LEONARDO BOFF*
Esta profundidade espiritual, dizem pesquisas científicas, tem uma
base biológica. Realizadas do final do século 20 e conduzidas pelos
neuropsicólogos MichaelPersinger e Ramachandran, pelo neurologista Wolf
Singer e pelo neurolinguista Terrence Deacon, outrossim por técnicos
usando scanners modernos para fazer imagens cerebrais, detectaram o que
eles chamaram de “o ponto de Deus no cérebro” (God spot ou God module).
Pessoas que em suas vidas deram espaço significativo ao profundo, ao
espiritual, revelam nos lóbulos frontais do cérebro uma excitação
detectável acima do normal. Estes lóbulos são ligados ao sistema
límbico, o centro das emoções e valores. Aí se dá uma concentração
naquilo que tais cientistas chamaram de “mente mística” (mystical mind).
Tal estimulação do “ponto de Deus” não está ligada a uma ideia ou a
algum pensamento objetivo. Ele é ativado sempre e quando a pessoa se
sente emotivamente envolvida com os contextos globais que conferem
sentido à vida ou quando, de forma autoimplicada, se referem ao Sagrado,
a temas religiosos ou diretamente a Deus. Trata-se de emoções e não de
ideações, de fatores ligados a experiências de grande sentido que
implicam um percepção do Todo e de algo incondicional.
Estudos mais recentes apontam que pode haver de fato não apenas uma
mas múltiplas regiões do cérebro estimuladas pela experiência de
totalidade e de sacralidade. Isso indica que o “ponto de Deus” pode
ser, na verdade, uma “rede de Deus” compreendendo regiões normalmente
associadas a emoções profundas e carregadas de significação. Outros
pesquisadores como Eugene D’Aquili e Andrew Newberg chamaram a esta
realidade, como temos referido acima, a ”mente mística”.
"A espiritualidade nos ajuda a sair desta
cultura doentia e agonizante."
Esta mente mística pertence ao processo mais geral, antropogênico-cosmogênico. Ela representa uma vantagem
evolutiva da espécie homo. Como externamente somos dotado de sentidos
pelos quais apreendemos a realidade através do ouvido, do olho, do tato e
do olfato, assim seríamos internamente enriquecidos com um órgão pelo
qual captamos o Mistério do Mundo, o que nos faz sensíveis àquela
Energia poderosa e amorosa que perpassa de ponta a ponta todo o Universo
e que subjaz à nossa existência. As tradições religiosas a chamaram de
Deus.
Se ela está em nós e nós somos parte do Universo, significa então
que esta inteligência espiritual constitui uma propriedade do próprio
Universo. Só porque está no Universo pôde estar em nós. É por esta
razão que a filósofa e física quântica Danah Zohar e o psiquiatra Ian
Marshall afirmam que o ser humano não é apenas dotado de inteligência
intelectual e emocional, mas também de inteligência espiritual. Esta é
um dado de realidade com o mesmo direito de cidadania que a libido, a
autoafirmação, a inteligência e o amor (QS: inteligência espiritual –
Record, 2000).
Hoje faz-se urgente, mais que antes, dar realce à inteligência
espiritual. Porque vivemos numa cultura entorpecida pelo materialismo e
pelo consumismo induzido. O efeito deste modo de ser é bem relatado pela
literatura contemporânea: sentimentos de náusea (Sartre), de
estar-de-sobra (Marcel), de alienação (Marx), de
“derelição-abandono”(Heidegger), de estrangeiros na própria pátria
(Camus). Numa palavra, padecemos de graves doenças de sentido como
denunciaram os psicanalistas Rollo May e Victor Frankl. Tudo isso porque
embotamos a inteligência espiritual.
A espiritualidade nos ajuda
a sair desta cultura doentia e agonizante. A integração da inteligência
espiritual com as outras formas de inteligência — intelectual e
emocional — nos abre para uma comunhão amorosa com todas as coisas e
para uma atitude de respeito e de reverência face a todos os seres,
muito mais ancestrais do que nós. Só assim, poderemos nos reintegrar no
Todo, sentirmo-nos parte da comunidade de vida e acolhidos como
companheiros na grande aventura cósmica e planetária.
-----------------------------* Leonardo Boff, escritor, é teólogo e filósofo. – lboff@leonardoboff.com
FONTE: http://leonardoboff.wordpress.com/2012/09/03/a-base-biologica-da-espiritualidade/
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