MUDANÇA
Depois de 10 anos no mercado financeiro,
Danielle largou tudo para virar empreendedora
Eleita uma das brasileiras mais
inovadoras pelo MIT, empreendedora de apenas 31 anos diz que trabalho
duro e insistência são mais importantes do que ideias geniais na hora de
criar novas soluções
por Mariana Queiroz Barboza
Como muitos
jovens de 20 e tantos anos, a administradora de empresas Danielle Brants
tinha uma carreira bem-sucedida, mas pouco satisfatória quando, há três
anos, resolveu jogar tudo para o alto e empreender. Depois de muita
pesquisa, criou uma plataforma de engajamento e proficiência de leitura
para alunos do Ensino Fundamental.
O Guten News apresenta notícias de maneira
adaptada a crianças de 8 a 12 anos com o objetivo de despertar o gosto
pela leitura conectando-as à realidade num ambiente com jogos e
exercícios. O aplicativo e o site são gratuitos, mas os relatórios de
desempenho, que permitem intervenções didáticas mais apuradas, são
pagos. “Inovar é resolver o problema de alguém de forma criativa”, diz
Danielle. “Não sou nenhum grande gênio, mas encontrei uma solução de
leitura para professores que precisavam disso.”
''Durante um tempo se acreditou que um tablet ou um computador
resolveriam a questão do interesse do aluno, mas não é assim''
Hoje, aos 31 anos, a empresária tem 30
escolas entre seus clientes e entrou na lista dos 10 brasileiros mais
inovadores com menos de 35 anos da revista Technology Review, do
Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês).
Antes disso, porém, teve que enfrentar a burocracia exagerada imposta
aos empreendedores no Brasil. “É um ambiente de desconfiança
institucional com quem está fazendo o País andar”, afirma. “Somos nós
que pagamos o preço de quem faz errado”.
''O investimento em educação no Brasil não é baixo, o que falta é gestão''
Istoé -Como funciona o Guten News?
Danielle Brants - Essa é uma plataforma de
notícias para crianças de 8 a 12 anos, que pode ser acessada por
aplicativo no iPad ou por um site na internet. Para isso, temos um time
de jornalistas que escreve numa linguagem mais próxima a esses jovens,
com um vocabulário mais simples e a construção de frases na ordem
direta. Além disso, as notícias não tratam de vários subtemas, mas de
uma só linha-mestre. A mensagem principal sempre é informar. Então, toda
semana publicamos uma edição nova do Guten News, com cinco notícias,
uma para cada dia da semana. Só que antes de iniciar a leitura, o
estudante participa de jogos e missões ligados ao tema do artigo para
acionar o conhecimento prévio e deixá-lo aquecido. Logo depois,
oferecemos duas atividades de pós-leitura para ver se ele compreendeu o
que leu. As crianças criam avatares e vão ganhando selos ao longo do
tempo. Assim, conseguimos mapear tudo o que o aluno faz, as dificuldades
que ele tem, os conteúdos que mais o interessam e vendemos esse
relatório às escolas.
Istoé - Existe algum assunto proibido?
Danielle Brants - Não. Tratamos de religião,
política, esporte, comportamento e ciência. Estamos informando. O
trabalho do professor é de curadoria. Se ele é de uma escola religiosa,
pode ignorar alguns assuntos.
Istoé - De onde surgiu a ideia?
Danielle Brants - Não sou nem educadora, nem
jornalista. Sou administradora de empresas e trabalhava no mercado
financeiro. Estava insatisfeita há alguns anos e não sabia exatamente de
onde isso vinha. Resolvi pedir demissão sem nada em mente. Era o
momento de eu analisar o que faria pelos próximos 50 anos. Sempre tive
grande apreço por tecnologia. Pensei: onde a tecnologia ainda é
incipiente, mas tem grande potencial? Educação e saúde estavam dando os
primeiros passos e comecei a estudar esses setores. Me inscrevi num
curso de especialização na Escola de Educação da Universidade de Harvard
e, durante essa viagem, conheci algumas start-ups de educação. Fiquei
encantada.
Istoé - E por que trabalhar com leitura?
Danielle Brants - Há pouca inovação em
língua portuguesa, esse é um segmento que foi deixado um pouco de lado
nas escolas. Na matemática tem muita coisa, com ensino adaptativo,
ciência, robótica. A leitura era tratada com “dou um livro e vejo o que
vai sair”. Então, vi que tínhamos um grande problema, ninguém estava
trabalhando com ele, e era com isso que queria trabalhar. Comecei a
visitar escolas, ouvir professores. Foi um processo de seis meses para
conceber a ideia.
Istoé - Como você conseguiu o financiamento para esse projeto?
Danielle Brants - Quando comecei, tinha 10
anos de economias e costumo dizer que fui meu próprio investidor-anjo.
Mantive a Guten, contratei desenvolvedor e funcionários com o meu
dinheiro. Isso foi por um ano e meio. Até o momento em que vi que tinha
substância para falar com investidores. O ambiente de investimentos no
Brasil é bem menor e mais avesso a riscos que em outros mercados como os
Estados Unidos e ele demanda que você já tenha atingido alguns marcos. O
que fiz foi esperar que minha ideia deixasse de ser um projeto e se
tornasse uma empresa. Em julho, fechei uma rodada de capital-semente com
investidores locais e um fundo americano.
Istoé - O setor de start-ups e tecnologia é tão afetado pela crise econômica no Brasil quanto os demais?
Danielle Brants - Sim e não. Sim, porque se
eu estivesse, nesse momento de extremo pessimismo, procurando por um
aporte, seria bem mais difícil fechar uma rodada de investimento.
Principalmente numa empresa que está começando agora e eu não sou do
setor. Por outro lado, acho que afeta menos. Durante a crise, as escolas
até perdem matrículas, mas os pais deixam de pagar uma com mensalidade
de R$ 1 mil para ir para outra de R$ 800. E o meu mercado abrange todo
mundo. Posso trabalhar com escolas de vários níveis.
Istoé -Você pensa em expandir para o setor público?
Danielle Brants - Ainda não estou nele, mas
vou tentar vender para o setor público mais para a frente, até por causa
do impacto. É no setor público que estão mais de 80% das matrículas.
Istoé - Qual é a maior dificuldade em empreender no Brasil?
Danielle Brants - O fator que mais atrapalha
é a burocracia exacerbada. Existe um pano de fundo em que não se confia
no empresário brasileiro. É preciso fazer certificações, fichas,
papéis, pagar muitos impostos, é um ambiente de desconfiança
institucional com quem está fazendo o País andar. Isso me atrapalha, mas
não é nada que me impeça de trabalhar. Se a maré vier contra, vou
continuar remando. Minha expectativa, afinal, já era baixa. Quando
trabalhava com fusões e aquisições, escutava muito o lado do
empreendedor e todo mundo falava que o Brasil era muito difícil. Quando
entrei, estava consciente disso.
Istoé - O que é ser inovador hoje em dia?
Danielle Brants - Inovação não é
necessariamente ciência espacial. Não é uma coisa complicada. Inovar é
resolver o problema de alguém de forma criativa e que não tenha sido
feita antes. Não sou nenhum grande gênio, mas encontrei uma solução de
leitura para professores que precisavam disso. Achei uma forma viável,
de baixo custo e com amplo alcance.
Istoé - Como o Brasil pode ser um país mais inovador no futuro?
Danielle Brants - Inovação não é um estalo
que se tem, é fruto de muito trabalho. Culturalmente achamos que é um
“momento eureka”. Pelo menos, para mim, não foi assim. Por mais que
estivesse trabalhando em outro setor, estava criando as capacidades
gerenciais que precisava, de análise crítica, de como montar um negócio,
avaliar um mercado. E, para inovar, muitas vezes é preciso fracassar.
Só que, no Brasil, isso é visto como uma derrota, o fim de tudo. Se
conseguirmos mudar essa mentalidade e ver o fracasso como uma
experiência importante, talvez as coisas comecem a mudar e as pessoas
inovem mais.
Istoé -Num país como o Brasil, em que as pessoas lêem tão pouco, encontrar soluções digitais é uma maneira de incentivar a leitura?
Danielle Brants - Temos um conflito. Hoje os
pais e educadores estão preocupados com as crianças que ficam muito
tempo no tablet e estão voltadas para jogos e entretenimento. Obviamente
não sou partidária disso. O que vejo nas escolas é um processo de
adaptação. No começo, houve uma onda de tecnologia em que se achou que
os hardwares iriam resolver tudo. Achavam que o fato de haver um tablet
ou um computador na escola faria, de uma hora para outra, com que o
aluno se interessasse. E não é assim tão fácil. Depois, veio o momento
da frustração. As escolas acharam que a tecnologia não tinha nenhum fim
pedagógico. Agora parece haver um equilíbrio.
Istoé - No ano passado, uma
pesquisa da OCDE mostrou os alunos brasileiros na antepenúltima posição
de um ranking que avaliou a habilidade de navegar em sites e compreender
leituras na internet. De onde vem essa dificuldade?
Danielle Brants - No Brasil, trabalhamos
muito a alfabetização e hoje todo mundo é alfabetizado. Agora existe um
problema de letramento. As pessoas conseguem decodificar as palavras,
ligar as sílabas, só que não necessariamente compreendem aquilo. Além
disso, se você não consegue entender uma frase, dificilmente vai
conseguir discernir fato de opinião e vai ser crítico frente a uma
informação. Aí essas crianças são colocadas numa internet lotada de
informações, e provavelmente ela vai se perder. É um problema de base.
Istoé -Como o Brasil poderia adotar a internet nas escolas em grande escala? Falta dinheiro para investir ou faltam projetos?
Danielle Brants - Falta gestão.
Comparativamente a outros países, nosso investimento per capita em
educação não fica muito abaixo. Mas a gestão e a forma como esse
dinheiro é aplicado poderiam ser melhores. Quando falamos de internet, é
preciso ter uma mente inovadora, fazer experimentação, testar
projetos-piloto. Trata-se de gerir bem o processo e não fazer algo de
cima para baixo. Os professores têm que fazer parte da discussão.
Istoé - É possível adotar a proposta do Guten News em larga escala?
Danielle Brants - Certamente. Ele pode
chegar a milhões de alunos praticamente sem nenhum custo. A única coisa
que mudaria para a empresa seria o custo do servidor. Quanto mais gente
nós atingirmos, mais perto estaremos de nosso objetivo. Numa visão de
longo prazo, quero criar uma empresa que forme uma nova geração de
leitores para o Brasil. Quando tiver 80, 90 anos, quero olhar para trás e
ver que mudei alguma coisa.
Istoé - Você está trabalhando em algum outro projeto agora?
Danielle Brants - Sim, é um projeto bem mais
ambicioso de leitura. Acabamos de ganhar um prêmio da Fapesp e temos um
convênio com a Universidade de São Paulo (USP). Estamos criando o
primeiro software classificador de complexidade de textos. Se queremos
que um aluno leia mais, temos que dar um desafio na medida certa. Se eu
der um texto muito difícil para uma criança de 8 anos, ela estará fora
da zona de desafio. É uma montanha muito alta para ela subir e ela vai
se desmotivar. Então, tem que ser aos poucos. Para isso, precisamos
criar uma ferramenta que meça a leiturabilidade de um texto
objetivamente, com padrões linguísticos. Por isso, tenho trabalhado com
linguistas da USP para criar esse primeiro software para o português.
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Fonte: http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/445592_INOVACAO+NAO+E+CIENCIA+ESPACIAL+
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