terça-feira, 18 de setembro de 2012

Religião eleitoral



Troca de farpas entre as igrejas Católica e Universal na campanha paulistana está não só fora de lugar como também fora de propósito 
O tema da religião adentrou a campanha à Prefeitura de São Paulo como se fosse a questão mais importante da cidade. Obviamente não é, mas perdeu toda proporção e enveredou pela artificialidade.
De que outra maneira se deveria qualificar a iniciativa "sui generis" da Arquidiocese de São Paulo de fazer ler em 300 igrejas, no domingo, um manifesto do cardeal dom Odilo Pedro Scherer com críticas à campanha de Celso Russomanno (PRB)? Manifestação extemporânea, diga-se, porque o texto a que respondia o arcebispo havia sido publicado 16 meses antes.
Não que a tardia réplica católica carecesse de razão. O artigo assinado por Marcos Pereira, presidente do PRB, bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) e coordenador da campanha de Russomanno, era delirante.
Sem afirmá-lo às claras, Pereira atribuía ao "Vaticano" influência no famigerado "kit gay" cogitado pelo Ministério da Educação quando era dirigido por Fernando Haddad, candidato do PT. Um absurdo, pois é notória a rejeição da Igreja Católica ao material.
No caso paulistano, a intromissão da esfera das convicções pessoais na campanha parece ainda mais artificiosa que a da controvérsia do aborto na eleição presidencial de 2010. Naquela oportunidade, tratava-se de dar a conhecer para eleitores a posição de cada candidato sobre a interrupção da gravidez. Para muitos cidadãos, ela equivale a um divisor de águas no campo da moralidade.
Nada há de ilegítimo na tentativa de organizações confessionais de influir na política, ainda que soe como um retrocesso àqueles que favorecem uma visão mais republicana, fundada na moderna separação entre os assuntos de Estado e os da religião -que pertencem ao domínio da vida privada.
Esta Folha defende a laicização da política, mas jamais até o ponto de censurar quem cuida de guiá-la por valores religiosos.
Se a cúpula do PRB se vê no direito de atacar politicamente a Igreja Católica, não pode se queixar de perseguição quando seu candidato é chamado a explicar vínculos com a Igreja Universal. Por fantasioso que seja supor que a Iurd vá controlar uma gestão Russomanno na cidade, se eleito, a opinião pública tem o direito de ser esclarecida sobre a questão, e é dever da imprensa escrutiná-lo a respeito.
Isto posto, a disputa precisa ser devolvida à sua dimensão real. A arquidiocese parece ter encontrado um pretexto para fustigar os rivais, mas não levou em conta que a Iurd tem apenas 126 mil fiéis recenseados na cidade -contra 6,5 milhões de católicos. 
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Fonte: Editorial da Folha de São Paulo, 18/09/2012
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