porém, mais caro.
Mas… serão os passageiros sensíveis ao discurso? Será a reforma
suficiente para evitar desastres? Descobriremos nos próximos anos, ou
não…
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* Thomaz Wood Jr. escreve sobre gestão e o mundo da administração.
thomaz.wood@fgv.br
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