Luis Fernando Veríssimo*
Alguém
já disse que critico é aquele cara que fica assistindo à batalha de uma colina
e, quando a batalha acaba,
desce ao vale e atira nos sobreviventes
O
escritor americano nascido no Canadá Saul Bellow disse certa vez que era um
pássaro, não um ornitólogo. Querendo dizer que fazia seus romances, mas pouco
entendia da teoria do romance. Era um ficcionista, não um ensaísta, e não
esperassem outra coisa dele.
Bellow
estava sendo falsamente modesto ou exageradamente anticrítico, pois pertencia a
um seleto grupo de escritores — John Updike, Italo Calvino e Vladimir Nabokov
são outros exemplos — tão bons críticos quanto romancistas, uma estranha
estirpe de pássaros ornitológicos. Híbridos como eles são raros, em qualquer
profissão. Poucos jogadores de futebol conseguiriam descrever, em termos de
física aplicada, o que fazem com uma bola. Imagine o Garrincha num
quadro-negro, explicando, com gráficos, uma jogada sua. Ninguém era mais
pássaro do que Garrincha.
Bellow,
Updike, Calvino, Nabokov e poucos outros fizeram sua literatura e escreveram
sobre a literatura dos outros com a mesma maestria. Talvez sua experiência como
pássaros informasse suas incursões pela teoria. Alguém já disse que critico é
aquele cara que fica assistindo à batalha de uma colina e, quando a batalha
acaba, desce ao vale e atira nos sobreviventes. Um escritor seria mais
benevolente com o trabalho de um colega.
Sobre
a diferença entre a prática e a teoria, me lembrei da historia da faxineira do
labirinto. Todos os dias, a faxineira entrava no labirinto, varria seus
corredores, limpava o que havia para limpar, lustrava o que havia para lustrar
e, terminado o seu serviço, ia para casa. Um dia a faxineira encontrou um grupo
de turistas aflitos dentro do labirinto. O grupo estava havia horas procurando
a saída, em vão. Corredores davam para corredores que davam para corredores que
terminavam em paredes sem saída. A faxineira poderia ajudá-los a encontrar a
saída? Claro, disse a faxineira. E começou a dar direções.
—
Vocês peguem a direita aqui, depois a esquerda, depois a... Não. Peguem a
esquerda aqui, depois a direita, depois outra vez a direita... Ou será a
esquerda? Meu Deus, eu não sei como sair do labirinto!
A
faxineira nunca tinha se dado conta porque não precisava.
CHICO
Ouço
que tem sido comum a plateia aplaudir no fim de uma sessão do filme sobre o
Chico. Difícil precisar o que está sendo aplaudido: a beleza do filme do Miguel
Faria Jr., a qualidade da musica e dos interpretes, a personalidade do Chico...
Ou talvez seja algo indefinível, uma espécie de autocongratulação do publico
por se sentir numa clareira de talento e sensibilidade em meio à estupidez
crescente, o Brasil que ainda não desistiu do Brasil aplaudindo a si mesmo.
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* Jornalista. Escritor.
Fonte: http://oglobo.globo.com/opiniao/ornitologia-18388503
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