Mark Weisbrot
Ética e direito internacional exigiam proteger fundador do
Wikileaks. Caso gera precedente histórico e abala reputação dos EUA e
Inglaterra
O Equador tomou a decisão correta: oferecer asilo político a Julian
Assange. Ela segue-se a um incidente que pode dissipar as dúvidas sobre
que motivos levam os governos britânico e sueco a tentar extraditar o
fundador do Wikileaks. Na quarta-feira, o governo do Reino Unido lançou
uma ameaça sem precedentes, de invadir a embaixada do Equador, se
Assange não fosse entregue. Este assalto seria um ato extremo, na
violação do direito internacional e das convenções diplomáticas. É até
difícil encontrar exemplo de um governo democrático que tenha sequer
feito tal ameaça, quanto mais executá-la.
Quando o ministro das Relações Exteriores do Equador, Ricardo Patiño,
tornou públicas, numa resposta irritada e desafiadora, as ameaças que
recebera por escrito, o governo britânico tentou voltar atrás e dizer
que não se tratava de uma ameaça de invasão da embaixada (que é
território soberano de outro país). Mas o que mais poderiam significar
estas palavras, extraídas da carta entregue por uma autoridade
britânica?
“É preciso adverti-los que há base legal, no Reino Unido – a Lei de
Edifícios Diplomáticos e Consulares, de 1987 – autorizando-nos a agir
para prender o Sr. Assange, nas instalações da embaixada. Esperamos
sinceramente não chegar a tal ponto, mas se vocês não foram capazes de
resolver o assunto da presença do Sr. Assange em suas instalações, há
uma opção aberta para nós”.
Alguém em seu juízo acredita que o governo britânico faria esta
ameaça inédita, caso se tratasse apenas de um cidadão estrangeiro
qualquer, perseguido por um governo estrangeiro por polemizar – não há
acusações criminais, nem um julgamento?
A decisão do Equador, de oferecer asilo político a Assange era
previsível e razoável. Mas é também um caso paradigmático, de
considerável significado histórico.
Primeiro, os méritos do caso: Assange tem medo bem fundamentado de
sofrer perseguição, caso seja extraditado para a Suécia. Sabe-se
perfeitamente que ele seria encarcerado de imediato. Como não é acusado
de crime algum, e o governo sueco não tem razões legítimas para levá-lo a
seu país, esta é uma primeira forma de perseguição..
Podemos inferir que os suecos não têm razões legítimas para a
extradição porque a oportunidade de interroga-lo no Reino Unido foi-lhes
oferecida repetidamente. Mas a rejeitaram, recusando-se inclusive a
apresentar razões para tanto. Há algumas semanas, o governo equatoriano
ofereceu-se a autorizar o interrogatório de Assange em sua embaixada
londrina, onde o fundador do Wikileaks reside desde 19 de junho. Mas o
governo sueco recusou-se – novamente, sem oferecer razão. Foi um ato de
má-fé, no processo de negociação que se estabeleceu entre os governos,
para tentar resolver a situação.
O ex-procurador-chefe do distrito de Estocolmo, Sven-Erik Alhem
também deixou claro que o governo sueco não tem razões legítimas para
requerer a extradição de Assange, quando afirmou que o pedido do governo
sueco é “irrazoável e não-profissional, assim como injusto e
desproporcional”, já que ele poderia ser facilmente interrogado no Reino
Unido.
Ainda mais importante, o governo do Equador concorda que Assange tem
medo razoável de uma segunda extradição para os Estados Unidos, e de ser
perseguido aqui por suas atividades como jornalista. A evidência é
forte. Alguns exemplos: uma investigação em andamento, sobre Assange e o
Wikileaks, nos EUA; evidências de que um indiciamento já foi preparado;
declarações de autoridades importantes, como a senadora Diane
Feinstein, do Partido Democrata, de que ele deveria ser processado por
espionagem, o que potencialmente pode levar à pena de morte ou prisão
perpétua.
Por que este caso é significativo? Provavelmente, é a primeira vez
que um cidadão que foge de perseguição política pelos Estados Unidos
recebe asilo de um governo democrático interessado em fazer valer as
convenções internacionais de direitos humanos. É algo de relevância
enorme, porque por mais de 60 anos – especialmente durante a Guerra Fria
— os EUA tentaram retratar a si mesmos como defensores internacionais
dos direitos humanos. E muitas pessoas buscaram e receberam asilo nos
EUA.
A ideia de que o governo dos EUA é um paladino dos direitos humanos,
que foi aceita principalmente no próprio país e em seus aliados,
desprezou os direitos humanos das vítimas das guerras e da política
externa norte-americanas. É o caso de 3 milhões de vietnamitas ou de
mais de um milhão de iraquianos mortos, e milhões de outros
desabrigados, feridos ou maltratados por ações dos EUA. Esta concepção –
segundo a qual os EUA deveriam ser julgados apenas segundo o que fazem
em suas fronteiras – está perdendo apoio à medida em que o mundo
torna-se mais multipolar, econômica e politicamente. Washington perde
poder e influência e suas guerras, invasões e ocupações são vistas por
cada vez menos gente como legítimas
Ao mesmo tempo, na última década, deteriorou a situação dos direitos
humanos nos próprios Estados Unidos. É claro que, antes da legislação
dos direitos civis, nos anos 1960, milhões de afro-americanos nos
Estados do sul não podiam votar nem tinha outros direitos civis – e o
constrangimento internacional provocado por isso contribuiu para o
sucesso do movimento pelos direitos civis. Mas ao menos, ao final
daquela década os EUA podiam ser vistos como um exemplo positivo, em
termos de domínio da lei, garantia do devido processo e proteção dos
direitos e liberdades civis.
Hoje, os EUA reivindicam o direito de deter indefinidamente seus
cidadãos. O presidente pode ordenar o assassinato de um cidadão sem que
ele sequer seja ouvido. O governo pode espionar seus cidadãos sem
autorização judicial. E as autoridades são imunes a processo por crimes
de guerra. Contribui para a deterioração da imagem o fato de os Estados
Unidos contarem com menos de 5% da população mundial, mas quase um
quarto da população encarcerada – em boa parte, vítima de uma “guerra às
drogas” que também está perdendo legitimidade rapidamente, no resto do
mundo.
A busca bem-sucedida de asilo por Assange é outra nódoa na reputação
internacional de Washington. Mostra, ao mesmo tempo, como é importante
ter governos democráticos independentes dos Estados Unidos e não
dispostos – ao contrário da Suécia e do Reino Unido – a colaborar, em
nome da conveniência, na perseguição de um jornalista. Seria desejável
que outros governos fizessem a Inglaterra saber que as ameaças de
invadir embaixadas estrangeiras colocam-na fora das fronteiras das
nações que respeitam o estado de direito.
É interessante assistir aos jornalistas pró-Washington e a suas
fontes buscando, na decisão do Equador de oferecer asilo a Assange,
razões de interesse próprio. Correa quer retratar-se como campeão da
liberdade de expressão, dizem eles; também alegam que atingir os Estados
Unidos, ou apresentar-se como líder internacional. É tudo ridículo.
Correa não procurou confusão e a disputa é, desde o início, um caso
em que ele sofrerá perdas em qualquer hipótese. Enfrenta tensão
crescente com três países que são diplomaticamente importantes para o
Equador – EUA, Reino Unido e Suécia. Os EUA são o maior parceiro
comercial do Equador e ameaçaram, diversas vezes, romper acordos
comerciais que garantem os empregos de milhares de equatorianos. Como a
maior parte da mídia internacional foi hostil a Assange desde o início, o
pedido de asilo foi usado para atacar o Equador, e acusar o governo de
um endurecimento contra a mídia interna. Como já escrevi, é um exagero
grosseiro e uma falsificação da realidade equatoriana, que tem uma mídia
não submetida a censura, majoritariamente na oposição ao governo. A
maior parte dos leitores do mundo ouvirá, por muito tempo, apenas esta
versão deturpada sobre o Equador.
Correa tomou sua decisão porque era a única opção ética a adotar.
Qualquer um dos governos independentes e democráticos da América do Sul
teria feito o mesmo. Quem dera as maiores organizações mundiais de mídia
tivessem a mesma ética e compromisso com a liberdade de expressão e de
imprensa.
Veremos agora se o governo do Reino Unido respeitará o direito
internacional e as convenções de direitos humanos, oferecendo a Assange
um trânsito seguro ao Equador.
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* Mark Weisbrot é co-diretor do Centro para Pesquisas Econômicas e Políticas (CEPR), Também é co-roteirista (com Oliver Stone) do documentário Ao Sul da Fronteira
* Mark Weisbrot é co-diretor do Centro para Pesquisas Econômicas e Políticas (CEPR), Também é co-roteirista (com Oliver Stone) do documentário Ao Sul da Fronteira
Tradução: Antonio Martins
Fonte: http://www.outraspalavras.net/2012/08/16/
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