Marcelo Gleiser*
A exploração do espaço é a área da ciência em que é mais clara a sua dívida em relação à ficção
A morte recente de Neil Armstrong, o intrépido astronauta americano cuja
principal distinção foi ter sido o primeiro humano a pisar na Lua,
inevitavelmente me levou ao dia 20 de julho de 1969, quando, com os
olhos incrédulos grudados na TV, assisti com meus primos a um feito que
mais parecia ficção do que realidade.
O poder transformador da imagem de um ser humano saltitando pelo solo
lunar foi tal que, mesmo para um menino carioca de 10 anos, a vida
jamais seria a mesma. Explorar a Lua adquiriu um significado mítico: o
primeiro passo para a conquista do espaço e a emancipação cósmica da
humanidade.
Sabendo das dificuldades de virar astronauta no Brasil, optei por
aprender sobre a ciência do espaço, devidamente complementada por obras
de ficção tratando da exploração imaginária do nosso satélite natural.
Afinal, como disse o pioneiro da exploração espacial Robert H. Goddard,
"é difícil dizer o que é impossível, pois o sonho de ontem é a esperança
de hoje e a realidade de amanhã". A exploração do espaço é, sem dúvida,
a área da ciência em que é mais clara a sua dívida em relação à ficção.
Lendo alguns dos primeiros relatos imaginários de viagens à Lua, vemos
quão alto a imaginação humana voa quando livre de dados, e quão difícil é
transformar imaginação em realidade. Sonhar em ir à Lua e chegar lá são
duas coisas muito diferentes, aspectos complementares da nossa
humanidade, como sonhadores e inventores. Toda invenção começa com um
sonho.
"Como
escreveu Luciano, "podemos bem dizer que a guerra é a geradora de todas
as coisas".
A primeira narrativa conhecida de viagem à Lua foi escrita pelo
satirista Luciano (125 d.C.). Em uma obra que inspirou muitos de seus
sucessores ilustres, como Kepler, Cyrano de Bergerac, Jonathan Swift e
Voltaire, Luciano conta como, na companhia de outros 50 exploradores,
saiu pelos oceanos para ver onde terminavam. Um dia, "um vento violento
soprou o navio pelos ares até grande altitudes, mantendo-nos suspensos
por sete dias e noites, até que, no oitavo, demos numa terra, uma ilha
redonda, brilhante e plena de luz".
Uma vez na Lua, os exploradores enfrentam inúmeras confusões, incluindo
uma guerra contra o reino do Sol e suas criaturas que, numa tradição que
Luciano atribui a Homero em sua obra "Odisseia", eram extremamente
bizarras. Ao que parece, a guerra é uma condição inescapável de
criaturas semelhantes aos homens, espécie de enfermidade incurável. Como
escreveu Luciano, "podemos bem dizer que a guerra é a geradora de todas
as coisas".
Pergunto-me o que o heroico Neil Armstrong, famosamente discreto e
recluso, pensava de fantasias como a de Luciano. Embora se dissesse "um
engenheiro nerd de meias brancas e cheio de canetas no bolso da camisa",
ocasionalmente demonstrava grande inspiração: "Olhando para o passado,
fomos mesmo muito privilegiados de ter vivido numa breve parcela da
história em que mudamos como o homem olha a si mesmo, o que poderá vir a
ser e os lugares aonde irá".
Para este garoto já crescido, Armstrong continuará sendo um raio de luz
num mundo que tanto necessita de heróis como ele. E, para mostrar como
levo a complementaridade entre ciência e literatura a sério, um de meus
filhos se chama Lucian.
---------------------------------------
Nenhum comentário:
Postar um comentário