Mino Carta
Dizia
meu pai: o homem não é perfeito, porém perfectível. Esta frase sempre me animou
entre o fígado e a alma, como a aproximação do elfo filipino ao desabar do céu,
para me oferecer um guarda-chuva retrátil a preço de ocasião. Ao cabo deste tormento 2015, tiro os olhos do
continente e encaro o imanente.
Ou,
por outra, permito-me perlustrar mais de 5 mil anos de história, dos povos
mesopotâmicos em diante. Pelos caminhos da perfectibilidade, a humanidade
progrediu extraordinarimante. Por exemplo, inventou a válvula Hydra. Nem se
fala dos avanços tecnológicos mais recentes, a começar pelo computador,
instrumento providencial, disposto a assumir a nossa própria personalidade ao
nos engolir no estilo sucuri, quer dizer, sem mastigar a presa. A maioria dos
usuários do computador já foi jantada, desde os anciões até as crianças, o que
me alegra sobremaneira.
Penso
no futuro, na prodigiosas consequências disso tudo para o cérebro humano, sem
descurar da decisiva contribuição do celular, apanágio indispensável ao Homo
Sapiens, na acepção correta da expressão, com instrução facilitada desde os
primeiros passos na vida, alocado o aparelho já no berço. Sapiens mesmo, enfim,
ora viva. Avanço irreversível, macro e micro. Deste ponto de vista, sugiro, a
quem as possuir, jogar no lixo as enciclopédias de qualquer origem para
valer-se exclusivamente da sabedoria cosmogônica da Wikipedia.
AQUI
ME ABALO A FAZER algumas propostas com o intuito de apressar o progresso, ou
seja, o ritmo da perfectibilidade. O assunto é cultura. Sugestões em ordem
esparsa, sem hierarquiza-las ao sabor da sua importância, ou urgência. A
seguinte, de todo modo, haveria de ser priorizada: convoque-se Paulo Coelho
para reescrever a Divina Comédia. Coelho dispõe da natural capacidade de captar
a transcendência, de desvendar o mistério a pairar entre o Céu e Terra,
insondáveis à vã filosofia das mentes comuns. Do túmulo, Dante Alighieri
agradece. Aliás, não entendo porque Philips Roth, em tempos de Coelho, não
desiste de escrever suas reminiscências. Enfadonhas, além de prolixas.
Outra
sugestão, de significado similar: Chamem Andy Warhol para repintar a Capela
Sístina, não lhe faltam sensibilidade e
conhecimento técnico para tanto, com a possiblidade de melhorar o semblante de Sibila
de Camus, talvez ao recorrer às feições de Marilyn Monroe. E pergunto, do
chofre: o interior da Capela de Chartres não se prestaria como cenário de uma
fantasmagótica instalação? E que tal substituir as estátuas de Giovanni Pisano
no Museo del`Opera del Duomo de Siena por graciosos móbiles de Calder?
SINTO
A NECESSIDADE imperiosa de assegurar que a arte contemporânea encontrará a sua
definitiva consagração, destruída finalmente a sardônica e desprezível ironia
de Duchamps. Deixem de encenar Shakespeare, coloquem em seu lugar as novelas da
Globo, uma televisão que glorifica o Brasil e que haveria de ser imitada mundo
afora pelos alienígenas, desde que se disponham a alçar o público aos elevados
níveis ideológicos e culturais do telespectador nativo. Estamos na rota certa,
concordo, há, contudo, como melhorá-la. Por exemplo, ao transferir Hollywood
para as margens da Lagoa Rodrigues de Freitas.
No
meu pequeno mundo, instala-se um armário para conter alguns ternos de
lamentável casimira inglesa. Passo a agredi-los, para dar o exemplo, com unhas,
tesoura, canivetes, cigarros acesos, serrotes e furadeiras, de sorte a
rasga-los em pontos tópicos e dar prosseguimento à moda já inaugurada,
felizmente, dos jeans em frangalhos. Temos de ser muito mais ousados no ataque
às roupas de antanho. Houve um tempo em que patéticos cavalheiros britânicos,
usuários de paletós de tweed ou de cashmere desgastados pelo uso nos cotovelos,
cobriam o tecido esgarçado com proteções de couro ou camurça. Pois deixemos os
cotovelos à mostra, sem esquecer de furar o paletó recém-comprado.
Sim,
é preciso ir em frente, sem arrependimento, nesta arremetida em busca tanto do
despojamento quando da síntese. Reduzir a língua falada a cem palavras e tudo
que se diga em duas linhas ao recorrer à escrita. Adjetivos? Bom, mau. Bonito,
feio. Simplifiquem, exijam cada vez menos dos neurônios. Voltem seus
pensamentos para objetivos práticos e imediatistas, a ser claro que a
felicidade individual é a meta e o dinheiro a garantia.
Passo
à contemplação da situação atual, o patamar atingido até o momento na milenar
escalada da perfectibilidade. A lei do mais forte em vigor adequa a humanidade
às leis da natureza. Assistimos, portanto, ao triunfo da Razão, e não me refiro
àquela advogada por um punhado de sonhadores do século XVIII, ditos iluministas, quando o único a merecer a
definição é Thomas Alva Edison, que jamais se arvorou a pensador.
O
problema mais sério a afligir a civilização em progresso é a superpopulação do
planeta, mais não há guerra atômica que não possa resolvê-lo.
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Fonte: Revista
Carta Capital impressa – Edição Especial – Ed. Confiança. 30/12/2015 –Editorial.
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