Guilherme Wunsch*
Kronos, o Deus do tempo, tem
origem com a separação do céu e da terra. Sua história começa na
indistinção do não tempo, ou seja, a negação do tempo, pois Kronos,
ao desfazer o abraço da terra e do céu, lança o próprio movimento da
história, colocando-se em posição de dono do tempo, bloqueando as suas
saídas, tanto do lado do passado como do futuro. O tempo do tirano
esgota-se num presente estéril, sem memória nem projeto.[1] Para François Ost[2], “o tempo é antes do mais uma construção social – e, logo, uma questão de poder, uma exigência ética e um objecto jurídico”.
O tempo social é uma questão de ritmos
específicos, de durações particulares, de ciclos regulares, de
velocidades diferenciadas, impostas, predominantemente, pelo mercado. O
coletivo tende ao mecanicismo, à homogeneização, apesar de sua
fragmentação contemporânea que desintegra a sociedade. Vive-se sob o
império do provisório permanente, da urgência, das medidas paliativas. [3]
A temporalização é o tempo das
construções sociais. Temporalizar o tempo é reconstruí-lo à nossa medida
e à medida de nossa cultura. O direito afeta a temporalização e o tempo
determina a força instituinte do direito, seu elemento fundante. O
direito temporaliza, ao passo que o tempo institui. [4]
Há formas de “perder” o tempo, e
oportunidades de “recuperá-lo”; conhecer a linguagem do tempo e atuar
inspirado em seus conselhos deve constituir uma das máximas aspirações
dos seres humanos, para que se possa alcançar a consciência de seu valor
social, transcendendo a escravidão imposta pela ignorância de seu
aproveitamento, a fim de se assegurar a coordenação dos vários ritmos
temporais de uma sociedade, para que ela não se desintegre.
À luz da conscientização do valor social
do trabalho e da consequência implacável de que esse não deve ser fator
de dano, Domenico De Masi discorre sobre a condição idealizada. [5]
Quando a verdadeira medida da riqueza não for mais o dinheiro
disponível para o próprio consumo do supérfluo, mas o tempo do qual se
dispõe para atividades livremente escolhidas, quando formos educados, –
como Sócrates descrito por Platão no Fedro – para desfrutar intensamente
das pequenas alegrias da vida diária e transformar minutos que passam
em momentos que duram, então os problemas do emprego e do desemprego
serão apenas uma feia lembrança e a libertação da fadiga terá se
alastrado até abranger a total libertação do trabalho.
O tempo de trabalho e sua limitação pela
normativa estatal é parte intrínseca da própria gênese do direito do
trabalho, razão pela qual, ainda hoje, os dois temas fundamentais desta
disciplina são o salário e a limitação do tempo de trabalho, assim como
já eram à época do surgimento das primeiras normas que procuraram
estabelecer limites à obtenção do lucro empresarial. [6]
Por ser a relação entre tempo de trabalho e o lucro empresarial a
essência do processo de produção capitalista é que se justifica a
demanda empresarial do maior tempo de trabalho possível. Além disso
tudo, a busca por maior lucro empresarial favoreceu o surgimento de
jornadas extenuantes de trabalho. [7]
A revolução tecnológica, centrada na
automação, é um fenômeno irrevogável, que traz alterações fundamentais
para o cotidiano do trabalhador: o tempo mais acelerado, o acúmulo de
tarefas em função da diminuição dos postos de trabalho, o enorme fluxo
de informações com que o trabalhador tem que dar conta e do qual depende
o trabalho, a competição no ambiente laboral, entre inúmeros outros
fatores que trazem consequências para os trabalhadores.
O trabalhador inserido neste contexto
laboral adverso tem de provar, a cada minuto, ser o melhor indicado para
a realização da tarefa/seu trabalho. O trabalhador vê-se desafiado a
pensar e a criar permanentemente, buscando cumprir um leque maior de
responsabilidades e a dar conta de novas demandas: seu estado de tensão e
prontidão permanente levam-no muitas vezes ao esgotamento físico e
psíquico. [8]
Enfim, o trabalhador, no momento em que deveria desligar-se dos seus
afazeres para se dedicar às outras atividades de sua vida, permanece
vinculado ao trabalho, e o que é pior, em uma ligação de permanente
temor, pois o medo encontra-se no cerne desta relação: medo de não dar
conta das tarefas, medo do desemprego ou medo de não atingir a
expectativa do gestor. [9]
Em uma sociedade de contornos
materialistas, imediatistas e hiper individualistas, cujo futuro insiste
em repetir erros do passado, nos constituímos em testemunhas
presenciais de tudo que existiu, existe e existirá no universo, o tempo
acompanha a evolução social da humanidade e enxerga, atônito, o
desperdício de suas potencialidades. A essência da vida se oculta, cada
vez mais, em percursos equivocados nas sociedades degeneradas pela
impaciência e pelas contradições.
* Guilherme Wunsch é formado pelo Centro Universitário Metodista
IPA, de Porto Alegre, Mestre em Direito pela Unisinos e Doutorando em
Direito pela Unisinos. Durante 5 anos (2010-2015) fui assessor jurídico
da Procuradoria-Geral do Município de Canoas. Atualmente, sou advogado
do Programa de Práticas Sociojurídicas – PRASJUR, da Unisinos, em São
Leopoldo/RS; professor da UNISINOS; professor da UNIRITTER e professor
convidado dos cursos de especialização da FADERGS, FACOS, FACENSA E IDC.
Notas e Referências:
DE MASI, Domenico. Desenvolvimento sem trabalho. São Paulo: Esfera, 1999. p. 87.
GUARANY, Alzira Mitz Bernardes. Trabalhadores resistindo ao sofrimento no trabalho. 2007. f. 53-56. Dissertação (mestrado) — Pós-Graduação em Serviço Social, UFRJ, ESS, Rio de Janeiro, 2007.
OST, François. O tempo do direito. Tradução: Maria Fernanda Oliveira. São Paulo: Instituto Piaget, 1999. p. 14.
SILVA, José Antônio R. de Oliveira. A flexibilização da jornada de trabalho e seus reflexos na saúde do trabalhador. Revista LTr, São Paulo, v. 77, n. 2, p. 181, fev. 2013.
[1] OST, François. O tempo do direito. Tradução: Maria Fernanda Oliveira. São Paulo: Instituto Piaget, 1999. p. 12.
[2] OST, François. O tempo do direito. Tradução: Maria Fernanda Oliveira. São Paulo: Instituto Piaget, 1999. p. 9-10.
[3] OST, François. O tempo do direito. Tradução: Maria Fernanda Oliveira. São Paulo: Instituto Piaget, 1999. p. 12-16.
[4] OST, François. O tempo do direito. Tradução: Maria Fernanda Oliveira. São Paulo: Instituto Piaget, 1999. p. 14.
[5] DE MASI, Domenico. Desenvolvimento sem trabalho. São Paulo: Esfera, 1999. p. 87.
[6] SILVA, José Antônio R. de Oliveira. A flexibilização da jornada de trabalho e seus reflexos na saúde do trabalhador. Revista LTr, São Paulo, v. 77, n. 2, p. 181, fev. 2013.
[7] SILVA, José Antônio R. de Oliveira. A flexibilização da jornada de trabalho e seus reflexos na saúde do trabalhador. Revista LTr, São Paulo, v. 77, n. 2, p. 181, fev. 2013.
[8] GUARANY, Alzira Mitz Bernardes. Trabalhadores resistindo ao sofrimento no trabalho. 2007. f. 53-56. Dissertação (mestrado) — Pós-Graduação em Serviço Social, UFRJ, ESS, Rio de Janeiro, 2007.
[9] GUARANY, Alzira Mitz Bernardes. Trabalhadores resistindo ao sofrimento no trabalho. 2007. f. 53-57. Dissertação (mestrado) — Pós-Graduação em Serviço Social, UFRJ, ESS, Rio de Janeiro, 2007.
-------
Fonte: http://emporiododireito.com.br/tempo-rei-o-tempo-rei-o-tempo-rei-transformai-as-velhas-formas-do-viver-tempo-e-trabalho-ou-como-compatibilizar-o-nosso-existir-por-guilherme-wunsch/
Nenhum comentário:
Postar um comentário