Daniel Clemente*
"A reprodução dos privilégios da elite governamental fez surgir um
vírus altamente contagioso nas classes afastadas do poder, capaz de
atacar quase a totalidade da população e adoecer suas relações, esse
vírus atende pelo codinome “jeitinho brasileiro”
O pavor a igualdade está disseminado na sociedade brasileira, ser
igual ao outro traz a tona o sentimento de rebaixamento no âmbito social
e moral, desqualificação das virtudes e desprezo as qualidades
individuais, menosprezo as habilidades e apequenamento das
potencialidades. O “outro” sempre foi uma referência a ser ultrapassada
ou um obstáculo a ser superado, quanto mais próximo mais concorrente,
quanto mais distante mais admirável. O pavor a igualdade no Brasil está
diretamente ligada ás raízes históricas da formação cultural baseada em
uma elite monárquica e uma sociedade escravocrata.
Na primeira metade do século XIX o Brasil tornou-se independente,
declarando o fim de uma relação colonial de expropriação europeia. Surge
uma nação monárquica em 1822 com um rei europeu, corte ociosa e
ausência de uma população com viés nacionalista. A nova elite
aristocrática herdava costumes oriundos das práticas mais atrasados da
politica econômica do velho mundo, explorando recursos naturais,
monocultura agrária com a manutenção da mão de obra escrava. Todo esse
enredo resultou na impossibilidade do surgimento do conceito de
igualdade de direitos e deveres entre os residentes do território
brasileiro, a desigualdade transformou-se na base das relações de poder.
Mesmo após o ano de 1889 quando o Brasil enterra sua monarquia e
adota o sistema republicano, a elite politica e econômica se apropria do
Estado, mantendo os privilégios a uma pequena fatia da sociedade, faz
da “coisa pública” um balcão de negócios, uma ferramenta a serviço dos
empreendimentos privados utilizando-se de recursos públicos. Ao
contrário dos liberais europeus oradores de um Estado diminuto e
afastado das questões econômicas, a elite brasileira fez do Estado sua
muleta e seus tentáculos, e os privilégios foram se tornando oficiais e
custosos. Na atualidade, a elite politica nacional representa um custo
dezenas de vezes superior aos gastos da família real inglesa, somente o
congresso nacional representa uma despesa da ordem de R$ 24 milhões de
reais por dia, independente de sua eficiência ou decadência. A igualdade
de direitos é esmagada pela perseverança dos privilégios
institucionalizados.
A reprodução dos privilégios da elite governamental fez surgir um
vírus altamente contagioso nas classes afastadas do poder, capaz de
atacar quase a totalidade da população e adoecer suas relações, esse
vírus atende pelo codinome “jeitinho brasileiro”. Essa praga ataca todas
as relações de igualdade possíveis e despeja seu veneno nas situações
mais cotidianas: Na fila do banco passa a ser prazeroso encontrar um
conhecido já próximo do caixa e repassá-lo suas tarefas, evitando tempo
de espera. No supermercado esse vírus opera em equipe, enquanto um
aguarda a vaga na fila de pagamento outro faz a compra. No trânsito o
sinal amarelo vira a extensão do verde e o acostamento nas estradas
torna-se a via rápida dos contaminados.
No setor público a amizade com o servidor diminui o tempo de serviço.
Rotineiramente se realiza atividades que evitam a igualdade de direitos
e faz do “jeitinho brasileiro” uma extensão da desigualdade
institucionalizada e enraizada da politica nacional.
A igualdade passa pelo compartilhamento de direitos e deveres, desde
enfrentar uma longa fila na padaria até contestar atos ilícitos
praticados pelos representantes eleitos pelo voto popular, usufruir de
conquistas materiais e morais na mesma intensidade com os demais.
Discurso e prática, diminuindo suas distâncias aproxima a sociedade de
uma igualdade de direitos e deveres, tão aclamado e pouco praticado.
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* Professor de História e SociologiaColégio Adventista de Santos
Pós Graduando em História, Sociedade e Cultura PUC-SP
Imagem da Internet
Fonte: http://www.ecodebate.com.br/2016/01/21/a-igualdade-incomoda-artigo-de-daniel-clemente/
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