Frei Betto*
Amigo meu esteve no Japão, convidado a visitar famosa
empresa transnacional de produtos eletrônicos. Fabricam-se ali desde
computadores a componentes aeronáuticos. Empregam-se mais de 50 mil pessoas.
Impressionou-o o ritmo de trabalho. O engenheiro, que lhe serviu de anfitrião e
explicou o processo interno da empresa, trabalha de segunda a sábado.
O japonês esclareceu que trabalha também um domingo por mês,
e o faz porque a empresa consegue que os funcionários encarem suas tarefas como
atividades prazerosas. O cuidado da família, incluídos lazer e cultura, faz
parte do projeto da empresa.
Naquela semana, por exemplo, ele tinha como serviço
recepcionar o brasileiro, levá-lo a comer nos melhores restaurantes, conhecer
algo da arte do país, percorrer pontos turísticos.
Meu amigo perguntou se teria chance de conhecer o presidente
da empresa. A resposta o surpreendeu: o presidente se encontrava, por três
meses, recolhido a um mosteiro budista, sem sequer utilizar o celular. Ali,
desfrutava da tranquilidade necessária para refletir sobre o perfil da
empresa... daqui a trinta anos!
Como é possível um executivo de alto nível prescindir do
andamento cotidiano da empresa? O anfitrião explicou que o sistema de delegação
de funções e tarefas, respaldado na confiança depositada na competência de cada
funcionário, permite que executivos em postos de direção se envolvam menos com
desafios e problemas do cotidiano.
No Brasil ocorre exatamente o contrário, descreveu meu
amigo. Executivos são regiamente pagos para vender a saúde à empresa: vivem
dependurados no celular, apagam um incêndio a cada hora, matam três leões por
dia, correm de um lado ao outro, raramente têm condições de pensar o
empreendimento a longo prazo, e ainda sacrificam a vida familiar, ignorada pela
empresa.
Isso vale para a iniciativa privada e o serviço público.
Quem comanda, tem a pretensão de monitorar todos os detalhes, nem sempre confia
suficientemente nos subalternos, tende a centralizar todo o poder de decisão.
Sem a calma necessária para tocar os negócios, extravasa o nervosismo nos
companheiros de trabalho, vive brigando com o tempo e modifica a agenda a cada dia.
Não há planejamento estratégico, as metas a serem atingidas
sofrem atrasos consideráveis, as reuniões se prolongam mais do que deveriam e
nem sempre terminam conclusivas. A cada momento é preciso arrancar a faca da
cintura para descascar um novo abacaxi...
O japonês, interessado pelo sistema brasileiro, perguntou
como funciona, em nossas empresas e repartições públicas, o método de crítica
interna. O visitante, de início, pensou que ele se referia à avaliação dos
subalternos pelos superiores. Era o contrário: como os subalternos criticam o
desempenho de seus chefes?
O brasileiro ficou perplexo. Ali naquela poderosa empresa se
atribui o êxito dos negócios ao fato de ninguém se sentir na obrigação de calar
a crítica que lhe parece procedente. A cada dois meses, toda a equipe de um
determinado setor se reúne para que sejam ditas e consideradas queixas e
propostas, tanto em relação à produção quanto ao trato entre funcionários.
O faxineiro que cuida dos banheiros do setor de embalagem,
frisou o japonês, tem o direito e o dever de enviar ao presidente da empresa
uma crítica, ainda que de caráter pessoal. E a cultura que se respira ali
dentro permite que isso não redunde em retaliação ou ressentimento. Todos os
dias, nos primeiros minutos do horário de trabalho, os funcionários são
convidados a praticar meditação, o que apazigua espíritos e favorece a amizade.
Muito diferente do Brasil, frisou meu amigo. Aqui o chefe
finge acreditar que todos o admiram e todos fazem de conta que estão muito
satisfeitos com o desempenho do chefe. E haja estresse, gastrite, depressão, e
até consumo de drogas, para suportar o macabro exercício cotidiano de engolir
um sapo atrás do outro.
Meu amigo retornou convencido de que não há lucro a longo
prazo sem investimento em recursos humanos a curto prazo.
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* Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Leonardo Boff,
de "Mística e espiritualidade” (Vozes), entre outros livros.
Twitter:@freibetto.
Fonte: http://www.adital.com.br/17/09/2012
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