E mais: E o que acontece se o Papa lança um Jubileu
e ninguém comparece?
Quando um papa
com uma clara agenda social cruza com um líder mundial que partilha da
mesma visão de mundo e que está disposto a trabalhar duro, a história às
vezes pode mudar.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 03-01-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Com o apoio do rei Filipe II, da Espanha, por exemplo, São Pio V promoveu uma “Liga Santa” que reverteu uma possível conquista islâmico-otomana da Europa na Batalha de Lepanto em 1571. Quatro séculos mais tarde, São João Paulo II e o presidente Ronald Reagan uniram forças em um esforço bem-sucedido para pôr abaixo o comunismo soviético.
Ainda que com um conjunto diferente de prioridades, o Papa Francisco
tem uma ambição parecida de moldar a história. Ele quer afastá-la
daquilo que chama de a “globalização da indiferença” para com os pobres,
refugiados e outras vítimas da “cultura do descarte”, além de desejar
dar um fim a uma Terceira Guerra Mundial que, segundo ele, está sendo
travada em parcelas.
A questão que Francisco enfrenta em 2016 é: Quem é o parceiro político que poderia ajudá-lo nesse front? Em verdade, a resposta não é nada fácil.
Por séculos, o Vaticano
instintivamente olhou para as grandes potências católicas da Europa
como os seus aliados naturais. Hoje, esta lógica não mais se mantém.
Na Europa ocidental, países tradicionalmente católicos tais como a França e a Espanha encontram-se atolados em dificuldades internas, e o forte ethos
secular destas nações possui suspeitas quanto à participação
eclesiástica na política. Na Europa oriental, o país mais destacadamente
católico, a Polônia, é hoje conduzido por um governo
nacionalista hostil às prioridades papais em vários sentidos, desde o
tratamento aos refugiados até o uso dos combustíveis fósseis. (Este
clima político na Polônia vai fazer ficar altamente interessante a visita de Francisco em julho ao país, quando ele participará da Jornada Mundial da Juventude.)
Mais recentemente, o Vaticano vem contando com o apoio das Nações Unidas, mas essa também parece ser uma proposta arriscada daqui para frente.
Obama e Francisco se uniram na reabertura histórica das relações com Cuba, porém o experiente jornalista italiano Piero Schiavazzi recentemente fez a observação interessante de que Francisco pode estar prestes a se decepcionar hoje tal como aconteceu com João Paulo II após a colapso do comunismo.
João Paulo quis unir de
volta a Europa oriental e ocidental, na esperança de que a primeira
poderia reviver o ocidente espiritualmente moribundo, para assistir
triunfar, logo em seguida, o consumismo e o secularismo. Da mesma forma,
Schiavazzi sugere que Francisco tenha
desejado reunificar as Américas, mas ele talvez esteja infeliz com os
desdobramentos, na medida em que uma onda política conservadora distante
de sua preferida democracia social parece estar se edificando na América Latina, inclusive na Argentina, e na medida em que os EUA podem muito bem estar prestes a eleger Donald Trump.
Até mesmo se Hillary Clinton
prevalecer em 2016 nós não estaremos diante de uma perspectiva positiva
quanto aos sentimentos em um futuro próximo. Durante o último governo Clinton, o Vaticano e a Casa Branca travaram batalhas titânicas em torno do controle de natalidade e do aborto em conferências da ONU no Cairo e em Pequim.
Quem sobra?
Uma opção seria Vladimir Putin, recentemente coroado pela Forbes como a pessoa mais poderosa no mundo, e Francisco
e o líder russo vêm fazendo negócios em vários fronts. Em setembro de
2013, eles se aliaram para resistir aos chamados ocidentais por
intervenção militar na Síria, e o compromisso de Putin em defender os cristãos nos Oriente Médio é algo que Francisco estima.
Por outro lado, Francisco tem igualmente criticado a intervenção da Rússia na Ucrânia, e, em todo caso, um casamento entre “o Papa da Misericórdia” e a figura pública menos misericordiosa do planeta não parece combinar muito bem.
Francisco poderia voltar o seu olhar para a China, esta superpotência emergente, na pessoa de Xi Jinping. (O pontífice e o premier chinês apareceram em quarto e em quinto lugares na listagem da Forbes dos homens mais poderosos.)
No entanto, os dois líderes não se encontraram quando estiveram presentes nos EUA em setembro, dando a entender que uma desavença antiga entre Pequim e Roma ainda tem de ser desfeita, e até o momento em que a China não repensar as suas políticas sobre a liberdade religiosa, uma parceria vai ser praticamente impossível.
Poderíamos imaginar que um “Papa das Periferias”
naturalmente iria olhar para os países em desenvolvimento em busca de
parcerias estratégicas, e aqui ele tem opções promissoras. Aqueles
países que chamei de PINS (iniciais em inglês para as Filipinas, a Índia, a Nigéria e a Coreia do Sul) possuem comunidades católicas dinâmicas e cada vez maiores, e todos podem desempenhar papéis de liderança.
Todavia, por diversos motivos, cada um possui os seus dificultadores para ser um parceiro potencial. A Índia, por exemplo, está sendo conduzida por um governo nacionalista hindu hostil à minoria cristã local, enquanto a Nigéria encontra-se atolada em conflitos internos, com destaque para o grupo Boko Haram. As Filipinas terão eleições neste ano de 2016, e a política externa sul-coreana em geral começa e termina com o seu vizinho do norte.
Talvez a resposta para o Papa Francisco aqui é que, simplesmente, não existe um Filipe II ou Ronald Reagan
à espera dele em 2016, quer dizer: um único líder mundial com visão e
influência parecidos e cujos interesses se alinham perfeitamente com os
seus próprios.
Em vez disso, se Francisco
está certo em que uma Terceira Guerra Mundial está sendo travada em
partes, quiçá a única resposta pode ser um tipo de diplomacia igualmente
desenvolvida em partes, elaborando alianças a curto prazo com várias
figuras a respeito de temas específicos, porém evitando apostar todas as
suas fichas num único lugar.
Até agora, a guerra em parcelas denunciada por Francisco
parece estar indo muito bem. Resta saber um processo de paz inspirado
no pontífice, mas sem um parceiro claro definido, poderá ser eficaz em
resolvê-la.
***
E o que acontece se o Papa lança um Jubileu e ninguém comparece?
Uma questão clássica na filosofia assim
diz: Se uma árvore cai na floresta sem ter alguém aí para ouvi-la cair,
ela faz barulho? Em 2016, o Papa Francisco pode
enfrentar a sua própria versão deste mistério: Se um papa convoca um ano
jubilar, mas ninguém comparece, o evento acontece de fato?
Esta não é uma forma exatamente adequada de dizer as coisas, pois sugerir que “ninguém” possa aparecer para o Ano Santo da Misericórdia
(de 8 de dezembro de 2015 a 20 de novembro de 2016) é, de fato, um
exagero. Inúmeros peregrinos já tomaram parte em seus momentos iniciais,
entre eles a abertura de uma Porta Santa na Basílica de São Pedro no dia 8 de dezembro e no Ano Novo, na Basílica de Santa Maria Maior; além disso, a cidade de Roma está esperando multidões de visitantes este ano.
Por outro lado, as estatísticas que o Vaticano
divulgou no final do ano mostram que a ida aos eventos papais em
dezembro teve uma diminuição significativa com relação a 2014, com uma
redução de 30% em comparação ao mesmo período do ano anterior. Os
números caíram de 461 mil em dezembro de 2014 para 324 mil em dezembro
de 2015, apesar do fato de que se realizaram mais eventos no ano de 2015
como decorrência do início do Ano Santo.
Este declínio ficou claro durante o período de recesso, enquanto as multidões para a mensagem Urbi et Orbi de Natal e o seu Angelus no Ano Novo estavam animadas, porém em número notavelmente menor do que o normal.
A maior parte dos analistas crê que a
principal razão para a diminuição de fiéis nos eventos papais é a
preocupação generalizada em torno da segurança, na esteira dos ataques
terroristas em novembro ocorridos em Paris. Esta preocupação vem tendo um efeito negativo no turismo em geral, com as autoridades na província italiana que inclui Roma também informando que a busca por hospedagem em hotéis locais está abaixo da média.
Cada dia parece trazer um novo alerta
para com a segurança. No Ano Novo, por exemplo, houve o relato de um
pacote suspeito descoberto no sistema romano de trens, o que
desencorajou muitos moradores de usarem o transporte público.
Visto que o terrorismo não parece estar
perto de desaparecer, ele poderá lançar sua sombra durante todo o ano.
Se uma queda de 30% de participação nos eventos papais continuarem ao
longo deste período, será o mesmo que dizer que quase dois milhões
pessoas a menos irão vê-lo este Ano Jubilar, na comparação com os dois anos anteriores.
Pode estar havendo, no entanto, outras
duas forças por trás desta diminuição de público, ambas as quais não
necessariamente estão apontando para o tipo de jubileu que o Papa Francisco espera conduzir.
De um lado, Francisco criou altas expectativas em atrair multidões nos primeiros estágios de seu papado. Os números oficiais do Vaticano estimam que Francisco
atraiu quase seis milhões de pessoas aos eventos públicos em Roma
durante 2014, após estabelecer um recorde de 6.6 milhões em 2013. Estes
números representam picos surpreendentes em comparação com a taxa de
participação nos eventos durante a era de Bento XVI, quem em 2011 atraiu 2.5 milhões.
Desde a eleição de Francisco, praticamente todas as Audiências Gerais às quartas-feiras e todas orações do Angelus aos domingos aconteceram próximo a uma missa de canonização, com multidões maciças forçando a polícia bloquear partes da ampla Via della Conciliazione, que leva à Praça de São Pedro.
Podemos dizer que aqueles números surpreendentes de Francisco
iriam, em algum momento, voltar ao normal, e que esse mês de dezembro
pode entrar para história como o momento em que este retorno começou a
acontecer.
Além disso, Francisco disse não querer que o Ano da Misericórdia seja celebrado exclusivamente em Roma, mas também nas paróquias e dioceses locais ao redor do mundo.
Pela primeira vez na história da tradição jubilar da Igreja, que se estende até o Papa Bonifácio VIII, em 1300, pediu-se às dioceses que abram a sua própria Porta Santa, chamando-as de “a Porta da Misericórdia”,
seja de uma catedral local ou de uma igreja com um significado
especial, ou mesmo um santuário com importância particular. Os que
querem a indulgência associada com a passagem pela Porta Santa podem
assim fazer sem a necessidade de vir a Roma.
Numa coletiva de imprensa em maio, o arcebispo italiano Rino Fisichella, do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização – uma espécie de “diretor” do Ano Santo – tentou sublinhar a originalidade deste evento.
“No sentido de evitar qualquer mal-entendido”, disse, “é importante reiterarmos que este Jubileu da Misericórdia não é, e não pretende ser, o Grande Jubileu do Ano 2000”.
A sua referência era ao Ano Santo realizado durante o papado de São João Paulo II
para marcar a virada do milênio, em grande parte considerado o evento
de maior sucesso na história dos jubileus. Ele contou com praticamente
uma atividade especial em Roma todos os dias, incluindo dias jubilares para os chefes de pizzaria, motociclistas e artistas de circo.
A cidade de Roma oficialmente estima que 24.5 milhões de pessoas participaram no Jubileu de João Paulo II durante o ano de 2000; o instituto de pesquisa italiano Censis chegou ao número de 32 milhões.
Francisco parece ter em mente um evento menos centrado em Roma. Na Quarta-Feira de Cinzas deste ano, que cai em 10 de fevereiro, ele irá organizar um corpo especial de sacerdotes, chamado Missionários da Misericórdia. Parte da tarefa deste grupo será sair ao mundo e organizar eventos especiais ligados ao Jubileu nas igrejas locais.
Assim, se acaso as multidões forem menores em Roma desta vez, isso não necessariamente irá significar que o Jubileu
não esteja sendo um sucesso. Poderá significar apenas que ele está
funcionando de acordo com o que se pensou, com parcelas de peregrinos
potenciais decidindo observar o evento em seu próprio quintal.
Por esses motivos, a pessoa que provavelmente ficará decepcionada caso a onda esperada de visitantes a Roma não se materializar não será o Papa Francisco.
Em vez disso, vão ser os donos de hotéis de Roma, guias turísticos, taxistas e gerentes de restaurantes, donos de lojas; todos aqueles que estão contando com o Jubileu para aumentar as suas vendas. O papa
pode ficar feliz com um evento menor e menos espetacular, mas as
pessoas que ganham a vida com o seu poder de atrair multidões não devem
esperar partilhar o mesmo sentimento.
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Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/550548-em-2016-francisco-pode-ser-um-papa-em-busca-de-um-parceiro
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