Mario Vargas Llosa*
Uma das profissões mais perigosas no mundo de hoje é o jornalismo.
Todos os anos aparecem, nos balanços das agências especializadas,
dezenas de repórteres, entrevistadores, fotógrafos e colunistas sequestrados, torturados ou assassinados por
fanáticos religiosos e políticos, ditadores, quadrilhas de criminosos e
traficantes ou donos de impérios econômicos que veem a existência de
uma imprensa independente e livre como uma ameaça aos seus interesses.
Este contexto explica, sem dúvida, a indignação causada pela entrevista realizada pelo ator Sean Penn com o assassino e narcotraficante mexicano El Chapo Guzmán – cuja vertiginosa fortuna o levou a figurar entre os homens mais ricos do mundo segundo a revista Forbes –, pouco antes de este ser capturado pela infantaria da Marinha do México. A entrevista, publicada na revista Rolling Stone,
é péssima, uma exibição de egolatria desenfreada e palhaça e, ainda por
cima, transbordante de simpatia e compreensão pelo multimilionário e
desumano criminoso a quem são atribuídas quase 3.000 mortes além de
incontáveis delitos, entre elas um grande número de estupros.
Sean Penn é ótimo ator e tem fama de “progressista”, termo que, em se
tratando de gente de Hollywood, costuma significar um irresistível
fraco por ditadores e tiranetes terceiro-mundistas. Foi algo demonstrado por Maite Rico num magnífico artigo (“Fascinação eterna pelo déspota”,
publicada pelo EL PAÍS no dia 17) em que recorda os ditirambos do ator
(e de Michael Moore e Oliver Stone) a Fidel Castro e a Hugo Chávez: “Uma
das forças mais importantes que já tivemos neste planeta”, “líder
fascinante”, “tenho amor e gratidão por ele”, etc.. Como explicará o
ator, então, que nas últimas eleições 70% dos eleitores venezuelanos
tenham repudiado o regime chavista de maneira tão categórica?
Provavelmente, nem tomou conhecimento disso.
O caso de Sean Penn só se entende pela extraordinária frivolidade que
polui a vida política de nosso tempo, em que as imagens substituíram as
ideias, e a publicidade determina os valores e desvalores que movem
grandes setores dos cidadãos. Elogiar Fidel Castro, “o homem mais sábio
do mundo” segundo Oliver Stone, é uma patética exibição de cinismo e
ignorância, equivalente a sentir admiração por Stálin, Hitler, Mao, Kim
Il-sung ou Robert Mugabe, e defender como modelo uma ditadura de mais de
meio século que transformou Cuba em uma prisão da qual os cubanos
buscam de escapar do jeito que for, inclusive desafiando os tubarões. E
não é menos do que isso considerar como astro político planetário o
comandante Hugo Chávez, cujo regime transformou a Venezuela em um país
pobre, violento e reprimido, onde os níveis de vida caem mais a cada dia
por culpa de uma inflação galopante –a mais alta do mundo– e onde a
corrupção e o narcotráfico se enquistaram no próprio coração do Governo.
Como é cômodo para estes personagens, a partir de Hollywood, ou seja,
da segurança jurídica –ninguém irá lá privá-los das suas casas,
negócios e investimentos, nem tomar satisfações pelo que dizem e
escrevem –, do conforto e da liberdade de que gozam, brincar de serem
“progressistas”, aceitando convites de sátrapas ineptos, que os tratam
como reis e os adulam, os lisonjeiam e presenteiam, e defender regimes
opressores e brutais, que fazem viver no medo, na escassez e na mentira
milhões de cidadãos privados da palavra e dos mais elementares direitos.
Agora, além de ditadores, os “progressistas” de Hollywood defendem
também delinquentes comuns e assassinos em série, como o Chapo
Guzmán, pobre homem que, segundo Sean Penn, chegou ao delito porque era a
única maneira de sobreviver em um mundo atrofiado pela injustiça e
pelos oligarcas.
Do conforto e da liberdade de que gozam,
brincam de serem “progressistas”, aceitando
convites de sátrapas ineptos
O jornalismo, infelizmente, é também uma das vítimas
da civilização do espetáculo de nossos dias, onde aparecer é ser, e a
política, a própria vida, se tornou mera representação. Utilizar esta
profissão para se promover e difundir ideias frívolas, banalidades
ridículas e mentiras políticas flagrantes é também uma maneira de
ofender um ofício e todos os profissionais que fazem verdadeiros
milagres para cumprir sua função de informar a verdade, por salários
geralmente modestos e correndo grandes perigos. Gente como Sean Penn,
Oliver Stone e congêneres nem sequer notam que sua atitude revela um
desdenhoso preconceito pela Venezuela, Cuba, México e o Terceiro Mundo
em geral, com essa duplicidade que ostentam quando elogiam e promovem
para esses países sistemas e ditadores que não tolerariam jamais em seu
próprio país, muito parecidos nisso a um Gunther Grass, que, nos anos
oitenta, pedia que os latino-americanos seguissem o “exemplo de Cuba”,
enquanto na Alemanha ele defendia a social-democracia e combatia o
modelo comunista.
Claro que minha crítica a atrevidos irresponsáveis como Sean Penn não
significa que eu acredite que os atores devem prescindir de fazer
política. Justamente pelo contrário, estou firmemente convencido que a
participação no debate público, na vida cívica, é uma obrigação moral da
que ninguém deve sentir-se exonerado, sobretudo se não estiver
satisfeito com a sociedade e o mundo em que vive. E acredito que esta
obrigação é ainda maior quando um cidadão –como é o caso dos cineastas
em questão– é mais conhecido e tem, portanto, maiores possibilidades de
chegar a um amplo público. Mas, por isso mesmo, é indispensável que essa
participação esteja fundada em um conhecimento sério dos assuntos sobre
os quais opina.
A este respeito, gostaria de citar a resposta que outro
norte-americano, este sim bem informado e honesto, o escritor Don
Winslow, deu ao artigo de Sean Penn. Seu texto pode ser consultado no
site deadline.com. Winslow, que há 20 anos investiga os cartéis da droga mexicanos e publicou um livro premiado sobre esse tema, The Cartel, recorda todos os jornalistas que foram mutilados e assassinados por terem investigado sobre o Chapo
Guzmán. E se surpreende de que, em vez de perguntar ao chefe por que,
logo depois de sua primeira fuga da prisão, em 2001, ele desatou essa
“guerra de conquista” para desalojar outros cartéis, que causou mais de
cem mil assassinatos. Outras perguntas que Sean Penn não fez: quantos
milhões de dólares El Chapo gastou comprando juízes, políticos e
policiais, a razão pela qual decidiu assinar um acordo de colaboração
com a organização sádica e homicida dos Zetas, e por que
aceitava que seus serviçais levassem meninas púberes à sua cela nos
períodos que passou na prisão. Winslow também lamenta, entre outras
coisas, que Sean Penn não tenha formulado uma só pergunta ao Chapo
Guzmán, nas sete horas de diálogo com ele, sobre as 35 pessoas (12
mulheres entre elas) que mandou assassinar, acusando-as de trabalharem
para os Zetas, antes de fazer as pazes com essa terrível quadrilha.
As razões pelas quais Sean Penn não perguntou nada de incômodo ao Chapo
Guzmán nós sabemos de sobra: ele foi entrevistá-lo com as respostas do
assassino já fabricadas por sua própria frivolidade ou cinismo:
apresentá-lo como a vítima de um sistema (um herói, de certa forma)
econômico e político que seu admirados Fidel Castro e Chávez começaram a
liquidar. E reforçar com isso sua merecida fama de “progressista”, além
de ator famoso e milionário.
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* Jornalista. Escritor peruano. Laureado com o Nobel de Literatura de 2010.
Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/01/22/opinion/1453469307_261616.html
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