terça-feira, 18 de setembro de 2012

Desejo de desejo

<br /><b>Crédito: </b> ARTE JOÃO LUIS XAVIER

Juremir Machado da Silva*

O ser humano é uma máquina desejante. Viver é desejar. Deseja-se o que não se tem. Ou se deseja mais do mesmo. Sem desejo, a vida fenece. Com excesso de desejo, a vida adoece. Durante muitos séculos, os desejos foram silenciados ou sacrificados ao dever cívico, à moral e à religião. Vivemos agora na plenitude do desejo. Quando todos os desejos devem ser expressos e realizados, a frustração, sugere o francês Gilles Lipovetsky, é certa. O hipercapitalismo transformou o desejo numa armadilha consumista: o consumidor deseja aquilo que o sistema deseja que ele deseje, mas deseja como se fosse um desejo autônomo seu. Deseja a mercadoria. A mídia é parte dessa operação: o público, por coincidência, deseja o programa que se espera que ele deseje. As pesquisas de mercado ajudam a fixar esse desejo, mas nunca aparece um desejo que contrarie o desejo da usina de desejos prêt-à-porter.

Algumas filosofias, ao longo do tempo, tentaram frear o desejo. No fundo, o budismo é isso, uma técnica de superação dos desejos, fontes do sofrimento, mais formigantes. Epíteto, Cícero e Sêneca também tentaram mostrar o caminho do controle do desejo como saída para a frustração pela não realização dos desejos. Os estoicos, a começar por um certo Zenão do Cítio, apostavam na "tranquilidade de espírito", na indiferença, para superar as piores comichões do desejo. O negócio, segundo eles, era controlar as emoções. Deu errado, azar. Epíteto sugeria que não devemos ser escravos dos nossos desejos. Cícero, que se preocupava com os quatro problemas da velhice - dificuldade para trabalhar, corpo mais frágil, fim da alegria dos prazeres físicos e proximidade da morte - investia na experiência como antídoto contra o sofrimento. Não se importar. Não sofrer. Aceitar a passagem do tempo. Pegar o atalho. Ele viveu antes do Viagra. Se fosse seguido hoje, haveria menos plásticas.

A fórmula de Sêneca para a "boa vida" é de difícil aplicação: viver longe de todo mundo. As malas são evitadas. Ele mesmo não seguiu a sua receita. Tutor do futuro imperador Nero, de quem seria ghost-writer, foi acusado de traição e teve de estoicamente suicidar-se. Nigel Warburton, em "Uma Breve História da Filosofia", lembra também uma pergunta de outro pensador curioso, Epicuro: "Por que temer a morte?". Afinal, "quando ela acontece, não estamos lá". O problema é, mesmo assim, ter de participar do acontecimento. Epicuro seria bom no Twitter. Resumiu sua filosofia em menos de 140 caracteres: "Eu não era; fui; não sou mais; não me importo". Como não se importar na era do desejo de desejo, quando pessoas se separam em nome do desejo de novas emoções? Não se importar é como ter força de vontade. Alguém sempre diz:

- Basta ter força de vontade.

- Como se faz para ter força de vontade?

Como desejar menos numa sociedade baseada no desejar mais? Como desejar menos num sistema que, segundo Guy Debord, "não canta os homens e suas armas, mas as mercadorias e suas paixões"? Desejamos a mercadoria do próximo. Como ter força de vontade para desejar menos?
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* Sociólogo. Escritor. Prof. Universitário.
juremir@correiodopovo.com.br
 Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER 
Fonte: Correio do Povo, 15/09/2012

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