José Eustáquio Diniz Alves*
[EcoDebate]
Um fato universalmente identificado na demografia é o desequilíbrio na
razão de sexo ao nascer. Em todos os países nascem mais homens do que
mulheres. Na média mundial, a razão de sexo ao nascer varia entre 3% e
5% a favor dos homens. Números muito acima desta média, podem indicar
alguma forma de preferência pelos filhos do sexo masculino ou a prática
de “femicído” ou “fetocídio”, como ocorre na China.
A razão de sexo ao nascer na América Latina e Caribe (ALC) é de 1,05
crianças do sexo masculino para cada 1 criança do sexo feminino.
Contudo, a razão de sexo vai se invertendo com o avançar das idades.
Existem em alguns países da região uma enorme sobremortalidade masculina
nas idades jovens em decorrência, principalmente, dos homicídios e dos
acidentes de trânsito. O Brasil e, especialmente, El Salvador são países
com alta incidência de sobremortalidade masculina de jovens.
Juntando-se a isto a sobremortalidade masculina por causas “naturais” no
topo da distribuição de sexo e idade da população, percebemos que a ALC
apresenta um grande excedente de mulheres na parte superior da
estrutura de idades.
Na China há muitos mais homens do que mulheres na população total e o
sexo masculino predomina em todos os grupos etários até 69 anos. As
mulheres são maioria somente nos grupos acima de 70 anos. Na média da
América Latina e Caribe as mulheres superam os homens após os 50 anos.
No Brasil as mulheres superam os homens a partir dos 25 anos. Porém, o
país com maior superávit feminino é El Salvador que tem taxas de
mortalidade masculina muito altas em decorrência da violência e dos
homicídios. Reduzir a sobremortalidade masculina jovem é fundamental
para diminuir o desequilíbrio de sexos na pirâmide etária.
Contudo, todos os países possuem um superávit de mulheres nas partes
altas da pirâmide populacional. A especificidade da América Latina é que
o superávit feminino ocorre precocemente nos grupos etários. Quanto
menor é a razão de sexo, maior é a proporção de mulheres idosas morando
sozinhas nos domicílios particulares. Na literatura demográfica,
especialmente a partir dos estudos da doutora Elza Berquó, esse fenômeno
foi denominado de “pirâmide da solidão”, indicando a existência de um
crescente número de mulheres idosas sem cônjuges no topo da estrutura
etária.
Lendo os trabalhos de Berquó e trabalhando com a ideia de “capital
marital”, a antropóloga Mirian Goldenberg disse: “Pela primeira vez
percebi que a frase tão exaustivamente repetida pelas brasileiras –
‘falta homem no mercado’ – é uma realidade demográfica bastante cruel,
sobretudo para as mulheres mais velhas”.
De fato, o excedente feminino cresce nos grupos etários da parte
superior da pirâmide. Todavia, a atuação requerida da sociedade
brasileira e latino-americana é no sentido de reduzir a sobremortalidade
masculina em idades jovens, o que ajudaria a diminuir os desequilíbrios
no “mercado matrimonial”. Há também o questionamento da necessidade de
um par conjugal, como o exigido no modelo de família tradicional.
Mulheres sem cônjuge no século XXI constitui um fenômeno muito
diferente daquele formado pelas chamadas “solteironas” ou “titias” do
passado. Mulher morando sozinha não é sinônimo de pessoa solitária.
Domicílios unipessoais femininos não devem ser vistos como uma anomalia
social. Em qualquer situação, há sempre a possibilidade de se fortalecer
o “capital pessoal” e o “capital social”, independentemente do grupo
etário e da quantidade de pessoas existentes nas moradias particulares.
Vidas no singular podem ser vividas, para além do espaço domiciliar, de
maneira positiva e feliz.
Referências:
BERQUÓ, Elza. Pirâmide da solidão. Campinas: Núcleo de Estudos de População/UNICAMP, 1986. (Mimeo)
GOLDENBERG, Mirian. Por que somos infiéis? Inteligência. Out/dez 2010
ALVES, JED, CAVENAGHI, S. Família brasileira: plural, complexa e diversa, IHU, 2012
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* José Eustáquio Diniz Alves,
Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor
titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas
Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE;
Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail:
jed_alves@yahoo.com.br
Fonte: http://www.ecodebate.com.br/2016/01/13/piramide-da-solidao-no-brasil-e-na-america-latina-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
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