Luiz Felipe Pondé*
Por motivos familiares, passei a virada do ano em Bruxelas. Para quem
conhece a capital belga, basta dizer que fiquei instalado na praça De
Brouckère, ao lado da Grand Place. Coração de Bruxelas.
No dia 31 de dezembro, estava programada a grande festa de fim de ano na
praça De Brouckère, embaixo da minha janela. E, como todos sabem, essa
festa foi cancelada por conta de um plano de alguns terroristas que iam
se explodir no meio de 100 mil pessoas. Caminhando pelo "quartier"
durante aquela noite, só se via Exército, polícia e alguns gatos
pingados bêbados. A depressão foi geral.
Os europeus estão descobrindo que a Europa pós-queda do Muro de Berlim
acabou. Aquela ideia que os europeus têm de si mesmos, a saber, que são a
fina flor do bem político e social, ruirá em breve. Acabou a
"Eurrôdisné social". Os islamitas estão à solta.
Até ontem, inteligentinhos de lá e de cá supunham que terroristas
islamitas fossem, apenas, palestinos legais a matar israelenses
malvados. Claro, para os inteligentinhos, os israelenses são as únicas
"vítimas" que merecem morrer na mão de terroristas do bem.
Imigrados e refugiados do mundo islâmico (pelo que se sabe) violentaram
mulheres à vontade na Alemanha na virada do ano, e a polícia assistiu
"na boa" porque não queria ser acusada de islamofobia. Idiotas, não
percebem que é isso que os racistas querem: que os governos europeus
fiquem paralisados nessa lenga-lenga de islamofobia.
As feministas, claro, calam a boca em nome do respeito ao outro. Cantar
uma mulher é crime, mas violentá-la, se você for um muçulmano, pode?
Ridículo.
A verdade é que a Europa perdeu o bonde da política há algum tempo e não
sabe o que fazer com o que está acontecendo. Seus líderes, entre a
preocupação com o "eurrô" e os "droits de l'homme", estão como tontos
gaguejando frases feitas contra o racismo e similares.
Acaba de sair no Brasil um livro que explica bem, no plano da filosofia
política, por que a Europa, em grande parte, não tem recursos teóricos
que ajudem seus políticos profissionais a enfrentar a Europa real: a
Europa hoje é um caldeirão social prestes a explodir, e os europeus
continuam achando que um ciclo de cinema palestino salvará o mundo.
O livro se chama "Politicídio - O Assassinato da Política na Filosofia
Francesa", de Luuk van Middelaar, e saiu pela editora É Realizações.
As estrelas da obra são gente famosa como Sartre, Foucault, Deleuze, Luc
Ferry. Este, especificamente, é o carinha que acha que "falando a
verdade para as pessoas e defendendo direitos humanos tudo dará certo".
Não dará. Direitos humanos não sustentam política nenhuma, porque
política é a arte da conquista, manutenção, divisão e destruição do
poder. Nada tem a ver com "o bem moral". Maquiavel, e não Rousseau, é o
grande filósofo político de todos os tempos.
E como identificamos que a Europa é um parque temático de direitos?
Respondo com Milan Kundera, autor tcheco radicado na França, citado por
Middelaar: os europeus acham que, porque têm necessidade de amor, ser
amado é um direito.
No caso específico da herança sartriana, vemos um desses efeitos
claramente no pânico com os islamitas. Com a derrocada na União
Soviética, a esquerda francesa ficou órfã. Por uns tempos, Cuba e suas
praias ensolaradas serviram de utopia. Mas Cuba é muito longe, e os
europeus, até hoje, acham a América Latina uma descoberta desnecessária.
Um equívoco ibérico.
Daí, Sartre e sua tribo tiveram uma grande ideia: o maoísmo sabor
camembert. Todo "nativo" das colônias europeias na África e na Ásia que
matasse um europeu estava fazendo justiça, porque o imperialismo era a
causa de todo o mal do mundo. Eis a versão do maoísmo camembert servida
nas universidades e na mídia. A conclusão é clara: se os islamitas estão
matando os ocidentais é porque eles são vítimas da opressão! E, para
Foucault, o criminoso é o verdadeiro revolucionário.
A esperança europeia é que o cartão Visa salve a todos.
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* Filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado em epistemologia pela
Universidade de Tel Aviv, discute temas como comportamento, religião,
ciência.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2016/01/1730532-maoismo-sabor-camembert.shtml
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