DENISE FRAGA*
Se empilho pratos, ouço dona Elisa me dizer: 'Dois trabalhos, tirar a gordura de cima e a de baixo'
Toda vez que dobro guardanapos me lembro de nosso simpático amigo
Thierry. Fazíamos um jantar em casa e eu, apressada na cozinha, enfiei
os guardanapos todos juntos, numa só dobra, no porta-guardanapos.
Thierry balançou a cabeça, tirou os guardanapos, dobrou um a um em
triângulos e voltou a colocá-los no lugar. Não tínhamos muita intimidade
-e confesso que fiquei até um pouco envergonhada. Mas, depois desse
dia, mesmo estando apressada, nunca mais consegui deixar os guardanapos
sem dobrar.
Faz um tempão que não vejo Thierry e ele mal pode imaginar que penso nele tantas vezes ao ano, dobrando guardanapos.
O que faz certas coisas ficarem grudadas para sempre em nossa mente?
Podemos ler livros e manuais e não aprender tanto quanto com o gesto de
alguém que, no momento certo, fez função de mestre.
Não descasco uma laranja sem pensar em meu tio Fausto, o taxista. No fim
do almoço, minha tia rolou as laranjas sobre a mesa e eu pedi:
"Descasca para mim?". Minha boa tia Sophia já pegava na faca quando ele
interveio: "Descasques tu mesma e vais ver que a laranja ficará muito
mais gostosa".
São pérolas inesquecíveis ditas em horas precisas. São pequenos
professores, displicentes e involuntários, que vivem sem saber o quanto
são lembrados em nossos atos corriqueiros.
Se empilho pratos, lá vem dona Elisa empoleirar-se no meu ombro para
falar ao meu ouvido: "Dois trabalhos, tirar gordura de cima e de baixo".
Minha vida cotidiana é lotada desses pequenos personagens que cruzaram
meu caminho me ensinando coisas sem saber. Coisas banais como essas,
outras nem tanto.
Já li filosofia, astrologia e outras letras que nos prometem resposta ao
enigma viver, mas do que mais me lembro são das lições que vieram do
ato, do convívio, do humano, dos personagens que conheci, reais ou não.
Como se a vida fosse coisa que brota, que dá muda de si. Como se só fosse possível aprender a viver, vivendo.
Toda vez que algo de ruim me acontece, lá vem Huassi. Huassi foi um
índio que encontramos no norte da Argentina, quando gravávamos um
programa viajando pela América do Sul.
"Sabe qual a maior diferença da minha cultura para a sua, Denise? Vocês
tentam eliminar o mal. Nós simplesmente aceitamos que ele precisa
existir ao lado do bem para criar a dinâmica."
Talvez Huassi nunca tenha lido Dostoiévski, mas sabia muito bem que "ser um homem entre os homens é o real sentido da vida".
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Bom dia! Gostei muito de ler uma parte das suas postagens, seguirei tentando ler um pouco cada dia,,,,são das pequenas coisas que nascem os grandes aprendizados,,,sua tia tem toda razão sobre a laranja!!! Se quiser dar uma passada as vezes me sento a escrever aquilo que muitas vezes não há conversa que baste. Seja bem vindo!
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